Luanda - Ponto prévio: a Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIIAP), como um órgão especial de investigação junto da Procuradoria-Geral da República (PGR), em qualquer processo de investigação, não tem poder mais decisivo que qualquer tribunal, ponto. Quanto mais não seja quando se trata de um tribunal da hierarquia mais alta da Justiça: Tribunal Supremo, ponto.  Partindo deste pressuposto legal, trago aqui a minha reflexão sobre este processo que envolve o nome de Bento Kangamba.

Fonte: Club-k.net

Esta reflexão vem trazer algumas inquietações que apontam uma possível parcialidade - que precisa de ser investigada - da DNIIAP no processo Bento Kangamba, que chegou a ser detido por alegada tentativa de pretender fugir do país a partir do Cunene, uma matéria amplamente publicitada na imprensa sem o uso devido do contraditório, algo que também mereceu o meu sentimento de repulsa, como jornalista e Conselheiro da Entidade Reguladora da Comunicação Social Angolana (ERCA) que sou (ainda), na altura em que os factos ocorreram.


Vamos aos factos, partindo de uma pirâmide invertida, como manda a nossa profissão jornalística: o Tribunal Supremo, após avaliação dos factos alegados pela DNIIAP versus argumentos de Bento Kangamba, ordenou a extinção das medidas de coacção a Bento Kangamba, notificando o requerente e o Ministério Público sobre a sua decisão superior.


Facto é que a DNIIAP não notificou imediatamente o requerente, contrariando a decisão do Tribunal Supremo, o que demonstra estarmos presente de uma investigação da DNIIAP com vícios de forma contra o general Bento Kangamba, uma situação que precisa de ser clarificada publicamente.


Este comportamento desafiador contra o Tribunal Supremo, por parte da DNIIAP, quanto a mim, é visto como uma violação à Constituição da República que determina no n.º 2 do artigo 177.º que “as decisões dos tribunais são de cumprimento obrigatório para todos os cidadãos e demais pessoas jurídicas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades”.


Ora, perante a decisão do Tribunal Supremo, Bento Kangamba tem criadas as condições para requerer que se interrompa o procedimento criminal, uma vez que tal processo é de natureza cível, como o próprio Tribunal Supremo considera, e não criminal como se fez crer na altura da sua publicitada detenção, chegando a ser algemado como se de um criminoso se tratasse.


Esse expediente, segundo a minha observação, devia ser remetido ao Tribunal Supremo, cujo pedido seria o de fazer que o processo siga termos na Sala do Cível e Administrativo do Tribunal Provincial de Luanda, por se tratar de uma acusão de incumprimento de uma obrigação pecuniária.


Perante a decisão do Tribunal Supremo e não cumprimento da DNIIAP, tudo leva a crer que se trata de um processo longo, capcioso e inclinado, por não obedecer, e por isso violar, flagrantemente, o princípio da legalidade, segundo o qual não "nulla puena sine lege", ou seja, ninguém pode ser punido por fazer algo que não é proibido por lei.


Se, por um lado, houve um (até dois comunicados contraditórios) comunicado de imprensa da DNIIAP, na altura, alegando que Bento Kangamba estava envolvido num processo criminal, seria de bom tom, por outro, que a mesma DNIIAP viesse a público publicitar, de igual forma, a decisão do Tribunal Supremo, que mostra o envolvimento de Bento Kangamba num processo cível e não criminal, levantando as medidas de coacção contra si para salvaguardar o seu bom nome, honra, reputação e imagem pública que tem, sendo a PGR a guardiã da Legalidade - e sabendo que se trata de alguém que sempre apoiou acções sociais no país, e mesmo pessoas individuais e colectivas, no tempo de José Eduardo dos Santos, o que aumenta responsabilidades numa investigação que devia ser imparcial.
Passados dois meses do despacho do Juiz Conselheiro do Tribunal Supremo, a DNIIAP, finalmente, conseguiu notificar o advogado do General, com o despacho que levanta a medida de coacção de interdição de deslocação ao estrangeiro, mas não faz menção que se trata de uma ordem do Tribunal Supremo, deixando no ar uma ideia de que Bento Kangamba pode voltar a ser alvo de outra medida de coacção a qualquer momento, no decorrer do processo, o que não é verdade, a julgar pela decisão do Tribunal Supremo.


A atitude da DNIIAP soa, claramente, a coisas estranhas alheias à Justiça. E é preciso que as nossas autoridades de investigação estejam atentas a esse processo.
Importa referir que tudo começou num início de tarde do mês de Fevereiro de 2020, quando se viu os principais noticiários pulverizarem a informação que dava conta da detenção, na província do Cunene, do conhecido empresário, dirigente desportivo e General Bento dos Santos “Kangamba”, por alegado crime de burla por defraudação.


Os noticiários propagaram, com o destaque que atribuíram à detenção, a transportação do acusado a Luanda, emitindo nos principais espaços notas da Direcção Nacional de Investigação e Acção Penal (DNIAP), sem se ter observado o princípio do contraditório, anulando qualquer razão de ciência por parte da defesa do General Kangamba.


Nesse mesmo sentido, as redes sociais divulgaram imagens degradantes do acusado, numa situação de humilhação pública, com fotografias do General algemado.
Lembro-me de que, naquela altura, a classe de juristas mostrou-se dividida. Uma parte defendia a legalidade do acto e outra, com significados seguidores, contestava a ilegalidade da decisão do Ministério Público.


Facto foi que na terça feira seguinte, ou seja, três dias depois da detenção, a DNIIAP emitiu mandado de soltura, fixando, porém, medidas de coacção após constituição de Bento Kangamba como arguido no processo.


Já naquele momento, questionou-se a legalidade das medidas de coacção pelas fragilidades da acusação e das condições alegadas que preenchiam os pressupostos que fundamentaram a decisão.


Ao ter em conta que é ao Ministério Público a que cabe a acção penal e, por via dessa atribuição, a defesa da legalidade, é descarado o não acatamento da decisão do Tribunal Supremo, constituindo-se numa clara desobediência da Constituição.


Por outro lado, verifica-se uma rasteira ao primado da lei, quando foi divulgada abundantemente o principio da proporcionalidade.


A sociedade foi pulverizada com a informação da detenção e mantém-se em dúvida sobre a inocência do acusado, o que não é bom para os interesses do próprio Presidente da República João Lourenço, que veio promover uma Justiça com olhos vendados.


Seria de elementar justiça que a DNIIAP esclarecesse o real alcance da decisão do Tribunal Supremo, confirmando o depacho do Juiz Conselheiro que o emitiu em nome do povo.


É preciso que outros serviços de investigação do Estado, como o Serviço de Inteligência e Segurança de Estado (SINSE), investiguem as reais razões deste comportamento dúbio da DNIIAP para que se cumpra o fim último do Direito: Justiça.

Carlos Alberto (on facebook)
28.08.2020