Luanda - Em datas festivas memoráveis ligadas à UNITA, à União Africana ou OUA, datas de valor e âmbito internacional, datas Pan-Africanas e Mundiais, geralmente, a Jamba recebia em visita, várias personalidades africanas e do mundo ocidental e não só, convidados pela Direcção.

Fonte: Club-k.net

Foi assim que, em uma dessas festas, fomos brindados com a presença de um dos maiores icons da música angolana e considerado embaixador da música cultural angolana, Barceló de Carvalho ou, se preferirem, Bonga kwenda.

 

Naqueles dias, só se falava de Bonga, não tanto pelas músicas, mas pela sua presença física na capital das Terras Livres de Angola, Jamba (que significa Elefante na língua Umbundu).

 

O Cantor de que tanto gostávamos e adimirávamos, finalmente, estava entre nós. Todos queriam ver de perto o Bonga. Ele era visto como Corajoso e Patrióta. Bonga tinha abandonado o conforto dos Palcos Europeus para ir cantar para os seus irmãos na Jamba no coração da Savana Africana no Sudeste Angola.

 

Para alguns, Bonga não era um estranho, as suas músicas já eram conhecidas desde o tempo colonial. Também havia aqueles que ouviam o Bonga pela rádio VORGAN, que, na véspera da sua visita, tocou, repetidas vezes, principalmente a música entitulada “Chota a Galinha”. Essa música, “Chota a Galinha”, só precisou de tocar uma vez: foi amor à primeira vista. Tocou, gostou! Por isso, chota a galinha... chota a galinha... fez muito sucesso nas farras e fazia levantar todo o mundo, mesmo sem dama, o pessoal dançava e vibrava no Pavilhão VI Congresso. Não é por acaso que foi das músicas mais aplaudidas do show. Até o povo pediu bis, bis, bis em voz alta... .

 

Recordo-me também que, a dado momento do show, o Bonga fez uma provocação à plateia. Ele quis saber se o pessoal conhecia uma das músicas de seu repertório. Para surpresa do cantor, o povo, em coro, começou a cantar em kimbundu: kisselenguenha, kisselenguenha? we mama Kissenlenguenha!... kisselenguenha a ngui tebob? We mama kisselenguenha...


Adimirado, Bonga disse: FALAM TÃO MAL DE VOCÊS, MAS, AFINAL, VOCÊS SABEM DE TUDO!... E, com o povo, começou a cantar: we mama we, we mama we, we mama we, we mama kisselenguenha; kisselenguenha, kisselenguenha? we mama kisselenguenha!

 

Esta foi uma noite memorável em que todos se divertiram e, acima de tudo, viram de perto um dos maiores músicos angolanos de todos os tempos, com quem passaram a noite inteira a cantar num palco feito de madeira e com cobertura de capim, como, aliás, era toda a estrutura do Pavilhão. Desde esse dia em diante, passei a gostar ainda mais do Bonga e das suas lindas músicas. Também passei a adimirar a forma como ele codifica as suas letras. Cada um é livre de interpretar da maneira que melhor lhe convier.

 

Por exemplo: a Chota a Galinha, chota a galinha! Para o pessoal da Jamba, galinha eram os soldados cubanos. Talvez seja por isso que a música “Chota galinha”, naquele contexto, foi muito ovacionada e cantada com muita força.

 

Para além da música de Bonga, que era a preferida, também consumíamos músicas de outros artistas angolanos, como: Mila Melo, Prado Paim, Teta Lando, David Zé, Samangwana; de Bandas, como: Kiezos, Bongos (do Lobito) , Jovens do Prenda etc.

 

Por exemplo, o meu pai, Bernardo Prata, tinha cassetes de fita magnética com sucessos dos anos 70. Sempre que ele colocasse uma cassete no seu gravador (Sony), notávamos alegria no seu rosto. Algumas vezes, fazia questão de acompanhar as músicas, cantando. Nós percebíamos que a música traziam-lhe boas lembranças do passado.

Entre as suas músicas preferidas, destaco:

- música de Prado Paim: Bartolomeu, Bartolomeu;
- de Mila Melo: Makulu wa popia hati tuendi kenhalã... kenhalã kuli ombambi tukaluluma;
- de Samangwana: Tio António quando trabalhava...;
- de David Zé: Vão, vão se embora... isto assim não pode ser...;
- Teta Lando: Eu vou voltar, mas ainda tenho de esperar...;

A música “Eu vou voltar, mas ainda tenho de esperar”, era muito especial para o meu mano Lanito Chipeio. O mano Lanito tinha uma viola, e sempre que regressasse do serviço ou aos fins de semana fazia questão de tocar a guitarra e cantar: “eu vou voltar... a questão é esperar...” .

 

Nós apreciávamos e, às vezes, ajudávamos no coro: ...eu vou voltar, a questão é esperar... .
Eram músicas com uma mensagem muito profunda. Com essas músicas, os nossos pais viajavam para o passado e viviam, por alguns instantes, aquelas memórias dos pé-de-danças dos velhos tempos – como eles diziam: os bons tempos!

 

Mesmo quando fosse brincar à casa dos meus amigos, lá também havia música. - O meu amigo Lukamba Dachala gostava das músicas de Lindo Omar Castilho. Ele adorava música romântica. Outro apreciador de música romântica era o Zinho Liahuka, filho do meu avó Tony Liahuka, a quem a minha mãe chama carinhosamente de tio Tóni. O Zinho Liahuka gostava de Roberto Carlos, às vezes, cantava para nós e, talvez, também, cantava para as miúdas. Naquela altura, as miúdas gostavam muito do Lukamba e do Zinho.

 

Houve um dia em que o Zinho me segredou que escrevia cartas com estrofes das músicas de Roberto Carlos e dava a ler às colegas. Ele contou-me: - o Lukamba me deu uma carta para entregar a uma colega, e eu, pelo caminho, abri e li, verifiquei que ele escrevia estrofes das músicas preferidas dele. A partir daí, passei a fazer o mesmo. Olha, agora já tenho duas... . E eu disse: então, se já tens duas, dá-me uma! Ele fingiu que não me me tinha ouvido, e continuou com a conversa. Percebi que, se eu quisessse ter uma, tinha de começar a escutar música romântica e passar a escrever bilhetinhos para as moças. Afinal a música podia ser usada para convencer as meninas.

 

O poder da música é grande: com a música, exprimimos os nossos sentimentos e passamos a nossa mensagem. Através dela, podemos perpectuar a nossa cultura.

 

A cultura é a alma de um povo. Um povo sem cultura está sujeito a fracassar. Se quiseres desenvolver um país, primeiro, fortaleça a cultura desse povo; porque a base de desenvolveimneto dos povos está assente na sua cultura.

 

O Show do Bonga na Jamba, em 1986, foi uma demonstração muito clara da importância da cultura em todos os momentos da vida de um povo.

 

Estando em guerra ou em Paz, a cultura tem de ser valorizada.


Luanda, 13 de Janeiro de 2021
Gerson Prata