Luanda - Face ao interesse que o artigo da semana passada despertou nos inúmeros leitores deste respeitado jornal, fui amavelmente convidado pela direcção a voltar a abordar nesta e em próximas edições “As Eleições Americanas” de 3 de Novembro que são sem sombra de dúvidas a par da actual pandemia de covid-19, uma das duas grandes questões de interesse da agenda politica mundial na actualidade.

Fonte: Jornal OPAIS

Para o efeito iremos analisar os erros do presidente em exercício Donald Trump que se arrisca a ser o 11.º presidente a falhar a reeleição e quebrar um ciclo de quase 30 anos de presidentes reconduzidos. Recordo que o último a não o conseguir foi George H.W. Bush, eleito em 1988 e rejeitado pelo eleitorado em 1992.

Se Donald Trump vier a perder as eleições norte-americanas para Joe Biden, o que não é ainda de todo assegurado, não deixará de haver quem aponte que essa derrota em muito se ficou a dever aos seus próprios erros.


Não me refiro sequer aqui a atitudes suas, bastante polémicas e mesmo questionáveis, como a partilha no Twitter de conteúdos falsos tais como a de uma fotomontagem com Biden num lar de idosos em cadeira de rodas, ou de diversos links para teorias de conspiração do grupo de extrema-direita QAnon. Mas sim a erros de juízo político, propriamente ditos.


Como exemplo, só recentemente com a criação de um designado ‘Plano Platina’ dirigido ao eleitorado afroamericano a campanha de Trump se viu compelida ao controlo dos danos verificados junto dessa mesma comunidade, depois do descalabro e do caos nas ruas que se seguiu à morte de George Floyd pela polícia de Minneapolis, revigorando o movimento Black Lives Matter de uma forma que levou ao envolvimento de mais de 20 milhões de cidadãos. Aliás, uma sondagem do Pew Research Center realizada em Junho deste ano demonstrou o apoio ao movimento pela maioria dos norte-americanos, independentemente dos grupos étnicos a que pertencem.


Para isso contribuiu bastante que, uma semana depois da morte de Floyd às mãos de um polícia, Trump tenha incendiado os ânimos quando ao anunciar uma melhoria nos números do desemprego afirmou que "Felizmente, George está a olhar para baixo agora e está a dizer: 'Isto é uma grande coisa a acontecer para o nosso país. Um ótimo dia para ele, um ótimo dia para todos”. Afirmação cujo sentido que se recusou a explicar. A polémica, obviamente, seguiu-se.


Para além disso, defendeu símbolos dos Confederados que na Guerra Civil lutaram a favor da escravatura e colocou no Twitter, para depois apagar, um vídeo no qual um apoiante seu na Florida gritava "White power". Mais tarde, a Casa Branca alegou que Trump não ouvira essa frase. Resultado de tudo isto? A média das sondagens, de acordo com a CNN, mostra que junto dos eleitores afroamericanos Biden apresenta uma vantagem demolidora com 83% de favoráveis para os 8% de Trump.


Foi também nesse mesmo mês de Junho que a revista ‘Time’ escreveu num artigo que o actual presidente parecia estar “a entregar a presidência a Joe Biden como se fosse um bife bem passado com ketchup”. Nessa altura, já Trump acumulava erros profundos na gestão da pandemia da Covid 19 a somar à incapacidade mencionada de acalmar os ânimos em torno do tema da desigualdade racial.


Recorde-se que a pandemia já custou quase 220.000 vidas norte-americanas a números da Organização Mundial de Saúde a 22 de Outubro, data em que escrevo estas linhas (cf. em https://covid19.who.int). Acusado de não demonstrar empatia pública e de minar as mensagens de saúde pública da sua Administração, o resultado foi que noutra sondagem, esta da Reuter/Ipsos, apenas 37% dos americanos achassem que Trump lidava bem com a questão da pandemia, isto a juntar ao apenas um terço dos eleitores - em Estados cruciais para as eleições - que concordavam com a forma como Trump agiu face ao tema das tensões raciais e dos protestos que se seguiram.


Serão estes erros de gestão política suficientes para que a vitória, digamos assim, “caia no colo” do candidato democrata? É cedo para dizer. As sondagens analisam as tendências do voto popular mas as eleições marcadas para 3 de Novembro apenas servirão para que os cidadãos escolham os seus representantes para o Colégio Eleitoral e esse sim, a 14 de Dezembro, votará qual o candidato vencedor. Um sistema que correu mal para Hillary Clinton, apesar de ter obtido mais três milhões de votos do que Donald Trump junto dos eleitores directos.


Entretanto, os candidatos tentarão o tudo ou nada no debate que acontece esta quinta-feira (já madrugada de sexta-feira em Angola) e que terá novas regras para evitar o caos verificado no primeiro debate entre Biden e Trump, onde foram constantes as interrupções, sobretudo por parte do atual Presidente.


Infelizmente e dada a diferença horária não é possível aqui descrevermos o que se terá passado e quem saiu vencedor, mas seguramente ao lerem este artigo já teremos todos um balanço do que foi o debate, sendo importante frisar que este debate realiza-se a apenas 12 dias das eleições e já depois de mais de 40 milhões de eleitores terem votado segundo dados do Washington Post e com as sondagens a ditarem que Biden leva vantagem e segue à frente na corrida.


No entanto, se Trump for derrotado, convirá lembrar uma frase de outro presidente norte-americano, Abraham Lincoln: “Quem perde a confiança dos seus concidadãos, nunca mais poderá reconquistar-lhes o respeito e a estima”.
A ver vamos!

Sebastião Martins
Mestre em Estratégia e Doutorando em Ciências Políticas