Luanda - Em toda a parte do Mundo os Parlamentos são espaços propícios de convergências de ideias e de divergências de conceitos, no qual os deputados de várias forças políticas discutem e buscam consensos sobre os assuntos essenciais do interesse público. Os deputados eleitos pelo povo têm a responsabilidade institucional perante os eleitores, na qualidade de representantes, de legisladores e de fiscalizadores.

Fonte: Club-k.net

A representatividade reflecte-se não somente na feitura das leis, mas sobretudo, na distribuição da riqueza, que é feita através do Orçamento Geral do Estado, elaborado pelo Governo e aprovado pelo Parlamento. No fundo, o Orçamento Geral do Estado é uma previsão das receitas e das despesas da Administração Pública relativas a um ano. Apesar disso, o Orçamento Geral do Estado é o instrumento principal do exercício do poder, da administração do Estado e da distribuição da riqueza. 

 

Por isso, no exercício da aprovação do Orçamento Geral do Estado os parlamentares, a vários níveis, buscam o consenso na alocação de verbas tendo em conta as necessidades prementes do povo e as prioridades estratégicas do Governo. As divergências surgem na definição das necessidades prementes do povo e das prioridades do Governo, como metas estratégicas. Devida a essência da vida humana as Nações Unidas recomenda aos Estados Membros fazer «orçamentos-programas» que alocam as verbas na base de programas específicos, concretos, imperativos e verificáveis, dirigidos à erradicação da pobreza extrema e à protecção do ambiente, sendo os focos principais do Século XXI. 

 

Repare que, as metas estratégicas dos governos, que fazem parte das suas agendas políticas, nem sempre coincidem com as carências da população. Além disso, a distribuição do rendimento nacional obedece ao ideário de um partido, de acordo com a matriz ideológica, que define a sua base social e defende os interesses desta base social, que assegura o poder político. O Professor Diogo Freitas de Amaral, no seu livro intitulado, «Historia das Ideias Políticas», define a política da seguinte maneira: “A política é a luta que tem como fim único a consolidação do poder.” Ao passo que, o estadista Alemão, Otto von Bismark, definia a política nos seguintes termos: “ A política não é uma ciência exacta, mas uma arte.” Fim de citação.

 

A linha divisória entre a «ciência» e a «arte» é infinitésima, dando o facto de que, ambas requerem o saber, habilidades, aprendizagens, técnicas, conhecimentos exactos, racionalidades e verificabilidade. No fundo, é com as faculdades acima referidas que viabilizam interpretar objectivamente os fenómenos sociais e da natureza; produzir algo concreto; ou alcançar uma meta predefinida. Cabe-me dizer que, na democracia plural, de alternância do poder, a política é o «jogo variável», que é caracterizado pela ascensão ao poder e pela queda do poder – sucessivamente. Somente nos regimes autoritários nos quais o poder político assuma o carácter vitalício até atingir o estado mais avançado da decadência que é precedida geralmente por uma revolução, que altera o statu quo vigente.

 

Portanto, estamos perante a Teoria da Idade Média, que olhava para a política como um instrumento de conquista e de repressão, para se manter definitivamente no poder com fim de exercer a supremacia e enriquecer a nobreza. Curiosamente, no Parlamento Angolano existe a mesma mentalidade da Idade Média, que tem dificuldade de aceitar os princípios democráticos que assentam no equilíbrio e na alternância do poder político. Esta corrente ideológica defende a tese que consiste na manutenção definitiva do poder, na qual exista o partido gigante, que governa, e o partido subalterno, que ajuda governar. 

 

Logo, a teoria da bipolarização política, que tem sido defendida em alguns círculos políticos, assenta essencialmente neste conceito da partilha do poder político, entre quem governa e quem faz a oposição, numa aliança tácita, acordada previamente entre as partes. Razão pela qual, a visão da «terceira via», que cria as sinergias e o equilíbrio, que permitam a alternância do poder, é combatida ferozmente, tida como uma grande ameaça ao poder instituído.

