Luanda - 1. No dia 14 do mês passado, a Assembleia Nacional apreciou, na generalidade, as projectos de leis de revogação da Lei n. º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e da Lei n. º 24/10, de 3 de Dezembro – Lei de Alteração à Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, bem como a Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional e a Lei n.º 25/10, de 3 de Dezembro – Lei de Alteração à Lei do Processo Constitucional, ambas por iniciativa do Chefe do Executivo angolano.

Fonte: Kwanza

2. Na verdade, passados mais de 11 anos desde a institucionalização do tribunal Constitucional em 25 de Junho de 2008, justifica-se esse ajustamento legal para melhoria e eficiência da organização e funcionamento de1tendo em conta a realização de eleições autárquicas, onde matérias como (i) competências de apreciação da regularidade e validade das eleições autárquicas, (ii) legalidade da formação das coligações e grupos de cidadãos eleitores concorrentes às eleições autárquicas, (iii) declaração da respectiva extinção (iv), julgamento de recursos relativos à perda, substituição, suspensão e renúncia do mandato nas Assembleias das Autarquias levantam a sua complexidade que urge clarificar. Além disso, as propostas visam também clarificar a composição, organização, funcionamento, competências e atribuições deste ente judicial, a redefinição do estatuto dos seus Juízes, resolver os pontos de conflitualidade entre este e o Tribunal Supremo, clausurar limites de idade independentemente do tempo de mandato que o juiz falte por cumprir, assim como o regime financeiro do Tribunal Constitucional.

 

4. Apesar do bem fundado dos projectos, e porque não há rosa sem espinhos, é mister dizer-se que os mesmos trazem temáticas que se revelam críticas e, por conseguinte, devem merecer alguma clarificação. Tais matérias prendem-se, por exemplo, com as condições ou requisitos de jubilação dos Juízes Conselheiros daquele Tribunal, as quais põem em confronto disposições do legislador constituinte com o legislador ordinário. De forma mais precisa estamos a falar dos institutos: (i) do mandato único não renovável, (ii) da garantia da inamovibilidade dos juízes e (iii) do tempo necessário para a jubilação.

 

5. Neste sentido, a presente reflexão dogmático-problematizante vai incidir sobre a proposta da Lei n. º 2/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, com destaque para:

 

O artigo 35.º com a epígrafe “Inamovibilidade”, nos termos do qual os “ … Juízes do Tribunal Constitucional gozam, durante o seu mandato, das garantias de inamovibilidade estabelecidas no n. º 2 do artigo 179.º da Constituição, não podendo, as respectivas funções, cessar senão nos casos previstos no artigo 42.º da presente lei”.


A alínea e) do n. º 3 do artigo 42.º, com a epígrafe “Inicio e cessação de funções”, que dispõe que antes “do termo do mandato, as funções dos Juízes do tribunal Constitucional só podem cessar quando se verifique qualquer das situações seguintes: a) morte ou impossibilidade física permanente; b) renúncia: c) aceitação de cargo legalmente incompatível com o exercício das suas funções; d) demissão ou aposentação compulsiva, em consequência de processo disciplinar ou criminal; e) ter atingido o limite de 70 anos de idade”.

O n. º 7 do artigo 42.º, que estabelece que o “ processo de cessação de funções estabelecido na alínea e) do n. º 3 do presente artigo opera automaticamente, devendo o Plenário do Tribunal Constitucional aprovar a respectiva Resolução”.

O n. º 1 do artigo 43.º, com a epígrafe “Cessação de funções no decurso do mandato “, nos termos do qual “ … decurso do mandato as funções dos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional cessam nos termos do estabelecido no n. º 3 do artigo 42.º da presente lei”.


O artigo 145.º, com a epígrafe “Jubilamento antecipado”, segundo o qual aos “Juízes do Tribunal Constitucional que se encontrem em funções na data de entrada em vigor na presente Lei e que tenham de cessar as funções por atingirem o limite de idade”.


5.1. Elencadas as matérias críticas no projecto de lei, urge agora falar sobre a constitucionalidade, conformidade das soluções propostas. Vejamos então quanto a primeira questão sobre (i) o Mandato único e não renovável fundado na garantia constitucional da inamovibilidade e (ii) o tempo necessário para a jubilação dos Juízes do Tribunal Constitucional.

