Luanda - O Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla inglesa), responsável pelo “Luanda Leaks” — que trouxe a público, em Janeiro último, os sinuosos caminhos da gestão de Isabel dos Santos à frente da Sonangol — mostrou-se esta semana algo “irritado” com a informação que dava conta da extensão das suas investigações a mais três outras entidades angolanas.
 
Fonte: Club-k.net

Em causa estaria todo um trabalho que se pretendia sigiloso, mas que, segundo fontes deste portal, pode ter colocar em causa a estratégia — e não as investigações — levadas a cabo por aquele órgão, que nunca antecipa o anúncio de investigações a figuras ou a pessoas colectivas, de maneira a não deixar os visados “sob alerta”.


 
Ao que se sabe, as investigações às três entidades angolanas duram há vários meses, tendo estas já produzido várias provas documentais a respeito recolhidas a partir do Dubai (Abu Dhabi), Brasil e outros locais, estando agendada a divulgação de um novo dossier para Outubro próximo com revelações “bastante comprometedoras”.  

 
Entretanto, através da rede social Twitter, o coordenador de parcerias com África e Médio Oriente do ICIJ, Will Fitzgibbon, reagiu, sem desmentir, a matéria posta a circular pelo portal Luanda Post, segundo a qual o “Luanda Leaks” teria desta vez “no olho do furacão” o antigo Vice-Presidente da República Manuel Domingos Vicente, o actual Ministro-chefe de Gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Maurício Fernandes Gaspar da Costa, e ainda o actual ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges.


 
“O Consórcio Internacional de Jornalistas, mesmo depois do ‘Luanda Leaks’, ainda não fala português fluentemente. Mas sabe o suficiente para dizer isso: não. Não há nenhuma fonte no ICIJ Washington DC que diga o que iremos investigar a seguir”, escreveu no Twitter Will Fitzgibbon, em resposta ao artigo do Luanda Post que avançava como fonte alguém ligado ao próprio consórcio.

 
A matéria do Luanda Post, que confirma o mês de Outubro como sendo a data em que se vai tornar pública as novas revelações sobre interesses ligados a três figuras, faz uma colagem directa da alegada investigação do “Luanda Leaks” às últimas ocorrências protagonizadas pelo Serviço Nacional de Recuperação de Activos da Procuradoria-Geral de Angola (PGR), que mandou apreender três edifícios, localizados no distrito urbano da Ingombota.
 
Ligações de Manuel Vicente às últimas apreensões


Manuel Vicente é apontado como estando ligado aos edifícios, a par de Francisco de Lemos e Orlando Veloso. Os fundos para a construção dos prédios terão saído da Sociedade Nacional de Combustíveis de Angola, a Sonangol. 


 
O ex-Vice-presidente da República chegou a ser apontado pela empresária Isabel dos Santos de ter sido a pessoa que esteve por trás das revelações do “Luanda Leaks”. Manuel Vicente fez parte do chamado triunvirato que gravitava à volta de José Eduardo dos Santos, juntamente com os generais Hélder Vieira Dias Júnior “Kopelipa” e Leopoldino do Nascimento “Dino”. É suspeito pelo Fundo Monetário Internacional de ter desviado 32 mil milhões de dólares dos cofres públicos.

A origem misteriosa de uma fortuna


Um outro nome associado às “novas investigações” do Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação é o do actual chefe de Gabinete do Presidente da República, Edeltrudes Costa. Uma associação que tem que ver sobretudo com a origem do seu dinheiro, que, segundo o Luanda Post, “permanece um mistério”.


Edeltrudes Costa é apontado como tendo impulsionado, a partir de 2013, o seu património, estando grande parte da sua fortuna, que ultrapassa os 20 milhões de euros, aplicada em títulos financeiros e outra aplicada na compra de imóveis em Portugal.


Em Abril de 2017, numa altura em que já tinha sido afastado por José Eduardo dos Santos e antes mesmo de ser “repescado” por João Lourenço, Edeltrudes Costa transferiu 2,05 milhões de euros para Ariete Faria (ex-mulher), que no mês seguinte comprou uma casa na Quinta da Marinha, em Cascais, por 2,52 milhões de euros.


Ariete Faria é presidente da EMFC Consulting, uma empresa na qual Edeltrudes Costa tem plenos poderes desde outubro de 2015, por conta de procurações que lhe foram entregues pelos quatro sócios da empresa.


A EMFC já fez vários trabalhos com o Estado angolano. Em 2017, facturou ao Ministério da Justiça 20 milhões de kwanzas por assessoria em dois anteprojetos de diplomas. A EMFC ganhou ainda 540 mil euros com as eleições de 2017, por honorários cobrados à Bosmax Trading, contratada pela Comissão Nacional Eleitoral para fornecer equipamentos para as eleições por um valor equivalente a 9 milhões de euros.


Em 2011 Edeltrudes Costa comprou um apartamento no Panamá, no edifício Trump Ocean Club (actual Marriott Residences), por cerca de 300 mil dólares. O pagamento foi feito através de uma conta na sucursal do BES na Madeira, em nome da Vadin Enterprises Limited, uma offshore das Ilhas Virgens Britânicas. Entre outros negócios.

O ministro dos negócios em família


O actual ministro da Energia e Águas, João Baptista Borges, é outros dos membros citados pelo Luanda Post, mas, pelo engajamento da sua família nos seus negócios. Apresentado como sendo um dos mais contestados, fruto dos escândalos de corrupção que têm abalado o seu sector, João Baptista Borges segue de pedra e cal no Executivo de João Lourenço.  


O seu filho Paulo Borges concluiu um mestrado em Engenharia de Telecomunicações, em Portugal, tornando-se, em 2016, um de muitos nomes expostos nos Panama Papers: era accionista de duas offshores, a Valoris International Services, nas Ilhas Virgens Britânicas, e a Mundideias, nas Seicheles.


De acordo com o Luanda Post, Paulo Borges entrou no radar da Autoridade Tributária portuguesa, que começou a analisar cada nome dos Panama Papers com residência em Portugal. Era também sócio de uma homónima Mundideias, com sede em Angola, controlada pela mãe, Ana Cabral Borges.


A mulher de João Baptista Borges, Ana Borges, era sócia na empresa Megawatt, criada em 2005 e também participada pelas mulheres de outras duas figuras de proa da política angolana: Efigénia Gonçalves (esposa do antigo ministro dos Petróleos, José Botelho de Vasconcelos) e Telma Inglês Tiago (casada com Adriano Botelho de Vasconcelos, deputado entre 2012 e 2017).


Ainda segundo o Luanda Post, a Megawatt deteve, entre 2009 e 2018, uma participação de 30% na Ambergol, empresa angolana controlada pelas portuguesas Sousa Pedro e J. J. Tomé (esta detida pela francesa Eiffage). E não só a Megawatt era acionista da Ambergol como prestava serviços a esta empresa, que obteve contratos para a construção de linhas elétricas em Angola.


Entre 2011 e 2012, a Megawatt recebeu o equivalente a pelo menos 329 mil euros da Ambergol. A Ambergol conseguira, em 2011, um subcontrato no valor de 15,7 milhões de euros num projecto liderado pela portuguesa Efacec, com a chancela do Ministério da Energia e Águas.


Também em 2011, a Megawatt prestou serviços à EDEL, onde João Baptista Borges fez carreira, tendo sido seu presidente entre 2005 e 2008, ano em que entrou para o Governo. Em 2019 a Megawatt foi dissolvida.


Recentemente, uma empresa conotada a si (El Sewedy Power), foi apontada como tendo ficado com a quota que pertencia à empresária angolana Isabel dos Santos.