Lisboa - “Hoji-ya-Henda da nossa época” ... o comentário que apanhei do noticiário da televisão pública de Angola (TPA) de um anónimo.

Fonte: Facebook

Ainda me lembro da primeira vez que liguei para o “Cda. Luther Rescova”. O então director do Vanguarda (jornal onde trabalhava), Gildo Matias José, deu-me o número. Liguei, e nem queria acreditar!, o toque de espera era o estridente hino benfiquista. Eu, oriunda de uma família de benfiquistas que não conseguiu mais do que um portista e um sportinguista, senti que estava a alucinar. Quando atendeu o telemóvel lembro-me de ter dito o seu nome: “Sérgio Luther Rescova”, ao que ele respondeu, bem-disposto, “que bom, alguém que sabe dizer o meu nome”. Nunca me deu a entrevista que lhe pedi nesse dia. Mas não por isso, um dia, no início de 2019, e depois de o ouvir num congresso do MPLA a discursar, escrevi sobre ele o que Maomé não escreveu do toucinho - o que Luther Rescova não sabia, e não tinha que saber, nem ele nem ninguém, é que escrevi o que escrevi com a cumplicidade de dois dos seus melhores amigos.

Queríamos, eu queria e os seus amigos foram cúmplices, agitar, provocar, fazer com que saísse daquele discurso tão formato, tão old school. O texto tinha como título: “Este MPLA já não é para jovens”. Rescova não gostou. Quando fiquei a saber que não tinha gostado liguei-lhe a meio da tarde. Ficamos de falar sobre isto e aquilo e sobre o que tinha escrito. Nesse mesmo dia, à noite, também fiquei a saber que tinha sido nomeado governador da província de Luanda. Dei-lhe, naturalmente, os parabéns por sms, e achei que de alguma forma estávamos ligados. E estávamos também pelos amigos comuns.


Quando saí do jornal, os amigos comuns fizeram de mim cúmplice de outro projecto: assessorar o governador provincial de Luanda, SLR. Alguns meses de expectativa e burocracias várias para que tudo fosse feito como deve ser feito, o projecto soçobrou. Nunca percebi porquê ou não quis perceber. Mas suspeito que pelas razões do costume ou da intriga do costume. As mesmas que levaram a que SLR fosse afastado do governo da província de Luanda. Também nunca percebi porquê ou não quis perceber, mas suspeito que pelas razões do costume ou da intriga de costume. Bom seria que esta morte prematura e comovente, que deixou o país perplexo, seja também uma oportunidade para se pensar a perversidade da intriga do costume, a que atirou Luther Rescova da Luanda para o Uíge, mesmo que fosse num tempo de passagem.


A vida tem destas coisas – para os mais católicos, os desígnios do Senhor são o que são. E um tempo de passagem foi, afinal, um tempo definitivo, com o que isso tem de injusto - seja por vontade dos homens, seja por vontade de Deus.


Finalmente, e para quem acha o contrário, aproveito para dizer gosto muito de Angola e ainda mais de um bom punhado de angolanos. Os melhores. Descansa em paz, camarada.