Luanda - Em Setembro de 2017, quando tomou posse, o actual Presidente da República prometeu reformar a economia não petrolífera, combater a corrupção e o sentimento de impunidade e melhorar os serviços públicos, entre outras propostas. Ao fim de três anos de legislatura, chegou a hora de fazer o balanço possível.

*Miguel Gomes
Fonte: JA

João Lourenço iniciou o seu mandato num país em recessão económica, fortemente endividado e com sérias dificuldades ao nível da Saúde e Educação. Além destes factos, a historicamente elevada taxa de pobreza e o aumento do desemprego, especialmente entre os mais jovens, tem corroído a estrutura social angolana ao longo dos tempos.

Nos últimos meses, o instável contexto agravou-se com o surgimento da pandemia de Covid-19 e os seus diferentes impactos económicos e sociais. As figuras ouvidas pelo Jornal de Angola - Fernando Pacheco, Fernando Heitor e José Severino - defendem que, entre os registos positivos dos últimos três anos de governação, constam a abertura verificada na comunicação social e a melhoria das relações institucionais entre partidos, Governo e Sociedade Civil.

“A tensão constante que marcava a governação anterior não acabou totalmente, mas considero que, neste momento, verifica-se um certo desanuviamento”, defende Fernando Pacheco. O engenheiro agrónomo e actual membro do Conselho da República acredita também que “a Comunicação Social, apesar de alguns recuos mais recentes, tem dado espaço ao contraditório e à pluralidade de opiniões”.

Também o economista Fernando Heitor, antigo militante da UNITA, refere que a melhoria do ambiente político-partidário traduz-se “numa relação menos tensa nas disputas políticas, quer entre os partidos com assento parlamentar, quer a nível da Assembleia Nacional, quer na sociedade em geral”. José Severino vai um pouco mais longe na análise.

O líder associativo e empresário propõe a assinatura de “um pacto de nação” entre a Assembleia Nacional, a Sociedade Civil, a Oposição e o Governo. O pacto poderia servir para relançar a concertação nacional e a “total abertura democrática” do país, na opinão do eterno líder da Associação Industrial de Angola (AIA).

Ao nível da economia, Fernando Heitor aprova o lançamento do PRODESI (Programa de Apoio à Diversificação das Exportações e Redução das Importações), o PIIM (Programa Integrado de Intervenção nos Municípios), o proteccionismo favorável à valorização da produção nacional e fomento da industrialização e a reestruturação do sector empresarial público, especialmente dos bancos públicos, por via das privatizações.

Também considera positiva a reforma do sector petrolífero, com a criação da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANPG). “Esta decisão vai confinar a Sonangol ao seu negócio principal, reduzindo este gigante ao estritamente necessário e útil para a sua rentabilização e para a economia nacional”, explica Heitor.

Outra das novidades introduzidas desde Setembro de 2017 é o combate à corrupção, que deixou a mera retórica (praticamente sem casos investigados e julgados) para uma actuação mais visível e já com algumas condenações importantes. Para Fernando Pacheco, esta abordagem “faz uma grande diferença em relação ao passado, apesar de algumas pessoas pedirem novas investigações judiciais a nomes sonantes”.

“Mas temos, por exemplo, administradores municipais a serem julgados ou investigados. Muitas destas pessoas, mesmo que sejam menos conhecidas da opinião pública, são primeiros secretários do MPLA nas suas províncias. São factos com um grande significado junto da população e com ganhos transversais”, defende o engenheiro agrónomo.

Já Fernando Heitor alinha nos elogios ao trabalho da Justiça; considera mesmo que “merecem grande destaque”, mas adverte que o combate à corrupção e à impunidade “parece ser selectivo”, ao mesmo tempo que assume “dois pesos e duas medidas na aplicação das medidas preventivas” aos envolvidos nas investigações.

Dificuldades

As dificuldades económicas que o país enfrenta desde 2014, na sequência da falência de boa parte do sector empresarial público, das práticas generalizadas de clientelismo e corrupção e da queda dos preços do petróleo numa economia totalmente dependente destas receitas são o principal motivo de descontentamento dos cidadãos.

O desemprego tem vindo a aumentar - situa-se acima dos 30 por cento, segundo o Instituto Nacional de Estatística - assim como a falência de empresas e pequenos negócios, ao mesmo tempo que o Kwanza desvalorizou-se para níveis históricos e a inflação disparou acima dos 20 por cento anuais. A instabilidade macroeconómica tem sido um sério problema para as famílias angolanas, sobretudo para as mais descapitalizadas e sem protecção social.

