Lisboa - O empresário que "possibilitou a grandes grupos estatais chineses o acesso aos recursos naturais africanos" foi preso no início de Outubro de 2015 num hotel da capital chinesa. Helder Bataglia, da Escom, e Manuel Vicente, antigo vice-presidente de Angola, estão entre o rol de empresários com que negociou.

Fonte: Publico

Ascensão e queda de Sam Pa

Em Angola, os empregados do grupo China International Fund "tinham os melhores salários entre os trabalhadores chineses" e "viajavam no avião particular do chefe" conta à Lusa uma funcionária de Pequim, que viveu dois anos em Luanda.


O "chefe" é Sam Pa, um empresário que "era recebido no aeroporto de Luanda pelo Presidente angolano, José Eduardo dos Santos", mas cuja "origem do poder, ninguém sabia explicar". Pa, cuja verdadeira identidade e funções permanecem ocultas por detrás de uma opaca teia de relações, foi detido, no início deste mês, num hotel na capital chinesa.


Nascido na China continental e emigrado em Hong Kong, o empresário lidera um consórcio com sede na Queensway 88 - um endereço onde aparecem registadas centenas de sociedades de estrutura accionista difusa.

"Durante a última década, Pa ergueu-se da obscuridade para conseguir negócios em cinco continentes no valor de dezenas de milhares de milhões de dólares", escreveu o Financial Times em 2014, num artigo de investigação. O trabalho, assinado pelo jornalista Tom Burgis e autor do livro 'A Pilhagem de África', refere que o empresário "possibilitou a grandes grupos estatais chineses o acesso aos recursos naturais africanos".


Na viragem do milénio, e sob a ordem do ex-presidente chinês Jiang Zemin, as empresas estatais foram incitadas a captar projectos além-fronteiras e a aceder a recursos imprescindíveis ao rápido desenvolvimento da China. "África surgiu como o destino ideal, mas era ainda território desconhecido para os líderes em Pequim", escreveu Burgis.

 

Educado na União Soviética e com negócios em Angola que remontam à guerra civil, Sam Pa foi ágil a reagir ao apelo do Governo chinês: em 2003, viajou até Lisboa, para se reunir com Hélder Bataglia. O empresário, de 68 anos, é presidente da Escom, a empresa que assessorou o consórcio alemão vencedor da venda dos submarinos pelo Ministério da Defesa português, operação que ficou sob investigação.

 

Os dois viajaram então para Pequim, onde Bataglia se reuniu com representantes de grupos chineses, ávidos por alguém capaz de abrir portas além-fronteiras. "Vamos cooperar, porque a nós falta experiência neste ramo", ouviu o empresário luso-angolano, segundo contou ao FT. Os dois viraram-se então para Angola", recorda o jornal.

 

Após uma prolongada guerra civil que arruinou grande parte das infra-estruturas do país, o apoio chinês chegou na altura certa, face à reticência das nações ocidentais em cooperarem com o Governo de José Eduardo dos Santos. "Os contratos entre a China e Angola foram anunciados como um acordo entre Estados, mas, nos bastidores, um negócio paralelo ganhou forma, unindo o poder político com interesses privados", refere Burgis.

 

Pa aproximou-se então de Manuel Vicente, ex-chefe da petrolífera angolana Sonangol e antigo vice-Presidente de Angola, tendo ambos registado uma 'joint-venture' em Queensway que se apoderou dos direitos de um importante bloco de produção de petróleo do país.

 

O bloco 18, cuja exploração pertencia à holandesa Shell, foi trespassado à Sinopec, mas sempre na condição de a petrolífera chinesa se associar ao grupo de Queensway. A seguir, o grupo replicou a mesma matriz em várias outras explorações de petróleo em Angola, assumindo parcerias com multinacionais de diversos países.

 

Mas a ambição do empresário não se limitou às fronteiras angolanas: "Após aprender a manobrar as suas alianças na China e África, Pa exportou o modelo, especialmente para Estados párias, onde poucos se atreviam a envolver".


Em 2014, o financiamento e venda de armas a vários regimes déspotas africanos, especialmente ao governo de Robert Mugabe, no Zimbabué, em troca de acesso às riquezas naturais, levaram os EUA a impor várias sanções a Sam Pa.

 

Pequim vincou também o seu distanciamento quanto ao empresário: "O Governo chinês não tem nada a ver com as suas operações", disse então um porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Mas, "apesar de desconfiarem de Pa, os donos do poder na China precisavam dele", lê-se no FT.

 

Agora, e num período em que a persistente campanha anticorrupção em curso no país tem varrido o sector estatal, as regras poderão mudar. "Pequim tem deslocado a base das suas relações com África de laços pessoais para instituições mais formais, como bancos multilaterais de desenvolvimento", escreve Tom Burgis. "A queda de Pa deverá gerar ondas de choque entre os Estados e governos africanos onde durante anos este firmou pactos", conclui.