 

O caso do PRA-JA SERVIR ANGOLA, inviabilizado arbitrariamente pelo Tribunal Constitucional, se enquadra nesta estratégia acima referida, que consiste na bipolarização assimétrica, sem alternância do poder. Mesmo o caso dos Oito (08) Deputados, que “Não Integram Nenhum Grupo Parlamentar,” conhecidos por «Independentes», situa-se nesta estratégia do bloqueio, de impedir a existência de uma força alternativa, capaz de alterar a correlação de forças. Veja que, apesar dos direitos e das regalias do «deputado» estarem bem plasmados no Regimento da Assembleia Nacional, mas os Oitos (08) Deputados Independentes encontram-se numa condição de marginalização e humilhação. 

 

Pois, eles estão privados de exercer digna e efectivamente os seus mandatos como está estipulado na Constituição e no Regimento da Assembleia Nacional: Eles não têm nenhum espaço de trabalho; reúnem-se no restaurante ou nas galerias da Assembleia Nacional para concertar as ideias sobre a Agenda do Plenário; não têm recursos nenhuns para trabalhar e deslocar-se junto dos eleitores; não são inclusos nas equipas de deputação que deslocam às províncias e junto das comunidades. O mais caricato é que, até o uso da palavra é restringido apenas a 3 minutos; enquanto os outros deputados, de outras formações políticas, têm 8 minutos de intervenção.

 

Nota-se visivelmente o espirito de subalternização e de revanchismo de alguns círculos da Assembleia Nacional contra os deputados independentes. Isso vai até ao ponto de bloquear as iniciativas legislativas dos deputados independentes; em alguns casos, as iniciativas legiferantes deste grupo são atribuídas a outro grupo parlamentar; o acesso à documentação da Assembleia Nacional é complexo; os deputados independentes sempre têm que fazer muitas ginásticas para estar ao corrente daquilo que passa na Assembleia Nacional; a participação aos debates é o grande martírio; exige o sangue-frio para aturar as humilhações e as restrições discriminatórias. Neste âmbito, a Assembleia Nacional pratica o princípio de dois pesos e duas medidas: existe deputados da primeira classe e deputados da segunda classe; de facto é difícil acreditar que, estejamos no Parlamento Multipartidário, que busca o Estado Democrático de Direito. 


Em síntese, esta reflexão vem a propósito para elucidar a sociedade angolana sobre aquilo que está acontecer na Assembleia Nacional com os Deputados Independentes. Desde 2018 este assunto está na Mesa do Presidente da Assembleia Nacional, que remeteu a questão às Comissões competentes em razão da matéria (Comissão de Assuntos Constitucionais e Jurídicos, e Comissão de Mandatos, Ética e Decoro Parlamentar), em concertação com os Presidentes dos Grupos Parlamentares. 


A verdade é que, desde 2018, os deputados em geral não tiveram conhecimento nenhum sobre este assunto, pensando que tudo estava ser feito de acordo com o Regimento da Assembleia Nacional. A bomba explodiu na Reunião Interna da Assembleia Nacional, a porta fechada, do dia 13 de Agosto de 2020 quando este assunto foi levantado abertamente pelos deputados independentes. Neste âmbito, a título pessoal, achei conveniente trazer ao público esta informação para que os eleitores angolanos estejam bem informados daquilo que de facto ocorre na Assembleia Nacional. 

 

Porque no Relatório Final do Ano Parlamentar de 2019/2020, apresentado no dia 14 de Agosto de 2020, a Assembleia Nacional fez um balanço positivo, dando a impressão de que a Casa das Leis gozava a excelente saúde, vivendo no pleno clima de harmonia, de respeito mútuo e de concórdia. Enquanto, na verdade, existe um segmento importantíssimo dos deputados eleitos em 2017, que há três anos consecutivos, estão sob pressão, marginalizados e perseguidos. 

 

Importa sublinhar que, o Presidente da Assembleia Nacional é uma personalidade digna, respeitável, aberta e pragmática, com vontade política de fazer as coisas devidamente. Infelizmente, como acontece com o Tribunal Constitucional, existe a interferência externa, extraparlamentar, que dita as regras do jogo, na base da doutrina segundo a qual: «A política é a luta que tem como «fim único» a manutenção e a consolidação do poder». Sem dúvida nenhuma esta doutrina é caduca, pertence à Idade Média, não reflecte o mundo actual da civilização, da mundialização e da globalização, no qual a vontade do povo é o fundamento da autoridade dos poderes públicos.

Luanda, 16 de Agosto de 2020