Brasil - Na onda das manifestações que aconteceram em Angola contra a violência policial depois da morte do médico Silva Dala, um grupo de angolanos residentes no Brasil, realizou um protesto com o mesmo clamor, no sábado (19), em frente ao Consulado Geral de Angola em São Paulo.

*N. Talapaxi S.
Fonte: Club-k.net

A manifestação “foi exclusivamente devido ao abuso de poder exercido pelos policiais angolanos”, disse ao Tala X Vision, a mestranda em Arquitetura e Urbanismo, Áurea Bianca Vasconcelos André, uma das líderes do grupo.


Segundo a estudante, diante da brutalidade e da violação de direitos humanos que tem levado cidadãos angolanos à morte, até agora são desconhecidas “quaisquer tentativas de punição aos acusados (...) nem sequer uma nota de repúdio por parte do poder executivo”.


O médico Silvio Andrade Dala, de 35, regressava para casa no seu carro, no dia 1o de setembro, após um turno de 24 horas numa clínica de Luanda, quando foi parado pela polícia e multado por não usar máscara. Incapaz de pagar imediatamente, foi preso. Mais tarde seu corpo foi encontrado num hospital. Tinha morrido sob a custódia da polícia e tornou-se mais um dos muitos casos de tortura e morte causados pelos agentes do Estado em tempo de pandemia. O fato suscitou um clamor nacional que se expressou em protestos nas ruas.


“O governo praticamente esteve indiferente a todas essas vidas perdidas, só se tocou quando foi um médico morto - e os protestos saíram das redes sociais para as ruas de várias cidades do país”, queixou-se a estudante, de 22 anos, de Ciência da Computação Weza Mingosso. “No protesto falamos das ‘N’ dificuldades do nosso governo dialogar com o povo”, disse.


De acordo com uma postagem no Facebook, a manifestação tem a assinatura de “Jovens Estudantes Angolanos Independentes no Brasil”. Áurea Bianca esclarece que não se trata uma associação; são jovens independentes, residentes e estudantes, sem vínculos partidários. “Apenas responsabilidade social com os angolanos”, sublinhou.

LUTAR PRA VOTAR NO EXTERIOR


Entretanto, o Vice-cônsul – conhecido apenas como Angelino (nem o site do consulado trás o seu nome) - prontificou-se em receber e ouvir os manifestantes. E a pauta da conversa foi além do motivo do protesto, quando o diplomata quis ouvir “outras inquietações” deles.


“Questionamos o direito de voto para quem reside na diáspora”, disse Áurea. E além disso, queixaram-se do atendimento consular ao público, fato para o qual sugeriram até a facilitação de atendimento on-line para alguns processos.


Mas é na reivindicação do direito ao voto estando na diáspora que os protestantes terão sido enfáticos, tendo em conta a argumentação de William Joaquim, ao Tala X Vision. Há 13 anos no Brasil, o estudante de administração de empresas e gestão financeira, deu como exemplo o caso de brasileiros e cabo- verdiano.

Eles “têm o seu direito de exercício da cidadania onde quer que estejam; porquê que nós angolanos, como sociedade democrática que somos, não temos esse direito garantido? Por que não nos asseguram também que tenham voz e direito ao voto? ”


William brada: “Não nos podem negar o direito de exercer a nossa cidadania, escolhendo quem vai nos governar”. E se revolta: “Não é porque não estamos em Angola que deixamos de ser angolanos. Se nós tivéssemos nos negado [a exercer esse direito] seria uma coisa, mas não nos deram essa opção. Então por que não? Por que não? ”


No arremate da defesa do direito ao voto para os angolanos no exterior, o estudante entende que “parece utópico”, mas acredita que juntos, todos os angolanos na diáspora, podem conseguir esse feito, por meio de diligências em prol de “um pedido pacífico junto aos deputados, junto aos órgãos de legislação, para que se vele por essa posição”.


“Talvez quando isso for aprovado, muitos de nós não estaremos mais fora de Angola, já teremos voltado. Mas quantos angolanos continuarão a sair fora de Angola?”, questiona. “Não é uma questão de ser do partido ou ser contra o partido, é uma questão de ser angolano e ter o seu direito de exercer a cidadania. A nossa luta é essa: é fazer também com que nós tenhamos assegurado o nosso direito ao voto”.


Entramos em contato com o Consulado para mais detalhes sobre o encontro do Vice-Cônsul, Angelino, com os manifestantes. Mas até ao fecho da reportagem não obtivemos resposta.


“NÃO VAMOS PARAR POR AQUI”

Sobre as respostas do vice-cônsul, Áurea Bianca reportou que o ele tomou nota das preocupações. E disse que “vai certificar-se de que haverá melhorias no atendimento consular”. Quantas as eleições, ele “reconheceu que é algo que transcende a sua decisão e poder”.


Para Weza Mingosso, ainda assim, a manifestação foi aquilo que imaginavam. “Não teve a aderência que nós imaginávamos, mas o ato ocorreu super bem”. Ela entende que “todo mundo fala nas redes sociais, todo mundo pode postar, mas chegar na hora e dar a cara, mostrar realmente que você está lutando por uma causa, é diferente”. Por isso “nem todo mundo apareceu”.


No entanto, “foi um grande passo” já que “nunca nenhum grupo de angolanos tinha organizado um protesto contra o governo”. E, no fim, prometeu mais: “Não vamos parar por aqui. Vamos continuar a mostrar para o nosso governo que pelo fato de nós estarmos aqui não quer dizer que não estamos ligados nas coisas que têm acontecido em Angola”.