Luanda - A autoridade tradicional desempenhou e ainda desempenha um papel de extrema importância na comunidade tradicional. Papel de governação. Faz justiça por meio de um conselho de anciãos da aldeia; distribui terreno a sua população; resolve todo tipo de conflitualidade que aparece na comunidade. O soba e de facto o verdadeiro garante da coesão, unidade e estabilidade da comunidade de jurisdição.


Fonte: Club-k.net


A verdade é que a figura do soba sofreu alterações graves e substanciais, que mudou completamente a forma de ser visto na comunidade. O soba está à perder as suas marcas identitárias. Nem todos os sobas hoje são representantes de todos na comunidade. As autoridades tradicionais já exprimem as suas convicções partidárias e ideológicas... Já não são neutros. Certamente, houve factores que influenciaram nesta mudança escatónica do soba: factores externos e internos.


Se a figura da autoridade tradicional está em crise, tendo como pano de fundo a gravidade que a terminologia crise encerra, parece-nos necessário fazer uma análise deste termo, para que percebamos a situação labiríntica em que o soba está.


«Crise, normalmente o termo é usado pejorativamente. Etimologicamente, significa momento de decisão. O termo vem do verbo grego krinós: discernir, avaliar…por conseguinte uma crise tanto pode levar a ruína como tornar-se um kairós, isto é, um momento oportuno, uma ocasião favorável, um tempo decisivo para projectar e lançar-se a reconquista dos ideias perdidos» (Montani, M, apud, Imbamba, J;Uma nova cultura para mulheres e homens novos…, 2003, p.14).


 «Segundo Abbagnano, o termo nasceu e desenvolveu-se no ambiente médico, e indica na medicinas hipocrática, a transformação decisiva que se produz no ponto culminante duma doença e orienta o curso desta em sentido favorável ou desfavorável. Na época recente, o termo foi ampliado para significar uma transformação decisiva que se produz em qualquer aspecto da vida social» (Abagnano, N, c.p. Imbamba…p.107.) «trata-se de uma situação conjuntural: política, económica, social e cultural anómala, caracterizada por alterações histórica que frenam o desenvolvimento e progresso» (Tati, R; Crise africana… apud, Ibid.p.cit.), «mas que ao mesmo tempo, pode constituir um momento de viragem, de impulso e de projecto para realizações inovadoras e mais humanizante» (Ibid, p.cit.). «Quando os gregos falavam de crise, referiam-se a uma situação, uma circunstância, a um momento, a uma realidade em que algo estava se quebrando, submergindo, naufragando, e que, por isso mesmo, devia ser abandonado definitivamente. Não era possível mais continuar seguindo da mesma forma. Sem dúvida, uma situação de crise suscita uma sensação de fracasso e gera uma crescente angustia. Parece que estamos num beco sem saída, por não se vislumbrar um caminho ou não se encontrar uma resposta. E facilmente a desesperança e a frustração se apoderam de nós. Mas, ao mesmo tempo, a crise é um momento propício para compreender a necessidade de assumir uma nova actitude, de buscar um caminho diferente, de sentir a urgência de uma mudança, de tomar decisões radicais e começar a assentar as bases para construir uma alternativa inspirada por uma utopia que seja crível e desejada.Tribulaçao, vicissitudes, caos desventura, conflitos, o que uma crise expressa; desconcerto, incerteza e o que ela gera; busca, anseios de mudança, decisões audazes são as saídas possíveis para tal situação» (Tonelli, M, A missão pofetica da educação…;2000, pp.25-26.)
    

Causas da crise


Depois desta breve análise do termo, que constitui o núcleo duro de roer, a nossa alma remete-nos ao contexto histórico e aos factores que levaram a figura do soba a miséria antropológica e social; que colocaram o soba num sentido desfavorável e anómalo, que requer de todos nós, projectar-se e lançar-se a reconquista dos ideias perdidos para tirar a figura do soba da lama, por causa da importância insubstituível que ele desempenha na comunidade tradicional.

 

Segundo Michael Comeford, os factores que estão por detrás do declínio do soba são: 1) a colonização portuguesa; 2) a expansão do cristianismo; 3) o crescimento urbanístico de Angola e 4) as politica levadas a cabo pelo governo do MPLA. Nós acolhemos sem reservas, estes factores, mas, preferimos classifica-los em factores externos (os dois primeiros) e factores internos (os dois últimos), aos quais aumentaremos outros três factores recentes, que são: a instrumentalização da figura do soba, a guerra (factores interno) e o furacão da mundializaçao (factor externo). A guerra também podemos considera-lo como um factor externo, porque era movida, desejada, querida, apreciada e sustentada fora das nossas fronteiras.

