Luanda -  1.1. Nota Introdutória:- Embora a Comissão Constituinte e, certamente, a Assembleia Nacional em vestes da Assembleia Constituinte detida por maioria qualificada pelo M.P.L.A fruto das eleições legislativas ocorridas em 2008 tivessem aprovado o princípio da propriedade originária da terra pelo Estado a reflexão sobre esta matéria não expressão de uma visão parcelar ou de uma ideologia circular assente na tirania do hábito que sempre enfileirou inteligências de muitos feudocratas e muito menos é mero exercício da liberdade de pensamento e expressão. É, sim, um exercício de respeito aos fundamentos históricos, contrariamente, ao reiterado espezinhamento, omissões e escamoteamento dos factos Históricos que fomos testemunhando ao longo das últimas décadas. 


Fonte: Club-k.net


2. Breve Olhar à História 


Sem a ditadura do recurso aos livros, maioritariamente, escritos segundo os cânones e a racionalidade colonial, neo-colonial, partidária ou mimetista sabe-se que o Estado angolano surgiu em 1975 com a proclamação da Independência. Antes, Angola foi uma província ultramarina durante a invasão do Estado colonial português.

Esse Estado colonial encontrou povos organizados em sociedades políticas segundo reinos e sobados.


Injustamente, com a presença da máquina colonial os povos de Angola tornaram-se reféns dos princípios, valores e modelos de racionalidade europeia. Mais, perderam a soberania territorial, política e foram destruídos os fundamentos dos seus sistemas e do património Histórico-cultural e natural. Quanto a isso nada há de novo.


Depois da independência pouco ou nada mudou. Muitos povos Angola e famílias comunitárias que haviam sido, compulsivamente, expulsos de sua terra durante a colonização viram-se obrigados, depois da independência, a abandonar as terras de origem, hoje, transformadas em fazendas e Aldeamentos. Durante o Estado socialista não foi reconhecida, tal como no Estado colonial, a propriedade originária da terra aos povos de Angola. Ou seja, os conflitos de terra que conhecemos durante a época colonial foram transportados para o Estado socialista e, agora, para o Estado democrático e de direito. Como no tempo colonial, hoje, as melhores terras são ocupadas por homens ou grupos afectos ao poder político ou militar; as demolições, a excessiva burocracia e a corrupção do aparelho administrativo do Estado dificultam ainda mais o acesso à terra pelas grandes maiorias pobres e conduzem à especulação do preço da terra; o não-ordenamento do território deu lugar à indisciplina na ocupação e uso da terra, sendo certo que o mais forte, nessas circunstancias se impõe.
 


3.0. Razão da Negação do principio da propriedade originária da terra pelo Estado 
 


Temos, maioritariamente, em África Estados pessoalizados. Os chefes de Estados africanos e seus próximos, na sua maioria, encarnaram consciente ou inconscientemente o l’État c’est moi. Ou seja, vemos pessoas ou grupos de pessoas com interesses próprios confundidos ou vestidos do interesse público ou de Estado. Para provar essa realidade basta conferir quem e como passaram a classe de milionários, feudocratas e latifundiários as elites directa ou indirectamente ligadas ao poder político ou militar.
 
 

Temos um Estado que nunca garantiu desde que é Estado a posse segura do direito à terra devolvendo, por conseguinte, o cidadão à condição de vulnerabilidade e nomadez. O interesse público é manietado por uma vontade subterrânea refém dos escudos partidários e de grupos das grandes empresas.
 

Temos um Estado que nunca soube promover a participação, a aproximação e o diálogo com as populações, desinteressadamente, ainda que através de estudos ou programas educativos radiofónicos ou televisivos sobre os direitos e fundiários e gestão racional da terra. Infelizmente, o nosso Estado só se impõe através das leis que em muitos casos, por não emergirem dos fundamentos sócio-culturais deixaram de conformar as sociedades angolanas.
 

Desde quando Angola passou a ser um Estado para chamar a si a propriedade originaria da terra apagando da memória colectiva todo um passado cuja história conhecemos? E, aqui, importa referir que quando uma Constituição convoca princípios carecidos de fundamentos históricos ou ainda historicamente não-situados se está, claramente, perante um quadro de força e imposição.
 

Tal como existiam no tempo colonial terras de 2ª classe para as famílias rurais comunitárias que por não terem sido demarcadas nem tituladas foram sendo compulsivamente retiradas dos autóctones para servir interesses de pessoas e grupos da máquina colonial, hoje, a história repete-se.
 

Na verdade, não há  Estado sem um povo, mas há povo sem um Estado. O importante, aqui, é chamar a atenção que de todos os elementos estruturantes do Estado está o povo a quem e no seu interesse deve ser gerida ou administrada racionalmente a respublica e, por isso, exige a transparência e sanciona os governos de tempo em tempo.
 

Para terminar, queremos relembrar que só numa monarquia ou feudocracia onde o rei ou o feudocrata põe mão em tudo porque é o dono e vitalício é admissível fazer do Estado, o proprietário. Contudo, e, por inexistência de conhecimentos acabados, sábios e leis perfeitas temos de ter a máxima honestidade de compreender que num Estado democrático e de direito o Estado mais do que chamar a si a propriedade da terra deve realizar as  mais diversas formas de participação e gestão da respublica. Daí que pode criar uma instituição (Estado/Povo) que promova o diálogo e componha os diferentes interesses na administração de questões fundiárias.