Luanda - A condição juvenil, enquanto categoria sociológica caracterizada como espaço etário de transição física e moral, requer sensibilidade nas relações sociais e interacção permanente, partindo do modo como os jovens experimentam o seu mundo social e como vivenciam as dinâmicas e transformações sociopolíticas em presença.

Fonte: Club-k.net

A alta intensidade das reivindicações que têm preenchido o espaço público e as reacções daí decorrentes, remete-nos à uma linha de reflexão em torno da relação que os jovens mantêm com os tradicionais modelos de participação política e como o nosso ecossistema dominante pode viabilizar formas de mitigar as actuais fragilidades multidimensionais dos seus integrantes.


No percurso das sociedades as lógicas de organização da vida moldam as visões de mundo e o comportamento das colectividades em diferentes campos sociais. E as diferentes formas de institucionalidade (família, escola, igreja, associações), com as suas modalidades de socialização, mobilizam o imaginário colectivo em torno de valores partilhados de solidariedade, cooperação e cidadania activa. São esses sistemas valorativos e simbólicos que concorrem para as modelagens do espaço público e a exploração das várias possibilidades existentes: participação livre e universal na disputa de opinião; participação na formação das agendas políticas ou inclusão dos actores na tomada de decisões que os afectam.


Como uma sociedade em busca de medida e palco de processos complexos de descontinuidades e de desregulação – conflito armado, crise económica e crise pandémica - o actual horizonte político angolano ainda não exercitou na plenitude o potencial das “outras experiências” e das imensas possibilidades de participação cidadã. E mais ainda. As instâncias de mediação, na sua maior parte, encontram os sentidos da sua acção regulados e codificados no interior das paisagens político- partidárias e/ou associativas (normativamente condicionadas e estruturalmente burocratizadas) que definem o critério de orientação das agendas e das urgências dos seus actores.


Sujeitos a pressões sociais de alta frequência para autonomia e emancipação, distanciados dos processos de produção e consumo (taxa de desemprego aos 34%) e alvos de uma transição geracional tardia, os grupos juvenis articulam estratégias de visibilidade em ambientes mais informais e de mobilização espontânea, mas de longo alcance: as redes sociais digitais. É deste modo que, impulsionados pelas dinâmicas virtuais, os actos públicos de natureza colectiva para além de manifestarem vontades materiais expressam reivindicação de status e de bens simbólicos, por parte de um grupo etário que percorre as zonas periféricas da existência social. Como em todas as inter-relações que se processam na esfera das estruturas societais as formas de agir, pensar e sentir, que ocorrem fora daquilo que é considerado “padrão”, agitam sensibilidades, estimulam tensões e podem gerar conflitualidades. E as narrativas mediáticas que actualmente têm alimentado os domínios públicos, numa lógica dicotómica responsabilização/vitimização, elucidam, por si só, as tensões e sensibilidades em evidência. Estas, por sua vez, são suscetíveis de cristalizar uma linha abissal (ainda que imaginaria) nós/outros que, obviamente, obstaculiza a busca de alternativas a esta situação atípica e paradigmática que afecta transversalmente a todos os cidadãos.


Entendemos que o ponto de partida para que as políticas de acção pública possam estimular e absorver as energias democráticas dos cidadãos é a identificação da constelação de vulnerabilidades que produzem e reproduzem riscos sociais e, deste modo, ampliar o raio de abrangência das estratégias de negociação colectiva. Pressupõe, no entanto, a conjugação de iniciativas que poderão servir de fio-condutor para acções subsequentes, como por exemplo: a recolha de contribuições públicas para os programas de desenvolvimento municipal; o cadastro, sistematização e fomento das várias iniciativas de inclusão social disseminadas pelos municípios; o alargamento da escala de responsabilização social das grandes empresas; dinamização dos distintos domínios do património cognitivo da Universidade, por meio de incentivos à investigação-acção. Essas medidas compensatórias de desigualdades estruturais, ao contrário do que se possa imaginar, fortalecem as virtudes do Estado enquanto máxima instituição reguladora e promotora da cultura de proximidade e de diálogos dinâmicos.


Por fim, partindo do princípio da totalidade dos fenómenos sociais os problemas da juventude são-no também da sociedade, como um todo. Isto requer o reconhecimento
aprofundado de direitos sociais, económicos e culturais capazes de atender as expectativas e demandas dos colectivos nos seus distintos percursos de vida.

* Investigador e Mestre em Sociologia pela Universidade de Coimbra