 

Os factores externos de Michael vamos analisa-los de forma conjunta, porque complementam-se, concatenam-se e fundem-se profundamente, aliás os colonizadores atrozes e bárbaros vieram com todo dispositivo da catolicidade para facilitar a penetração em nome da sagrada revelação. «A chegada do colonialismo e do cristianismo introduziu novas variáveis poderosas na sociedade angolana levando ao declínio e a marginalização das autoridades tradicionais. Este declínio não foi uniforme em todo pais por causa da natureza desigual da penetração colonial e da variação de respostas regionais em relação ao cristianismo.

 

O referido declínio foi muito mais acentuado nas áreas de maior exposição colonial, enquanto que permanecia significativamente constante, na zona leste de Angola…» (Comeford M; Rosto pacífico de Angola…; 2005, p.229). «Neto realça a importância da apreciação da desigualdade da experiência colonial, argumentando contra uma compreensão simplista da duração do contacto colonial. Para ela, o reino do Congo passou 500 anos de contacto irregular, mas a ocupação de Luanda durou 400 anos …100 anos em Malanje e 72 anos no Huambo» (Neto M, apud Comeford…). «Esta diferenciação explica a razão pela qual enfraqueceu a instituição da autoridade tradicional, particularmente no seio das populações do litoral e do meio urbano onde a mesma hoje não é um ponto de referência significativo. Isto contrasta com as zonas rurais e provinciais, onde o soba em algumas áreas continua a gerir a aldeia local, distribuir a terra para o cultivo e a praticar a justiça tradicional com um conselho de mais velhos» (Ibid. p.229). 
 
 
 
Por outro lado, “a administração colonial reconhecia a importância dos sobas no meio das comunidades locais e explorava-os para estender o poder do estado” (Ibid., p.230.).“ A inclusão do soba para garantir a recolha dos impostos” (Neto N.apud Comeford, p.cit), “o recrutamento da mão-de-obra” (Pacheco F, Ibid. …) e a “manutenção das estradas” (Maier K, Ibid. …) «fomentou de uma maneira geral o ressentimento local. As tentativas de resistir ao processo colonial resultavam geralmente na substituição do soba, embora alguns sobas tenham perdido a credibilidade diante do seu próprio povo por causa da sua colaboração com o regime colonial» (Tvedten I, Ibid. …). «Os sobas no planalto central eram a favor da concentração forçada da população rural em aldeias protegidas porque isto aumentaria o seu poder e a sua influência, bem como o seu controlo sobre as suas comunidades: a população rural opôs-se altamente a essas concentrações» (Robson P, Ibid. …). Para Robson este facto ilustra como os interesses dos sobas e das suas comunidades não coadunavam necessariamente.

 

 No âmbito da influência real e concreta do cristianismo na crise da figura do soba David escreve: «No campo da opressão cultural há também que se referir ao papel da religião. Os agentes religiosos cristãos (padres, pastores, missionários) foram os primeiros a penetrar nas sociedades tradicionais. Ao levar-lhes uma nova religião, levavam, também, a civilização do colonizador novas maneiras de viver, de pensar que interessavam a dominação colonial. A religião cristã, vinda da Europa ou da América, foi muitas vezes imposta pela violência, até que foi assimilada por uma boa parte dos africanos» (David R, Ibid., pp. 231-232). Importa referir que a influência da igreja fez-se também por meio de estudos etnológicos prévios e posteriores, que possibilitaram o conhecimento dos pontos fracos e fortes dos africanos para melhor assambarcarem o “paraíso do mundo e continente do futuro”.“As actividades missionárias europeias levaram a rejeição das crenças tradicionais e dos rituais [em toda a África] ” (Anyinam C, Ibid., p.232). «Este ponto é de importância capital porque ao desafiar os alicerces da religião tradicional africana, o cristianismo enfraquece também o poder político do soba, já que o poder político e o poder religioso são intrinsecamente relacionados. A criação de outros centros de poder e autoridade no meio das comunidades pela nomeação de professores, catequistas e outros líderes da igreja também influencia a queda dos líderes tradicionais» (Neto M, …). «Os colonizadores apoiaram-se nas autoridades tradicionais deixando-lhes uma espécie de autonomia e servindo-se delas como intermediárias entre a nova autoridade colonial e as populações. E a indirect rule dos ingleses. Foi praticado por toda a parte onde havia autoridades tradicionais capazes de assumir a responsabilidade de gerir o seu povo sob a direcção do poder colonial» (Kizerbo J, Para Quando Africa?, 2006, p.77.)