5.1.1 Sobre o tema, a CRA estabelece, no n.º 4 do artigo 180, que: “Os Juízes do Tribunal Constitucional são designados para um mandato de sete anos não renovável e gozam das garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade dos Juízes dos restantes Tribunais”. Isto significa dizer que diferentemente do sistema de organização e funcionamento jurisdicional dos tribunais comuns, que integram Tribunais de Comarca, de Relação e encabeçada pelo Tribunal Supremo, os tribunais de especialidade, com destaque para o Tribunal Constitucional, regem-se por um Regime próprio. Ou seja, tanto a jurisdição comum quanto a jurisdição de especialidade, ambas têm um sistema de composição, organização, funcionamento, atribuições e competências muito próprios, sem prejuízo do gozo, por parte dos Juízes do Tribunal constitucional, também das garantias de independência, imparcialidade, inamovibilidade e de irresponsabilidade a que também assistem aos juízes dos restantes tribunais, conforme estipula o n.º 4 do artigo 180.º, conjugado com os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 179.º, ambos da CRA. Trata-se, como se depreende, de instrumentos garantísticos para o exercício da função de judicatura não só em Angola, como em todo o mundo.

5.1.1.1. Em face do exposto, a “pretensa” controvérsia que se quer gerar entre ambas jurisdições por parte do dito novo projecto de lei orgânica do Tribunal Constitucional revela-se artificial e enganosa. A questão do mandato único dos juízes do Tribunal Constitucional é, por isso, e à luz da CRA, um não assunto porque indiscutível e claro. Ou seja, a não renovabilidade, constitucionalmente consagrada, do mandato é, ao mesmo tempo, uma garantia da inamovibilidadedos Juízes daquela jurisdição de especialidade, e é também uma protecção da expectativa jurídica de quem aceita concorrer para este tribunal, de que efectivamente vai cumprir os 7 anos, tal como a CRA estabelece, e por conseguinte, tal mandato não pode ser interrompido como pretende o projecto de lei em crise. Essa conclusão, suportada na CRA e no princípio da conformidade das leis ordinárias com a CRA, encontra abundante amparo constitucional e jurisprudencial em vários sistemas constitucionais do mundo, e até mesmo entre nós.

Senão vejamos.

5.1.1.1.1. Em matéria de idade, não encontramos, no direito comparado que tenha instituído o Tribunal Constitucional, normas que estabelecem limites máximos de idade para o exercício de funções de judicatura neste órgão de soberania. Ao contrário, verificamos que a determinação do limite máximo até aos 70 anos de idade só se verifica nos casos dos juízes que exercem a judicatura nos Tribunais de jurisdição comum (Tribunal de Comarca, de Relação e Supremo). Nesta conformidade, vejamos então o que nos diz o direito comparado quanto a não aplicação do limite de idade aos juízes do Tribunal Constitucional:

Espanha

Andrés Ollero Tassara, nascido em 1944 e é desde 2012 Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Espanha até a presente data conta já com 77 anos de idade.

María Encarnación RocaTrías, nascida em 1944, magistrada jubilada do Tribunal Supremo, Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional de Espanha desde 2012; é Vice-presidente do tribunal desde 22 de Março de 2017 até a presente data, com 77 anos de idade.


Ferando Valdés Dal-Ré, nascido em 1945 e é desde 2012 Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Espanha até a presente data, com 76 anos de idade.


Santiago Martinez-Vares Garcia, nascido em 1942, magistrado jubilado do Tribunal supremo e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Espanha desde 2013 até a presente data, com 79 anos de idade.


Cándido Conde-Pumpido Tourón, nascido em 1949, magistrado jubilado do Tribunal Supremo e Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Espanha desde 2017 até a presente data, com 76 anos de idade.

Juan Antonio Xiol Rios, nascido em 1946, magistrado do Tribunal Supremo e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Espanha desde 2013 até a presente data com 75 anos de idade.


Ricardo Enriquez Sancho, nascido em 1944, magistrado judicial jubilado do Tribunal Supremo e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Espanha desde 2014 até a presente data, com 77 anos de idade.


Alfredo Montoya Melgar, nascido em 1937, Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de Espanha desde 2017 até a presente data, com 84 anos de idade.
Itália

Giancarlo Coraggio, nascido em 1940, Juiz Conselheiro Presidente jubilado do Tribunal Supremo Italiano e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional da Itália desde 2013 e Presidente do órgão desde Dezembro de 2020 até a presente data, com 81 anos de idade.


