Luanda - A relação jurídico-laboral nos tempos de pandemia, concretamente as situações de conflito, quer individuais quer colectivos emergiram para números fora dos até então conhecidos, situação fácil de comprovar atendendo as estatísticas dos Centros de Mediação de Conflitos, pois como se sabe, os conflitos laborais antes de serem submetidos a apreciação do Tribunal para julgamento da lide ou situação material controvertida, precede sempre aos mecanismos extrajudiciais para dirimi-los, quer pela Mediação, da competência da Inspecção Geral do Trabalho, quer da Conciliação, da competência do Magistrado do Ministério Público afecto ao Órgão Judicial competente para o julgamento, ou ainda a arbitragem.

Fonte: Club-k.net

No entanto alguns processos chegam já a esta fase envolvidos em certos vícios, não muito fáceis de perceber, mesmo para um jurista, caso não preste detida atenção no disposto nos artigos 47 e 48 da (lei 7/15 de 15 de Junho)-Lei geral do Trabalho, sob epigrafe Medidas disciplinares e Procedimento disciplinar respectivamente. Qual o ponto ou a questão que se levanta?

Dispõe o artigo 47 da LGT, que “Pelas infracções disciplinares praticadas pelos trabalhadores, pode o empregador aplicar as seguintes medidas disciplinares:

a)Admoestação Verbal

b) Admoestação Registada c)Redução Temporária do salário c) Despedimento disciplinar.”


Prossegue o Artigo 48, estatuindo que “Aplicação de qualquer medida disciplinar, salvo a admoestação verbal e registada, é nula se não for precedida de audiência prévia do trabalhador, segundo o procedimento estabelecido nos números e artigos seguintes”, destacando-se a convocatória para uma entrevista, devendo a mesma conter:


I. Descrição detalhada dos factos de que o trabalhador é acusado; II. Dia, hora e local da entrevista; III. Informação de que o trabalhador possa fazer- se acompanhar por até 3 testemunhas ou pessoas da sua confiança pertencentes ou não ao quadro de pessoal da empresa; IV. Devendo a entrevista ser reduzida a escrito e assinada pelas partes, incluindo as testemunhas, e dentre outros requisitos não menos importantes;


Na interpretação e execução deste artigo (48 da LGT), que a principio parece simples, reside o ponto da questão deste texto, pois a decisão ou a aplicação da sanção (Admoestação Registada), feita sem a existência de uma audiência prévia, o que em princípio se encontra em perfeita conformidade com os termos do artigo, mas repito em princípio, porque a letra do texto é clara e não faz referência da necessidade da audiência prévia, mas não abstém de uma audiência a posterior para que de forma clara e inequívoca se faça prova do facto imputado ao trabalhador, doutro modo o exercício deste tipo de sanção seria uma ferramenta de punição abusiva, sem a necessidade de observância do contraditório. Tal interpretação é errónea e fere os princípios e a finalidade do direito, a saber a certeza, segurança e a justiça, sem os quais a vida em sociedade seria uma contínua surpresa e autêntico caos, ou seja, admitindo a lei a possibilidade de aplicação de medida disciplinar (admoestação registada) sem qualquer audiência, facultaria a possibilidade do empregador usá-la a seu bel-prazer sendo o trabalhador ou trabalhadores culpados ou não, ou até mais grave
existindo facto que justifique ou não, pois a principio nos termos do artigo 48 da LGT não há necessidade de audiência prévia e nada obriga o empregador a fazê-la. Esta perspectiva não se coaduna com os princípios de Direito acima elencados e nem se concebe que a luz da Justiça assim se proceda. Ora e qual seria a solução para esta questão?


A solução por mim apontada, salvo produção de melhor raciocínio é de que a aplicação da medida disciplinar (admoestação registada) sem a existência de uma audiência prévia e sem contraditório, não é senão uma ferramenta precária (à disposição do empregador quando existam indícios de factos) que no entanto carecem de confirmação em procedimento próprio, daí que legislador se refere a abstenção da audiência utilizando a locução audiência prévia.


No entanto, talvés se perguntem mas o artigo é inequivocamente claro, e em momento algum se obriga a que se proceda a audiência, mas tal entendimento não verdade como já referi, o que prescinde sim é uma audiência prévia e não de uma audiência que não sendo prévia pode e deve ser posterior, e a solução apontada é deveras acertada, a luz de uma interpretação extensiva do texto, ou seja, entende-se que o legislador disse menos do que devia dizer, como já o fez noutras legislações como por exemplo no artigo 125 do Código Civil, que estatui no seu no1, alínea a) que dentre outras figuras, a requerimentodo Pai, os negócios jurídicos celebrados pelo menor poder ser anuladas. Ora é bem aqui que se coloca o cerne da questão, ou seja, e que dizer da Mãe? Tem esta direito a requerer a anulabilidade do negócio jurídico celebrado pelo filho menor? E pior, se o pai estiver ausente ou mesmo morto, e filho tenha praticado certo negócio que se mostre prejudicial para a família?


A resposta a esta questão é clara e inequívoca, a Mãe tem direito a requerer a anulabilidade do negócio jurídico celebrado pelo menor. Mas como assim se o artigo parece claro e apenas faz referência ao Pai? O fundamento da resposta vem da TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO, ora socorrendo-se do elemento sistemático, nomeadamente os artigos 127, 130 sob epigrafe Igualdade do pai e mãe, e Autoridade Paternal respectivamente, do Código da Família, que estatuem que “ O Pai e a Mãe, são relactivamente aos filhos, titulares de iguais deveres e direitos “e “Autoridade paternal deverá ser exercida por ambos Pais...


Fazendo a concatenação dos artigos 127, 130 do Código da Família com o artigo 125 Código Civil, facilmente se compreende que o Legislador no artigo 125 do Código Civil, disse menos do que devia dizer, ou seja, a Mãe do filho menor tem o mesmo direito que a lei confere ao Pai na al. a) do no 1 do art.o 125 do C.C, apesar de não estar expresso no corpo do artigo.


Tal exemplo da Técnica de interpretação, igualmente se aplica, no artigo 48 da Lei Geral do Trabalho, mas não já segundo elemento sistemático, mas do lógico, depreende-se que o trabalhador tem direito a uma audiência nos termos do artigo 48 e seguintes, porque o mesmo apenas abstém da audiência prévia, ou seja, após a aplicação da medida disciplinar (Admoestação registada) trabalhador tem direito à audiência posterior para que de forma clara e sem margem de dúvidas se comprove os factos imputados ao trabalhador e se confirme ou se anule a sanção anteriormente aplicada.


Leonardo Cardoso Fortunato

Jurista