Luanda - No Telejornal de ontem, foi lido a circular No 26/2020 do Ministério da Educação, que orienta os professores à apresentarem-se nas escolas para permitir a manutenção das actividades pedagógicas. Porém, uma simples análise, mostra que a orientação é demagógica e vazia, repare o que diz a circular: a. Organizar os processos individuais dos alunos e funcionários;

Fonte: Club-k.net

As escolas, têm funcionários administrativos que conferem, classificam e organizam os processos segundo os critérios definidos pelas direcções. Essa actividade, culmina com a elaboração da estatística inicial. Orientar Lic, Msc e PhD para organizar processos individuais nas escolas, é a pior treta que já ouvi de uma ministra. Explore melhor as capacidades deles e evite paleios!


b. Organizar os dados estatísticos dos alunos e da força de trabalho; Essa medida seria assertiva, mas a questão é, há realmente estatística que os funcionários administrativos não conseguem organizar e que precisa de intervenção de professores? Sinceramente, não compreendo de que estatística se refere. De números de alunos matriculados por classes e outras relacionadas? As escolas têm estes dados, conforme mencionado na alínea a), esta informação, é organizada no início do ano e no final, tendo em conta a natureza da produção dos dados nas escolas.


c. Organizar e classificar os arquivos de escolas;


A Sra. é engraçada! Nos países com jornalismo especializado, hoje teríamos na capa de um jornal o seguinte destaque: “Ministra de Educação orienta os professores a percorrer 300 kms para organizar arquivos”.


Em geografias desenvolvidas, os arquivos são organizados por um pessoal próprio e até especializado. Penso que a ministra esqueceu-se que a maioria dos professores não trabalha na cidade, não é justo orientar professores a percorrerem 200 a 300 km em vias destratadas, para ir organizar arquivos. Porquê não sugeres à Comissão Multissectorial para reiniciar as aulas, ao invés de estares a colocar os profs. em risco por uma banalidade?


d. Organizar a biblioteca e classificar os livros;


Sra. Ministra! Mais da metade das escolas nesse país, não possui bibliotecas. Organizar que bibliotecas? As poucas escolas que possuem bibliotecas, têm bibliotecários para o efeito e mais, a biblioteca não é uma papelaria que se desorganiza fácil. Quando se tira um livro da estante para consulta, depois do seu uso devolve-se imediatamente no local. Que

organização de biblioteca se refere? Agora não há mais distinção entre lagartixa, santopeias e crocodilos? Sinceramente, custa-me acreditar, que essa orientação vem de uma ministra? Estamos fritos!


e. Redimensionar a carga horária docente de acordo com o decreto presidencial;


Salvo excepções de escolas com lideranças democráticas. Na maioria das escolas, quem elabora os horários são os sub-directores pedagógicas auxiliados por coordenadores de disciplinas, o que é legítimo! Orientar uma escola com 100 professores para irem elaborar horários, é simplesmente engraçado e mais, esta é uma actividade que se realiza no máximo em 1 semana (Liceu).


f. Organizar as salas de aulas de acordo com as orientações sanitárias em matéria de biossegurança;


O que é organizar as salas de acordo com as medidas de biossegurança? Ai minha Angola! Aqui, o ponto é, escrever (porque não há tinteiros nas escolas para imprimir) numa folha A4 em letras grandes “RESERVADO”, e cola-se a folha escrita sobre as carteiras intervaladamente. Isso é actividade de um dia e para 3 ou 4 professores realizarem.


Sra. Ministra, não vai dizer aos professores para instalarem água corrente nas escolas? Espero que não, porque é competência do executivo e não dos pobres professores.


g. Elaborar os meios de ensino

Sra. Ministra, imagine os profs. que vivem em Menongue e trabalham em Mavinga, alguns no Huambo e trabalham no Mungo, outros no Kuito e trabalham no Kweba; e uns vivem no Luena e trabalham no Alto Zambeze. Ah, peço desculpas! A Sra. só pensou em Luanda. Meios de ensino? Os professores fazem isto em casa e de modo individual para evitar contaminação na partilha de papel. Então esta não é o A, B, C das medidas de proteção contra a pandemia?
h. Elaborar cartazes publicitários sobre pandemia da Covid-19 e as medidas de biossegurança;


Os cartazes que refere, têm formato e linguagem técnico-científica adequada ao nível e idade dos destinatários e são fornecidos pelo MINSA, é claro que os profs. podem artesanalmente elaborá-los, mas não pode servir de argumentos para eles percorrerem kms e aumentar o risco de contaminação. Em condições normais, os cartazes em referência, são concebidos por especialistas de comunicação e divulgação das ciências e não por qualquer professor por aí.

i. Preparar tarefas semanais para pôr à disposição dos alunos.


Confesso que não sei como é que os Gabinetes Provinciais farão isso? Será que haverá um ensino atípico e a distância? Não sei, só ela sabe!


Ora, fora de Luanda, essa orientação será interpretar olho por olho e dente por dente, não duvido que no Cuando Cubango haverá funcionários a percorrer 400 kms ou mais, em estradas altamente degradas para ir cumprir agenda política da ministra. Portanto, a circular é vazia no seu argumento, é mais uma retórica e demagogia política. É mais fácil, reabrir as escolas do que estar a divertir-se com os professores.


HOMENAGEM: minha homenagem ao professor Júlio Joaquim Chissoca que faleceu essa semana, de acidente, quando voltava do município do Londuimbali – Huambo, onde tinha sido chamado para organizar processos individuais dos alunos. Meu amigo! Jovem corajoso, trabalhador e matemático de gema, mesmo em tempo de calamidade pública, não poupaste esforço e respondeste as orientações descabidas. Naquela via esburacada e destruída, não resististe. À família enlutada, os meus sentimentos de pesar. À viúva, desejamos força e coragem para prosseguir à vida!


De Anil Vila