Giuliano Amato, nascido em 1938 e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional da Itália desde 2013 desde 2014 e Vice-presidente do órgão desde Setembro de 2020 até a presente data, com 83 anos de idade.

Silvana Sciarra, nascida em 1948 e é Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional Italiano desde 2014 até a presente data, com 73 anos de idade.

Franco Modugno, nascido em 1938 e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional da Itália desde 2015 até a presente data, com 83 anos de idade.


Augusto Barbera, nascido em 1938 e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional da Itália desde 2015 até a presente data, com 83 anos de idade.


Giulio Prosperetti, nascido em 1946 e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional da Itália desde 2015 até a presente data, com 75 anos de idade.

Giovanni Amoroso, nascido em 1949 e é Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional da Itália desde 2017 até a presente data, com 72 anos de idade.
No espaço lusófono e afro lusófono,

Portugal

Manuel da Costa Andrade, nascido em 1944, Juiz Conselheiro Presidente jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e do Conselho Superior da Magistratura Judicial; é Juiz Conselheiro Presidente do Tribunal Constitucional da República portuguesa desde 2016 até a presente data, com 77 anos de idade.
João Pedro Barroso Caupers, nascido em 1951, Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional desde 2014 e Vice-presidente do órgão desde 2016 até a presente data, com 70 anos de idade.
Moçambique[1]

Manuel Franque, nascido em 1943 e é Juiz Conselheiro do Conselho Constitucional da República de Moçambique desde 2004 até a presente data, com 78 anos de idade. No direito constitucional moçambicano, o mandato dos Juízes deste órgão é de 5 anos, renováveis 2 vezes; dai o longo período de permanência deste Juiz naquele órgão.
Angola

Onofre António Alves Martins dos Santos, nascido em 1941, Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional de 2008 a 2017, cessou funções naquele órgão aos 76 anos. Afinal existe neste Tribunal Constitucional antecedentes que apontam para o facto de o Juiz em causa ter cumprido até para além do prazo que o mandato constitucional o obrigava que é de sete anos, tendo cessado funções naquele Tribunal com 76 anos de idade, após 9 anos do mandato, isto é, dois anos a mais do que a constituição e legal estabelecem.


5.1.1.1.2. Dos exemplos acabados de referir e da doutrina especializada colhem-se lições cuja fundamentação é, ao mesmo tempo, constitucional e prática. Ou seja, o Tribunal Constitucional tendo como competência, em geral, administrar a justiça em matéria de natureza jurídico-constitucional e as suas decisões não mais admitirem recursos, conforme dispõe, no caso, o n.º 1 do artigo 180.º da CRA, justifica-se a não determinação da idade máxima para os seus juízes por considerar-se que quanto mais velha e experiente for a pessoa, melhor resultará servida a justiça constitucional em particular e, em geral, a justiça do Estado que se trate.

5.1.1.1.2.1. De acordo com as constituições e praxis no direito comparado, as jurisdições comuns estão sujeitas ao regime de carreira enquanto que as jurisdições especializadas estão sujeitas ao regime constitucional de “mandatos únicos” cuja duração varia de país para país. Em países como Espanha, Itália e Portugal, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional têm um mandato único de 9 anos não renováveis; na Alemanha os Juízes do Tribunal Constitucional têm um mandato único de 12 anos não renováveis; na República de Moçambique o mandato para os Juízes do Conselho Constitucional é de 5 anos e renováveis (excepção) duas vezes por igual período; já em Angola o legislador constituinte estatuiu um mandato de 7 anos não renovável para os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional – só para citar estes.

5.1.1.1.2.2. Outra nota interessante a destacar nesse direito comparado é a de que, contrariamente a experiência de Angola, em que os Juízes Conselheiros depois de jubilados no Tribunal Constitucional se candidatam aos concursos de acesso para o preenchimento de vagas de Juízes Conselheiros no Tribunal Supremo, nos países revisitados como a Itália, Espanha, Alemanha, Portugal ou Moçambique, o movimento imigratório tem sido em sentido contrário. Nestes, os Juízes Conselheiros dos Tribunais Supremos quando jubilados, são eleitos ou indicados para exercerem funções nos Tribunais Constitucionais, carregando consigo toda a experiência técnico-profissional que só o tempo oferece as pessoas, sem prejuízo das qualidades intrínsecas de idoneidade ética e moral. Isto significa dizer que a tese defendida, entre nós, por alguns “círculos iluminados”, segundo a qual o mandato dos Juízes do Tribunal Constitucional pode ser interrompido não colhe, porque além da sua inconstitucionalidade por desrespeitar a garantia de inamovibilidade consagrado na Carta Magna da nossa República, denuncia um ardil que visa manter o “status quo” de interesses outros, diversos dos propósitos da edificação de um verdadeiro Estado democrático e de Direito no nosso país.

