Luanda - O Jornal de Angola de 05/07/2020 (p. 9), mês corrente, faz reportagem sobre a crise que assola a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD). O trabalho em questão teria maior qualidade se incluísse a opinião de um teólogo consagrado, quer dizer, um profissional formado em Teologia e que faz da Teologia sua actividade de investigação científica exclusiva. O repórter deve ser ilibado. O país não tem teólogos.

Fonte: Club-k.net

Os clássicos atribuíram o estatuto de Filosofia Primeira à Teologia, o que deveria ser considerado uma experiência de valor perene.


Ora, além de cidadãos formados em universidades no estrangeiro, se não há mais, as Universidades Católica e Metodista de Angola oferecem o curso em questão no grau de Licenciatura, e já têm os programas de Mestrado e Doutoramento prontos para todos os interessados.


Apesar da providência, Angola prossegue formalmente sem teólogos porque o Instituto Nacional de Avaliação Acreditação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES) do país não reconhece a formação em Teologia. Os teólogos são recebidos pelo protocolo da instituição com a seguinte resposta: “nós não reconhecemos certificados que falam de Deus…”


A posição do INAAREES deixa os profissionais em Teologia definitivamente fora do sufrágio, pois, até as empresas que reconhecem seus préstimos não os podem amparar como tais por questão legal.


No mercado do emprego angolano, sabe-se que o bónus do INAAREES é por enquanto elemento indispensável para a apresentação de candidatura ao trabalho.


Até parece que ninguém mais deveria frequentar esse curso, excepto por preparação a clérigo, quando quem o concluiu com sucesso só sabe que teve o melhor, certamente.

 

É verdade que quem brinca com fogo queima, mas é impraticável que quem não tem cão caça com gato.


Assim, sem teólogos consagrados, é complicado avaliar a tutela da legalização das Igrejas em Angola.


As Igrejas são reconhecidas em Angola. Os teólogos não. Será mesmo porque os certificados falam de Deus? E essas Igrejas falam de quê, mais ou menos, para serem reconhecidas? Como garantir a qualidade nas organizações religiosas quando não há critério de qualidade para sua mão-de-obra?


É isso mesmo que o teólogo faz. Fala de Deus e sobre Deus. Fala do homem que quer a Deus. Fala da religião, fala do homem, fala do “homo religiosus”.


Não deve ser confundido somente com um clérigo. Ainda que nem sempre a situação ofusque seu perfil de teólogo, este é zelador de doutrina. O teólogo não zela necessariamente por uma doutrina religiosa em particular, senão da teológica, tal como o médico que só zela da doutrina clínica.


O clérigo além de falar de Deus e sobre Deus, está obrigado a falar com Ele, (através da Oração, do Culto, da Liturgia, da Pastoral…).


No âmbito do curso universitário de Teologia oferecido pelas universidades locais, certamente, o teólogo aqui considerado consagrado, não fala somente de Deus. Tem que ser cauto por se ver cruzar com diversas correntes filosóficas e tradições religiosas: agnosticismo, budismo, hinduísmo… Ele já sabe que nem todas as religiões são monoteístas. Sabe também que existem outros livros sagrados além da Bíblia. Tem maior consciência do que refere o argumento segundo o qual determinado estado é laico.


O problema religioso é humano e universal. A comunidade humana pode ser dividida em 3: os que praticam religião, os que não a praticam e os que “nunca foram evangelizados”.


Em Angola, há mais templos que agências bancarias, só para minimizar; há mais templos que “tudo”. Pode-se comprovar que há templos e sempre houve até nas aldeias rurais onde as agências bancárias preferem não investir por falta de motivos. As Igrejas sempre estão lá no profundo do país onde nem as escolas conseguem chegar; sempre com motivos, até quando nem partido político é capaz de o fazer.


Os incidentes de fórum religioso são recorrentes no país envolvendo a intervenção das autoridades governamentais, muitas vezes com índole bélica.

Em regra, um Livro Sagrada nunca faltará na biblioteca de uma família angolana. Muitas bibliotecas familiares angolanas só têm esse livro, a Bíblia ou outro. Não tem mais: nem de Política, nem de Direito da Família, nem de Saúde. É natural ver pessoas agarradas a um Livro Sagrado ou outro símbolo religioso em situação de perigo eminente, como dentro de um avião em movimento, e não só.


Têm sido diversas as vozes que se unem em prol da recuperação de valores morais no seio da comunidade nacional. Os profissionais em Teologia deveriam ser tidos em conta nessa empreitada uma vez que o assunto lhes diz directamente respeito por carga académica. Porque se nada vale, nada vale mesmo: Deus, o outro, a vida, a propriedade, as instituições e assim em diante. O cenário de violência fica, tecnicamente, traçado.


A interpretação do artigo 10º da Constituição da República tem que ser mais coerente, uma qualidade que se pode garantir especialmente com a participação de teólogos.


Em paralelo, o Brasil e os Estados Unidos da América são igualmente países laicos, entre outros. Apesar disso, assinalam a beleza das suas moedas nacionais com aclamações religiosas relevantes. Não deixa de ser suave ver o “halllelujah” interpretado no real brasileiro e a confissão “in god we trust” no dólar norte-americano.

É possível estimar que o número de nações cujo princípio da laicidade é aplicado com radicalismo vai encolhendo e a prosperidade é doutrinária naquelas que procuram insistir na vontade até aos limites.


Sérgio Sabalo
12/07/2020