Luanda - O general Pezarat Correia, que esteve envolvido nas negociações para a independência de Angola, diz, 45 anos depois, que "foi extremamente difícil" manter a data para a concretização do processo, e que houve riscos de ser "declarada unilateralmente".

Fonte: Lusa

Segundo o militar, que foi membro do Conselho da Revolução em Portugal e que esteve no processo negocial que conduziu ao Acordo de Alvor - assinado entre o governo português e os principais movimentos angolanos, Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA), em janeiro de 1975, quanto mais tarde ocorresse a independência do país pior teria sido.

 

O militar rejeitou, assim, as críticas feitas aos responsáveis pelas negociações, que apontam um processo feito à pressa, com consequências sérias para Angola e para os portugueses.

 

"Hoje, pela maneira como o processo decorreu no período de transição, quanto mais tarde [tivesse ocorrido a independência] pior", afirmou o general Pedro Pezarat Correia, acrescentando: "Porque nós ainda conseguimos respeitar a data da independência, 11 de novembro. Mas foi extremamente difícil conseguir que fosse respeitada".

 

Se mais tempo passasse, "não tinha sido respeitada, porque eles [os movimentos de libertação] tinham declarado a independência unilateralmente", afirmou numa entrevista à Lusa a propósito dos 45 anos da independência de Angola, que se comemoram no próximo dia 11 de novembro.

 

O Acordo de Alvor, que estabeleceu os parâmetros para a transferência de poder e partilha do mesmo entre os três movimentos de libertação de Angola para o período até às eleições, previstas no documento, era "ligado por cordéis, um acordo de compromisso", que se baseava na boa-fé e na confiança que Pezarat Correia assegurou ter sentido em vários sinais dos movimentos de libertação e no ambiente vivido no hotel do Alvor, no Algarve, em 1975, mas depois não se verificou.

 

"Passado um mês, o acordo já estava a ser completamente violado. Nunca pela parte portuguesa. Mas os três movimentos de libertação encarregaram-se todos eles de o violar", disse.

 

Por isso, o que se mantém do acordo acabou por ser a data, sublinhou o oficial dos exército português reformado e adianta que esta resultou de uma "solução matemática", entre os três movimentos de libertação angolanos. A posição portuguesa era que a independência fosse dentro de 18 meses a dois anos, disse. Porém, "havia movimentos que queriam seis meses, no máximo".

 

"Resultado: os três movimentos de libertação chegaram, a Mombaça [cidade do Quénia onde houve uma reunião de negociação], na semana antes do Alvor, com a solução do 11 de novembro", explicou.

 

Na opinião de Pezarat Correia, a interferência externa em Angola não só foi um dos fatores que mais contribuiu para a "tragédia" da guerra que o país viveu nos anos seguintes à independência, como agravou os problemas no processo de transição.

 

"Às tantas, no norte de Angola, a FNLA já era mais exército zairense do que sei lá. Depois as invasões sul-africanas, em apoio da UNITA, a partir do sul, e depois o recurso do MPLA a Cuba, a pedir a interferência de tropas cubanas, com a Operação Carlota. E o conflito estava internacionalizado", afirmou.

 

Tudo num momento, em que Portugal, estava "fragilizado militarmente", não tendo capacidade para se interpor entre os movimentos de libertação "e muito menos para impedir as interferências externas". Até porque Portugal um momento de grande instabilidade, com o país numa pré-guerra civil, lembrou.

 

"Podia se ter previsto? Eu digo dificilmente. Porque, entretanto, nós tínhamos conversações com os embaixadores, dos Estados Unidos, da União Soviética, e as promessas eram nós não interferiremos. A própria África do Sul prometeu-nos várias vezes nunca interferir em Angola", confessou.

 

Perante aquilo Portugal podia ter pedido a intervenção da ONU, mas com isso não atingiria uma solução, porque "com o Conselho de Segurança dominado pela União Soviética e pelos Estados Unidos, o veto de um deles era óbvio", por isso não o fez, acrescentou Pezarat Correia.

 

Quando se compara a independência de Angola com outras mais bem sucedidas em África e conduzidas por outros países europeus, o militar de Abril destaca que nessas colónias, as independências, não passaram por guerras de libertação.

 

"Foram os próprios movimentos coloniais que, a tempo, reconheceram o direito das colónias à independência e negociaram com partidos que elas próprias fomentaram. Não tiveram de passar por uma negociação da paz", salientou, numa alusão à França, Inglaterra e Bélgica."Portanto, o poder colonial não estava enfraquecido", frisou.

 

Por isso, hoje, com 88 anos, Pezarat Correia considera que, apesar de tudo, no processo de independência do país conseguiu-se "preservar o essencial", o relacionamento com Angola.