5.1.1.1.2.3. No direito comparado analisado, tal como no nosso, os mandatos dos Juízes dos Tribunais Constitucionais constam das Constituições e não da legislação ordinária como se quer inverter com o projecto de lei em análise. Em todos eles, também estão asseguradas, para o seu desejável e pleno exercício, um conjunto de garantias de independência, imparcialidade, inamovibilidade e de irresponsabilidade igual dos juízes dos restantes Tribunais.

5.1.1.1.2.3. Em termos da doutrina constitucional, ensina-se que, na esteira do Constitucionalista (Jurista) e Filósofo austríaco Hans Kelsen, existe uma hierarquia de normas, e no topo dessa hierarquia está a Grande Norma, a Norma Maior (Grundnorm ou Norma Normarum) que é a Constituição. E por conseguinte, ali onde o legislador constituinte não atribuir competências para o legislador ordinário produzir normas de dignidade constitucional, então este não deve legislar sob pena de incorrer em inconstitucionalidade por acção. É o que se verifica com o projecto de lei em análise, que pretende limitar a idade máxima dos Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional (70 anos), o que viola o estabelecido no artigo 226.º da CRA.

5.1.1.1.2.4. Pergunta-se, existirá outro caminho? A resposta é sim. Qual seja, a transformação, caso se pretenda concretizar a alteração, modificação, ou a revogação de alguns institutos jurídicos estalecidos no n.º 4 do artigo 180.º, conjugado com os n.ºs 1, 2 e 3 do artigo 179.º, ambos da Constituição em vigor, da Assembleia Nacional da República de Angola deve constituir-se numa Assembleia constituinte originária ou derivada. Ou seja, qualquer que seja a alteração, modificação ou revogação que se pretenda fazer aos princípios, regras e valores constitucionalmente tutelados, só deixarão de ser inconstitucionais e, por virtude disso sindicáveis, se forem efectuadas por uma assembleia constituinte. E aqui, nem mesmo o recurso a chamada “ditadura da maioria parlamentar” pode lograr êxitos, porquanto não ser isso suficiente para, esta por si só, conferir constitucionalidade aos referidos actos legislativos, o que ao ser feito provocará recursos com vista a fiscalização abstracta da constitucionalidade desta lei junto do Tribunal Constitucional.

5.1.1.1.2.4.1. Pergunta-se, será que os projectos de lei em análise não foram estudados pelos constitucionalistas em Angola ou do regime? É exactamente aqui onde reside o espanto, quando se descobre que afinal foram, alguns deles intitulados de catedráticos, que propuseram tais soluções. Trata-se de um procedimento que vem sendo cultivado há já largos anos. Uma persistência cancerígena de produzir diplomas à socapa de interesses de grupos, qual fato à medida!

6. A segunda questão que urge clarificar é a que se refere ao “Tempo necessário para a jubilação” dos Juízes do Tribunal Constitucional. Em concreto, analisar, em sede do Projecto de lei em crise (artigo 145.º), o instituto da “Jubilação antecipada” para alguns, mais para muitos, trata-se de uma “Jubilação compulsória”.

6.1. Seja qual for o entendimento (jubilação antecipada ou compulsória), a verdade fundada na CRA é que estamos diante de uma proposta que pretende delimitar o mandato dos Juízes Conselheiros daquele órgão de soberania do Estado angolano. Segundo a proposta de revogação da actual lei que foi levada a discussão na generalidade no passado dia 14 do passado mês, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional passarão doravante a ter “um mandato de sete anos não renováveis com uma idade não superior a 70 anos”.

6.2. Revisitado o projecto de diploma em causa, constata-se existir na Lei Orgânica do TC uma norma que configura uma inconstitucionalidade, ao estabelecer, no seu artigo 145º, com a epígrafe “Jubilamento antecipado” o seguinte: “Os Juízes do Tribunal Constitucional que se encontrem em funções na data de entrada em vigor na presente lei e que tenham de cessar as funções por atingirem o limite de idade fixado na alínea e) do n.º 3 do artigo 42.º adquirem imediatamente o direito à jubilação beneficiando dos direitos e deveres estabelecidos na presente lei”.

