Luanda - Faleceu um grande militar, o General Demóstenes Amós Chilingutila. Era um homem de trato fácil, amigo do seu amigo, totalmente entregue à defesa do Povo Angolano.

Fonte: Club-k.net

Conheci-o em Março de 1976, no Cuangar. Na companhia da minha família, fui lá parar, vindo de Benguela, de onde tínhamos saído no dia 8 de Fevereiro de 1976, acossados pelo avanço das tropas cubanas que tinham vindo apoiar as tropas do MPLA.


De Benguela fomos para Sá da Bandeira (actual Lubango) e daí fomos para Serpa Pinto (actual Menongue), de onde rumamos até ao Cuangar, situada nas margens do Rio Cubango, na fronteira com a Namíbia.


No Cuangar, passados alguns dias, vinda do Cunene, chegou uma coluna de três viaturas - um Land Rover de caixa grande, um Land Rover pequeno e um Toyota Land Cruiser - que era comandada pelo então Tenente-Coronel Aurélio “Vida de Deus”. Na sua comitiva, faziam parte várias pessoas, entre as quais o General Demóstenes Chilingutila que na altura era Capitão. Faziam também parte dessa comitiva, o tenente Nicolau Kafundanga, o Zacarias Gabriel Sapato, o furriel Chissanga e dois militantes brancos o Emanuel Lopes e o Júlio Sacramento.


Foi a partir daí que começou o meu relacionamento com o General Chilingutila. Tínhamos os nossos 18 anos e – na companhia de outros jovens da mesma idade, vindos de várias cidades – ficamos muito impressionados com a vontade férrea e o sentido de entrega das pessoas daquela comitiva que, diante do avanço das tropas cubanas, aceitavam o desafio de voltar para o interior do país, a fim de se desafiar o MPLA. Foi assim que vários de nós nos alistamos para partirmos também com o Coronel Vida de Deus.


Só que, antes de partirmos para o interior, o Cuangar recebeu vários fugitivos que – dizia-se – estavam numa base dirigida pelo Dr. Jorge Alicerces Valentim, onde foram atacados por uma força cubana. Esses jovens vinham magros, sujos e algo desanimados. Contaram-nos a história do ataque da base de onde vinham e com isso nos apercebemos do que a guerra realmente significava: dura, cruel, desumana.


Foi assim que vários jovens alistados para seguirem com o Tenente-Coronel Vida de Deus e com o Capitão Chilingutila mudaram de ideias e desistiram dessa viagem.


No dia da partida dessa comitiva, insisti que eu deveria ser aceite para seguir viagem para o maquis. Sem êxito, vários membros da JURA de Benguela tentaram persuadir-me de partir. Então foram mobilizar o meu pai para me impedir de seguir viagem. Como eu ainda insistia na ideia de seguir viagem, apareceu o meu irmão mais velho de nome Fragoso – a quem chamavam Sicatão - que tirou-me as minhas "vimbambas" e decidiu que iria no meu lugar.

Depois disso, o Coronel Vida de Deus veio ter comigo para se despedir e disse-me que naquelas circunstâncias, eu tinha mesmo de ficar. Disse que durante a Primeira Guerra, sempre que numa aldeia, as pessoas dissessem que certa pessoa não deveria deixar a aldeia para integrar a luta, os guerrilheiros da UNITA respeitavam essa recomendação, mesmo se a própria pessoa quisesse acompanhar-lhes. A comitiva - que agora tinha 64 pessoas - partiu sem mim e eu, após várias peripécias, acabei por ir a Portugal onde fiz Medicina.


Nunca mais vi o Coronel Aurélio Vida de Deus. Mas, enquanto membro da Representação da UNITA em Portugal, vezes sem conta recebíamos e distribuíamos às agências internacionais de notícias Comunicados de Guerra, assinados pelo então Chefe do Estado Maior das FALA, General Demóstenes Amós Chilingutila.


Após o meu regresso ao maquis, ocorrido em 1984, encontrei o General Chilingutila com quem privei vezes sem conta. O último contacto aconteceu numa chamada telefónica que eu fiz para ele. Foi na tarde da passada sexta-feira. Trocamos impressões sobre a situação do partido que combinamos aprofundar no seu regresso. Depois, ele disse-me que se estava a sentir mal pelo que não tinha conseguido ir até Kamundongo para acompanhar os últimos passos do nosso Secretário Lito Kandambo, até à sua última morada. Disse-me que tinha o plano de seguir para o Huambo, onde seria tratado das queixas que estava a apresentar. Não sabia eu que aquela seria a última vez que falaria com o nosso General.


Foi uma grande surpresa esta manhã receber a informação da sua morte.


Demóstenes Amós Chilingutila foi um grande militar, um grande comandante de homens e um verdadeiro combatente por uma Angola livre e democrática. Ficam comigo várias lembranças dele que me marcaram sobremaneira. É uma grande perda para o país e para a UNITA. Paz à sua alma. Sentidos pêsames à família enlutada.