Luanda - Preparava-me para escrever, esta semana, sobre as concepções políticas da “esquerda democrática”, em confronto com as concepções protofascistas existentes no país e que procuraram mascarar-se com a corrente política a que pertencemos. Esta era a minha intenção mas, para além de estarmos em época do CAN (que amolece os espíritos e incentiva a conciliação) veio a notícia do terramoto, no Haiti, e depois a das prisões em Cabinda, na sequência do ataque da Flec contra a caravana da selecção do Togo.


Fonte: AGORA

As igrejas têm que se fazer respeitar
 mesmo que sejam parceiras do governo


Tudo isto era razão bastante para deixar esse texto sobre a esquerda democrática para uma outra oportunidade e versar a minha crónica sobre o Haiti e as prisões em Cabinda. Mas, devido as limitações de espaço, em meio de grande pesar, deixei também de lado o Haiti, e resolvi escrever sobre as sucessivas prisões, entre outros, do advogado Francisco Luemba, do padre Raul Tati e do professor universitário Belchior Lanso Tati. Consta que Martinho Nombo, Agostinho Chicaia e o padre Congo também fazem parte de uma mesma lista de pessoas a prender e, como tal, poderão ser detidos nos dias subsequentes. Na verdade, todas estas pessoas já estão, desde algum tempo, marcadas a vermelho pelos órgãos de segurança interna pois têm sido, por um lado, críticos ao esvaziado “Memorando de Paz para Cabinda”, estabelecido com Bento Mbembe e, por outro, têm resistido ao canto da sereia da alienação “envelopista”.


No caso Cabinda, o Príncipe preferiu, em todo processo, insistir na rígida posição da “força bruta” inamovível e da política de cooptação e alienação, pelo envelope ou pela nomeação para cargos públicos figurativos, em vez de procurar uma solução sustentável com a sociedade civil cabindense como foi proposto, a seu tempo, pela FpD, ao promover a “Conferência para a Autonomia de Cabinda” (2006). Tudo reprimiu e negou-se a abrir espaços de diálogo. Agora, na sua política “do bastão e da cenoura”, aproveita a “legitimidade” do clima de repúdio geral ao ataque da Flec, aos futebolistas togoleses, para prender os activistas cívicos de Cabinda; aqueles que representam a consciência crítica e civil do enclave. Todos eles são tidos como as “cabeças pensantes” do enclave e representantes do seu sentimento autonómico e todos têm em comum o facto de serem membros da Mpalabanda, a associação Cívica de Cabinda que o Governo ilegalizou, no quadro do longo processo de intimidação, coacção e repressão do “movimento da consciência cabindense”.


Fazer presos de consciência é seguramente, para além da condenável arbitrariedade, um erro que vai se traduzir num incentivo à radicalização do movimento independentista que cresce, a olhos vistos, impulsionado por esta política de avestruz que apenas admite posições extremadas entre o centralismo radical e o independentismo guerrilheiro, de vocação carismática e autoritária, e que, ainda por cima, imobiliza os cabindas integracionistas que não tendo espaço de acção, são isolados e, cada vez mais, vistos como “traidores”. Insistir na não negociação e na alienação ou repressão, pura e simples, do espaço cívico cabindense, é alimentar ainda mais o movimento independentista guerrilheiro, é transformar estes líderes em mártires ou heróis, é impulsionar as novas gerações para a luta radical, é, a contrario, legitimar a violência, apresentando-a implicitamente como a única saída para aqueles que querem pensar pela sua própria cabeça e preservar a sua dignidade.

O país só tem a ganhar com a mudança da política em Cabinda e em todo o seu território que permita ao movimento da consciência Cabinda, apesar das dificuldades actuais, persistir na sua linha de não-violência e de busca de “uma possibilidade de uma angolanidade, no interior de uma cabindanidade”, como dizia recentemente o padre Casimiro Congo, em entrevista a SIC-notícias. Uma política que permita os demais cabindas e outros cidadãos defenderem as suas posições integracionistas, no quadro das especificidades históricas, económicas e sócio-culturais de Cabinda, a que deve corresponder um “estatuto especial”, como diz o Governo, mas dotado de conteúdo, a discutir num fórum representativo de todas as forças e interesses confluentes.


Creio também que as igrejas e, em particular a igreja católica, têm um importante papel a desempenhar. Mesmo no actual contexto de democratura, em que o Príncipe faz demonstração de força bruta, ao substituir a Constituição do povo por uma “constituição” outorgada por si, teríamos todos a ganhar se a hierarquia e os leigos católicos não calassem a sua voz e manifestassem a sua solidariedade, particularmente, a um sacerdote que deveria merecer “uma solidariedade muito especial, de quem acredita no mesmo evangelho” – como disse, a propósito, Dom Januário Torgal Ferreira. Este bispo português, acha ainda, com razão, que o governo “tem que respeitar para ser respeitado”. Não pode abusar da repressão, como o faz agora e o fez em relação aos kupapatas do Lubango que se manifestaram contra a morte, a queima-roupa, de um seu colega e foram presos. Até hoje ainda se encontram nos calabouços da polícia local trinta e dois kupapatas acusados de “manifestação ilegal”. A mesma acusação que os yatolas do Irão esgrimem contra os civis iranianos que se manifestam na rua pela verdade eleitoral. As prisões sucedem-se e o silêncio se avoluma. O país está feio! Sei que há um tempo de meditação e outro de palavras gordas, mas há um silêncio cúmplice, um silêncio que mata.


Acho que as igrejas (nomeadamente a Igreja Católica) em Angola, têm que se fazer respeitar, e mesmo que sejam parceiros do governo, surgindo, a justo título, como subsidiárias em muitos sectores da vida social, não devem tornar-se submissas a este. Faz sentido recordar a expressão: “a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, o que significava e significa, não o afastamento dos cristãos do espaço público, como os editorialistas do governo pretendem quando citam a Bíblia, mas a irreverência de uma subordinação, o separar das águas e a afirmação da autonomia da igreja em relação ao poder político, chamada mais tarde secularização.


Por isto, nestas condições do país, as igrejas não devem perder a oportunidade de exercitar a sua condição de “consciência crítica da sociedade”, como dizia João Paulo II e aconselhava, recentemente, o Sínodo dos Bispos para África.