7.3. Os proponentes do referido artigo, esqueceram que a CRA não estabelece normas para a cessação de funções por limite de idade para os Juízes do Tribunal Constitucional. No direito comparado, como já foi visto supra, tratando-se de jurisdição de especialidade e não de jurisdição comum, as constituições e a própria práxis o demonstra, não estabelcecem limites, mas sim um mandato único e entre nós foi também esse a mens legislatoris (espírito) e a letra do legislador constituinte originário.

6.3. Já quanto aos tribunais comuns, as constituições destes países e a prática também o demonstra, consagram sim o limite de idade, tendo em consideração tratar-se de uma judicatura de carreira (de uma profissão, portanto, dos que fazem carreira na função pública). Nesta, os juízes são nomeados e cessam obrigatoriamente funções quando atingem os 70 anos ou aos 65 anos se já tiverem 35 anos na função pública segundo a legislação angolana competente. Por outras palavras, a determinação pelo legislador ordinário segundo a qual os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional do nosso país que estejam em pleno exercício de funções por força do seu mandato e já tenham atingido os 70 anos de idade ou venham atingir no decurso do seu mandato, adquiririam automaticamente um “jubilamento antecipado, constitui uma grave violação da Carta Magna que sobre esta matéria de limite de idade “guardou silêncio”. Portanto, lá onde o Legislador Constituinte originário guardou silêncio, não deve o legislador ordinário “falar”.

6.3.1 É uma proposta Inconstitucional sim,

Porque tal acto viola expressamente o estabelecido no n. º 4 do artigo 180.º, segundo o qual “Os Juízes do Tribunal Constitucional são designados para um mandato de 7 anos não renovável e gozam das garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade dos juízes dos restantes tribunais”.
Porque tal acto viola o n. º 2 do artigo 179.º que estatui igualmente o princípio da inamovibilidade dos juízes independemente da jurisdição que pertençam.
Porque tal acto viola dois princípios estruturantes do Estado Democrático e de Direito que são (i) o da supremacia das normas constitucionais e (ii) o da conformidade das leis e dos demais actos do Estado, no caso sub judice, dos actos praticados pela Assembleia Nacional, conforme dispõe o artigo 226.ºda CRA.
6.3.2. Por outro lado, pretendendo o legislador ordinário atribuir efeitos retroactivos à referida lei, seria, além de inconstitucional, também ilegal por violação do princípio geral do direito imanente a aplicação das leis no tempo, conforme estatui o n.º 1 do artigo 12.º do Código Civil vigente no nosso país: “A lei só dispõe para o futuro; ainda que lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular”. Trata-se, neste caso, dos direitos adquiridos que todos os juristas e não só têm o dever e a obrigação de conhecer. Mesmo se essa solução vier a ser consagrada embaterá sempre nas cordilheiras da CRA que não estabeleceu limites nem para os juízes em exercício de funções no Tribunal Constitucional nem para os que vierem a ser admitidos para esta instância.

7. Concluindo,

7.1. Propor na nova Lei Orgânica normas como as constantes do artigo 35.º, da alínea e) do n. º 3 do artigo 42.º, do n. º 7 do artigo 42.º, do n. º 1 do artigo 43.º ou do artigo 145.º, configuram, indubitavelmente, flagrantes violações aos princípios da supremacia da constituição e da conformidade dos actos do Estado com a constituição da República (artigo n.º 226.º); do princípio constitucional segundo o qual os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional têm um mandato de sete anos não renovável, alicerçada na garantia igualmente constitucional da sua inamovibilidade, conforme dispõe o n.º 4 do artigo 180.º , combinado com o n.º 2 do artigo 179, ambos da CRA. Tal proposta viola também o princípio geral do direito da aplicação das leis no tempo, no caso da retroactividade que se propõe, (artigo 12.º do Código Civil). E, por fim, vale lembrar, que nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da nossa Carta Magna, a “República de Angola é um Estado democrático de direito que tem como fundamentos a soberania popular, o primado da Constituição e da lei…”.

7.2. Pelo acima exposto, torna-se necessário expurgar, do referido Projecto de Lei, os referidos artigos pelo facto de estarem eivados de vícios insanáveis quer do ponto de vista constitucional quer do ponto de vista legal.

 

*Acadêmico e jurista angolano. Especial para O Kwanza (www.jornalokwanza.com)