Lisboa - A prisão preventiva do empresário luso-angolano Carlos São Vicente, detido desde setembro, em Luanda, por suspeitas de corrupção, foi prolongada por mais dois meses, de acordo com despacho da Procuradoria-Geral da República (PGR) de Angola a que a Lusa teve hoje acesso.

Fonte: Lusa

De acordo com o despacho da PGR angolana, de dia 20 de janeiro de 2021, o prazo é "excecionalmente" prorrogado pela "necessidade de se realizarem as diligências em falta", pela complexidade do processo, nomeadamente pelos contornos transnacionais.



Carlos São Vicente está também a ser investigado na Suíça por suspeita de branqueamento de capitais.


"Para o efeito prorrogo excecionalmente o prazo de prisão preventiva do arguido Carlos Manuel São Vicente (...), por mais dois meses, em função da necessidade de se realizarem as diligências em falta, porque o processo reveste-se de particular complexidade e do particular circunstancialismo em que foi cometido, mormente as conexões transnacionais, que na eventualidade de o arguido ser posto em liberdade, o risco de se colocar em fuga mostrar-se-ia em nível alto, o que caso acontecesse poderia comprometer a conclusão da instrução e a realização da sã justiça", lê-se no documento.



A prisão preventiva de Carlos São Vicente, segundo um parecer do constitucionalista e professor de direito Jorge Miranda, pedido pela família do empresário, a que a Lusa teve acesso, "ofende elementares princípios do Estado democrático de Direito".



O parecer do constitucionalista, datado de 11 de janeiro, refere ainda que os procedimentos da PGR angolana violam a Constituição angolana.


“Não se divisam no processo indícios dos crimes imputados que pudessem justificar a prisão preventiva” e com o património de Carlos São Vicente já nas mãos do Estado e dada a sua saúde precária “não se divisa nenhum perigo de fuga no despacho do Ministério Público, nem de perturbação do processo”, sublinha-se no mesmo parecer.

Numa entrevista à Lusa, este mês, a mulher do empresário e filha do primeiro Presidente da República de Angola, Irene Neto, que se encontra em Portugal, disse que tinha pedido pareceres a alguns "reputados constitucionalistas portugueses e que o de Jorge Miranda considerava inconstitucional a medida".

O despacho que determinou a prisão preventiva do empresário angolano Carlos São Vicente refere que este levou a cabo “um esquema ilegal” que lesou a petrolífera estatal Sonangol em mais de 900 milhões de dólares (cerca de 763,6 milhões de euros).

De acordo com o despacho a que a Lusa teve acesso na altura, o empresário angolano, que entre 2000 e 2016 desempenhou, em simultâneo, as funções de diretor de gestão de riscos da Sonangol e de presidente do conselho de administração da companhia AAA Seguros, sociedade em que a petrolífera angolana era inicialmente única acionista, terá levado a cabo naquele período "um esquema de apropriação ilegal de participações sociais” da seguradora e de “rendimento e lucros produzidos pelo sistema” de seguros e resseguros no setor petrolífero em Angola, graças ao monopólio da companhia.


Desta forma, Carlos São Vicente passou a ser o “detentor maioritário das participações nas AAA Seguros, com 89,89%, em detrimento da Sonangol, que viu as suas participações sociais drasticamente reduzidas em 10% [a 10%], num prejuízo estimado em mais de USD 900.000.000,00 [cerca de 763,6 milhões de euros ao câmbio atual]", não tendo a petrolífera “recebido qualquer benefício”, em contrapartida, adianta-se no documento.


Cedências de participação, que de acordo com o despacho, o arguido terá referido que foram feitas "com base num acordo informal" entre ele, enquanto representante da AAA Seguros, e o então presidente do conselho de administração da Sonangol, e mais tarde vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente.



Ainda de acordo com o despacho transcrito, “grande parte do Ativos das AAA Seguros, SA, que já cessou a atividade, pertencem hoje a outras empresas do mesmo grupo detidas/controladas pelo arguido Carlos Manuel de São Vicente”, através de “um processo fraudulento em prejuízo do Estado angolano”.


Perante o exposto, o documento conclui “não restarem dúvidas, dos suficientes indícios de estar o arguido Carlos Manuel de São Vicente, incurso na prática dos crimes de peculato (…), recebimento indevido de vantagens (…), corrupção (…), participação económica em negócio (…) tráfico de influências”.



O AAA, liderado por Carlos São Vicente, é um dos maiores grupos empresariais angolanos, operando na área de seguros e da hotelaria.