José Severino considera que o Presidente da República herdou “um cenário complexo em 2017”, mas que o país “precisa de ser mais agressivo no combate à crise”. O responsável da AIA concorda com a renegociação da dívida externa, mas defende que também a dívida interna, que está sobretudo na mão dos bancos angolanos, deve ser renegociada.

“Algum património do Estado, como os edifícios recuperados recentemente ou as grandes fazendas improdutivas privadas, podem servir como contrapartida interna para o sector bancário”, sugere Severino, que defende a aposta nas exportações para a República Democrática do Congo e uma nova abordagem à micro-economia do país (os mercados de peixe e de produtos frescos, os táxis colectivos, as pequenas empresas, entre outras actividades com potencial para garantir recursos às administrações locais).

Segundo Fernando Heitor, a "recessão da economia manteve-se e até piorou em vários aspectos". O PIB de Angola é agora o quinto maior do continente, abaixo da Nigéria, África do Sul, Quénia e Etiópia. "O ambiente de negócios continua mau", lembra. As promessas eleitorais, como a criação de 500 mil empregos até 2022, "já não poderão ser cumpridas", defende Heitor.

Fernando Pacheco considera, mesmo assim, que a recessão tem um reverso da medalha, insuficiente para mudar a situação, mas com uma vertente positiva. "A escassez de recursos provocou a redução das importações e o aumento da produção interna", lembra Fernando Pacheco. Por outro lado, um dos fundadores da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), lamenta que o combate à pobreza ainda não seja o grande objectivo do Governo e o principal foco das políticas públicas.

"Continuamos a aplicar dinheiro em iniciativas que podem ser importantes, podem ser legítimas, mas não são prioritárias. Continuamos com muita dificuldade em definir prioridades. A pobreza é um problema muito sério", considera Fernando Pacheco. “O despesismo nos gastos públicos ainda se mantém, embora tenha reduzido um pouco”, reforça Fernando Heitor. Parece haver um grande consenso sobre o maior problema do país: a pobreza e o desemprego.

Apesar da implementação do Kwenda, o programa de transferências monetárias para as famílias mais pobres, ser considerado um factor positivo na luta contra a pobreza, mantiveram-se os problemas estruturais de sempre na prestação de serviços de saúde e nas más condições de funcionamento das escolas. "Implementar as autarquias e descentralizar a governação é essencial", considera José Severino, que discorda da predominância de Luanda nas grandes decisões nacionais.

Neste caso, Fernando Heitor lembra a não realização das eleições autárquicas, “formalmente prometidas para o ano 2020”, ao mesmo tempo que é possível associar a concentração do poder em Luanda à fraca prestação de serviços em todo o país. “Em alguns casos, assistimos, nos últimos três anos, a retrocessos ao nível da Administração Pública.

Continuamos a enfrentar a excessiva burocracia e a falta de capacidade para implementar novos procedimentos no seio das instituições públicas e do aparelho estatal”, frisa Pacheco. O mesmo cenário verifica-se junto das empresas públicas e privadas angolanas. “Sem empresas fortes, é difícil desenvolver uma economia de mercado, factor que depois abre espaço a uma excessiva dependência de capital estrangeiro”, acredita o engenheiro agrónomo.

O actual membro do Conselho de Estado também assinala que os cidadãos “voltaram a perder confiança no Governo e no país em geral”, depois de terem depositado “uma enorme esperança” em João Lourenço. Para dar fôlego ao ambiente reformista, Fernando Heitor defende que é necessário “definir os eixos principais da Reforma do Estado”, que “deve passar necessariamente pela revisão da Constituição da República”.

Neste caso, José Severino defende que Angola deve seguir o caminho “do Estado Social e não de um Estado Corporativo-Liberal". “Embora a Covid-19 não seja desculpa para tudo o que correu mal, agravou a situação do país. Esta realidade irá exigir da parte do Presidente da República e dos seus auxiliares mais engenho e arte, maior patriotismo na abordagem dos temas nacionais e mais pragmatismo, bom senso e coragem na implementação de políticas públicas realistas, progressistas e acima da agenda partidária”, conclui Fernando Heitor.