Luanda - “Se não usar máscara, vai para a esquadra e paga uma multa de 5.000kzs. Fique em casa; se sair tem que ser nos dias próprios, senão paga multa de 25.000kzs. Se furar a cerca sanitária, paga 250.000kzs e o seu nome é estendido em hasta pública. FIQUE EM CASA! Não saia. Se sair será levado à esquadra e paga multa. Enquanto um, familiar não pagar e trazer o comprovativo, fica “retido”, entenda-se preso…” – foram as mensagens que foram sendo comunicadas à Sociedade nestes seis meses que estamos com a pandemia. “SE NÃO CUMPRIREM COM OS PROCEDIMENTOS DE BIOSSEGURANÇA, VÃO PRESOS, APANHAM SURRA OU LEVAM UM TIRO” – assim entenderam muitos agentes da ordem e agiram em conformidade.

Fonte: NJ

Isto para dizer que a Comunicação para a prevenção, combate e controlo contra a Covid 19 esteve até agora tremendamente equivocada. No conteúdo e na forma. Sem entrar em muitos detalhes que não são o objecto deste artigo, basta notar que a Ministra da Saúde que antes gozava de uma altíssima popularidade pela serenidade, segurança e domínio que denotava num ambiente de medo geral – cognomizaram-na a “Miss Simpatia” – logo passou para o extremo oposto – Bad Lulu – em consequência de uma comunicação institucional que aumentava os temores, irritava os cidadãos e “autorizava” os excessos das forças da ordem. O “porta-voz das forças de defesa e segurança” então nem se fala; o Ministro do Interior idem. Em resumo, a Comunicação feita transformou os cidadãos que era suposto serem tão obedientes quanto os pacientes que vão ao médico em busca da cura, em oponentes revoltados que saem às ruas exigir a demissão de governantes. E entretanto, a pandemia soma e segue; os números crescem e seis meses depois do primeiro caso, apenas a província do Namibe não registou nenhum caso (ainda!)…


Mais assustador ainda, as próprias autoridades sanitárias vão avisando que os casos poderão ser tantos que os assintomáticos e casos leves tenham que ser tratados em casa pelas famílias. E até agora não foi dito a elas como deverão fazer isso de forma protegida. Numa altura que os próprios profissionais da saúde fogem literalmente de um paciente suspeito da Covid, chegando a deixa-lo morrer como aconteceu há semanas com o anestesista da Clínica Multiperfil que pereceu no banco de urgência do hospital do Prenda por falta de assistência. Ninguém ousou se aproximar dele enquanto o resultado do teste não chegou; e quando chegou o paciente não tinha Covid e já tinha falecido…


Há portanto que fazer uma mudança radical na Comunicação da Covid. Rapidamente e em força, há que trazer de volta os cidadãos, famílias, comunidade e Sociedade para o centro das acções de prevenção, combate e tratamento da pandemia.


Essa abordagem não é nova. Foi implementada na Finlândia ou Suécia com bastante êxito. Não declararam Estado de Emergência nem de Calamidade Pública. Sequer criaram grandes centros de quarentena ou tratamento. Educaram as famílias como tratar os seus doentes em casa (claro, com apoio de profissionais que iam fazer visitas). Informaram as pessoas das razões e vantagens do distanciamento físico e social, assim como das medidas de prevenção; e elas passaram a cumprir sem necessidade de multas, nem detenções, nem Polícia. No princípio foram severamente criticados por quase todos os outros países da Europa. Mas a verdade é que os seus casos foram rapidamente controlados. E as pessoas incorporaram as medidas de protecção nos seus hábitos e comportamentos.


É claro que não nos comparamos nem de longe com esses países. Em todos os aspectos estamos a anos-luz do seu nível de organização social e consciência cívica. Mas podemos – e devemos – à luz da nossa realidade tirar um meio termo que sirva os nossos objectivos.


Para já, esses seis meses mostraram que dizer às pessoas “FICA EM CASA” é uma utopia; se a zungueira, o vendedor de mercado informal, taxista ou qualquer outro trabalhador do sector informal precário FICAR EM CASA e deixar de trabalhar um dia que seja, a sua família morre de fome. Se os operadores do sector privado FICAREM EM CASA, as empresas entram na falência – muitas já entraram – e milhares de “ganha-pão” de famílias vão – já estão indo – para o desemprego. E, já agora, se os alunos FICAREM EM CASA não transitam de classe; e os que entram o próximo ano ficam sem salas para estudar.