Na visão do autor que temos vindo a citar «a urbanização enfraqueceu também as autoridades tradicionais já que as zonas rurais mais visivelmente sob o controlo e influência colonial, mas também porque o acesso a terra é uma dimensão importante no poder dos sobas. Esta realidade heterogénea tem implicações para a investigação, tendo em conta que as comunidades rurais acarretam uma importância cada vez maior em relação a autoridade tradicional do que nas zonas urbanas» (Comeford M, … p.230).  


 
 As políticas levadas a cabo pelo governo do MPLA, contribuíram negativamente para o estado actual das autoridades tradicionais. “O fornecimento forçado ou voluntário de jovens para a guerra tanto para a UNITA como para o governo” (Ibid, p.230). Certamente que este aspecto desacreditou o soba diante do seu povo. A literatura angolana é quase omissa em relação ao envolvimento dos sobas na guerra por que passamos. «Os anos de maior crise para a autoridade tradicional foram aqueles que se seguiram a independência onde o governo do MPLA substitui muitos sobas pelos membros do comité central do partido, os quais assumiram depois as tarefas anteriormente realizadas pelo soba. Este período é de particular importância para compreender as origens da confusão contemporânea associada a identidade do soba, porque os nomeados do governo adoptaram por si só o título de soba, enquanto que o soba hereditário foi marginalizado, mas não desapareceu. O resultado é a existência de dois grupos de autoridades tradicionais onde já não e possível distinguir claramente entre eles.

 

De facto, muitos dos ‘nomeados’ uma linhagem para validar as suas credenciais hereditário, e assim dificulta mais ainda a possibilidade de distinção» (Ibid. p.231). Muitos angolanos estão preocupados com a crise por que passam as autoridades tradicionais, um deles é o presidente do maior partido da oposição Isaías Samakuva:“ a necessidade das autoridades tradicionais do país preservarem a essência do seu poder e de primarem pela isenção da sua função” (Bento, L, Terra angolana, Ano5-Nº8 Série, 5-19 de Maio 2007, p.12). Estas palavras de Samakuva espelham bem a febre moribunda em que se encontram as autoridades tradicionais hodiernamente.

 

Tal como afirmamos acima, o soba hoje já não está ao serviço da comunidade mas sim do partido no poder. Ainda hoje o soba e instrumento da história e da ideologia partidária. As autoridades tradicionais têm um papel de mobilização e de rejeição dos membros de outros partidos na comunidade, a favor do MPLA. O seu papel agora é fundamentalmente de activista político serviçal. …os […] sobas passam [ram] atestado favorável ao registo eleitoral a jovens com menos de 18 anos desde que estes sejam membros do partido no poder” (Ibid. p.13)
A guerra contribuiu também, para que o cancro se agudizasse, porque muitos sobas abandonaram o seu habitat natural, vivendo em centros de deslocados, isto retirou-lhes o prestígio diante do seu povo. Depois da paz, de regresso o povo já não o encara como anteriormente, pelo facto de terem experimentado a mesma miséria existencial. Por outro lado, em muitos casos encontraram nos seu postos legítimos outros sobas que o, partido colocou ingenuamente, tal como aconteceu em Malanje, o soba ‘Kula-Xingu’ de regresso, o seu trono já tinha sido ocupado, embora neste caso não sabemos ao certo quem colocou o oportunista. Este caso gerou um conflito contínuo até hoje.


A globalização que sopra violentamente em todas as latitudes, também, arrasta as autoridades tradicionais. Hoje de forma caricata e humilhante observa-se sobas que se vestem de panos, e colocam a ‘kijinga’ a cabeça, até ai está bem. O que não entendo é o suplemento que muitos põem: casaco e gravata e ficam parece aqueles bonecos da Disney.
 
 
Soba, levanta-te…

 
 
Nós pensamos que a situação e de tal gravidade que não devemos terminar a nossa reflexão sem apresentarmos algumas pistas solucionais:
 
1) O Governo angolano deve promover debates sobres a questão, envolvendo os sobas sérios, assim como os apóstatas, para recolocá-los nas suas funções originais. Na busca da solução devem envolver antropólogos, filósofos, sociólogos, historiadores, politólogos, políticos e sociedade civil.
 

2)   O governo/MPLA deve dialogar com o MPLA, para que possam, retirar os membros do partido nos cargos tradicionais, que ocuparam antitradicionalmente. Caso o MPLA não obedecer, deve tomar-se medidas jurisprudenciais e policiais. …!!!