Por isso, as pessoas devem ser educadas a realizarem as suas actividades de renda DE UMA FORMA PROTEGIDA. Hoje já sabemos que se a zungueira, vendedores ambulantes e de mercado informal usarem permanente e correctamente a máscara, lava-las sempre que possível com água corrente e sabão azul, manterem consigo o seu frasquinho de álcool gel para desinfectar as mãos quando não for possível lava-las, evitar levar as mãos à boca, narinas e olhos – é possível realizarem as suas actividades sem se contaminarem. Como educa-los a fazer isso? Através de um diálogo horizontal com eles em que não sejam meros receptores de mensagens mas partícipes de um processo do seu próprio interesse. Afinal ninguém quer ser contaminado pela Covid 19…


Hoje também já sabemos que se os alunos mantiverem o distanciamento físico e social nas escolas, usarem sempre a máscara, tiverem e usarem as condições de higienização, é possível estudarem sem apanhar a Covid. Os pais dizem, e com razão, que as crianças são irrequietas por natureza e não vão cumprir os procedimentos de prevenção. Mas é preciso que sejam educadas a fazê-lo. Porque a Covid não irá embora tão cedo e a vida tem de continuar. Então como fazer isso? Educando os pais e encarregados de educação, os professores e zeladores dos alunos e finalmente as próprias crianças. Através de uma Informação, Educação e Comunicação eficaz e apropriada é possível fazer isso. E parece-nos o único caminho.


Em resumo, a Comunicação de prevenção e combate à Covid deve deixar de tratar os principais interessados na sua saúde, os cidadãos, como menores de idade ou, no limite, pessoas incapazes de cuidar da própria saúde. Tem de interagir com eles como os adultos que são; capazes de fazer as suas escolhas e assumir as consequências destas escolhas. Mais: cidadãos que não gostam de ser tratados como incapazes. Gostam e querem ser tratados como parte interessada no processo. Querem participar nas decisões estratégicas da luta contra a pandemia e nesta luta querem ver os seus interesses salvaguardados. Se tiverem que consentir sacrifícios, querem saber porque e para quê, por quanto tempo e como. Querem sentir que são consultados. A abordagem que salvaguarda estas preocupações chama-se Comunicação para a Mudança Social e de Comportamento; assenta no diálogo e trata os cidadãos como tal, não como meros beneficiários passivos.


Por via de uma Comunicação com essa abordagem, não teremos os pais e demais membros da Sociedade reclamando por o Executivo não fazer isso ou aquilo; tê-la-emos organizando-se para em conjunto criar as condições para que a vida siga em frente. Apesar e protegidos da Covid.


Uma outra vertente da Comunicação de Crise que carece de uma abordagem estratégica é a chamada “Comunicação de Risco”. Trata-se daquela Comunicação destinada a informar os profissionais dos riscos que correm, do treinamento de como protegerem-se destes riscos e da sua mobilização e motivação para submeterem-se a eles. Nas crises é a primeira acção de comunicação a ser feita e não deve parar enquanto ela não passar. No nosso caso, é aquela dirigida aos profissionais de saúde, professores e outros profissionais da linha da frente e que lhes dá a coragem, resiliência e as competências para enfrentarem os riscos inerentes â sua profissão.


Fala-se muito pouco da Comunicação de Risco, que é uma vertente específica e muito importante da gestão de crises. Divide-se em duas partes: uma explica exaustivamente os riscos a que os profissionais estão expostos e treina-os sobre como proteger-se deles; a outra trabalha as questões psíquicas e motivacionais que ajudam os profissionais a terem a postura de serenidade, coragem e abnegação que as situações de crise normalmente exigem. Por serem altamente especializados nisso, as escolas de Comunicação recomendam o uso das abordagens e técnicas dos militares nesse quesito.


Com uma Comunicação de Risco bem implementada não teremos profissionais de saúde, incluindo médicos fugindo de pacientes suspeitos de Covid ao ponto de deixa-los morrer sem primeiros socorros. Não teremos professores dizendo que enquanto o Estado não criar todas as condições nas escolas não irão dar aulas ou os pais dizendo que não mandam os filhos à escola de jeito nenhum “mais vale um filho matumbo vivo que um inteligente morto” disse um pai a uma das nossas TVs, ao invés de ir à escola e ver como eles os pais podem colaborar para que haja as condições necessárias para os filhos estudarem. Nem teremos agentes da Polícia a extorquir gasosa a quem não tenha máscara ou, pior ainda, espancar ou atirar a matar mais de duas dezenas de cidadãos por esse motivo.
A Comunicação da Covid 19 no nosso país tem que mudar; radicalmente.

Rapidamente e em força.

*Sociólogo da Comunicação