Luanda - O investigador da Universidade de Sussex especialista em questões africanas considerou hoje à Lusa que os protestos dos últimos dias em Angola resultam da falta de atenção do poder central e do descontentamento no interior.

Fonte: Lusa

"Estes protestos lembraram-nos que Cabinda e as Lundas, distantes de Luanda, não têm estado na agenda do atual Governo e que o descontentamento enraizado continua; estas províncias tiveram durante muitos anos a dissensão reprimida de forma violenta, e as pessoas sentem agora que nada, afinal, mudou", disse Justin Pearce à Lusa.

Comentando os recentes protestos e a violência nestas regiões, o analista argumentou que as manifestações dos últimos dias "são uma lembrança das limitações das reformas que ocorreram na Presidência de João Lourenço, que nos primeiros dois anos foi elogiada principalmente por ter lançado ações judiciais por suspeitas de corrupção contra figuras de topo do regime do antigo Presidente José Eduardo dos Santos".

Questionado sobre o impacto destes protestos, que pedem também a realização de eleições autárquicas, na gestão política do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA, no poder), Pearce respondeu que as reivindicações sobre eleições "existem há muitos anos, e frequentemente são prometidas, mas sempre para o futuro".

Estes atrasos, explicou, "minam a reputação de João Lourenço como reformista", já que "antes de 2017 a exigência mais notória por parte da oposição era a demissão de [José Eduardo] dos Santos e o fim da corrupção, mas desde então a questão que une a oposição é a reivindicação de eleições locais".

O Presidente, concluiu, "vai precisar de dar uma resposta, até porque as eleições legislativas de 2022 aproximam-se".

Sobre a atuação da polícia nestes protestos e na repressão dos manifestantes em novembro, quando se assinalou a independência do país, Justin Pearce mostra-se muito crítico: "Os eventos em Luanda, em novembro, e em Cabinda e nas Lundas em janeiro mostraram que o comportamento da polícia continua essencialmente igual ao que era durante o regime de dos Santos".

A polícia angolana reprimiu violentamente no passado sábado uma manifestação convocada pelo Movimento do Protetorado Português da Lunda Tchokwe (MPPLT), na vila de Cafunfo, na província angolana de Lunda-Norte, para assinalar o 127.º aniversário do reconhecimento internacional do tratado de protetorado português da Lunda.

A polícia acusa elementos do MPPLT de terem tentado invadir uma esquadra policial de Cafunfo, incidente que foi reprimido resultando em seis mortes e vários feridos. O MPPLT contraria a versão policial, alegando que as forças de segurança angolanas dispararam indiscriminadamente contra manifestantes desarmados, provocando 15 mortos e dez feridos, entre os quais uma criança.

A autonomia da região das Lundas (Lunda Norte e Lunda Sul, no leste angolano), rica em diamantes, é reivindicada por este movimento que se baseia num Acordo de Protetorado celebrado entre nativos Lunda-Tchokwe e Portugal nos anos 1885 e 1894, que daria ao território um estatuto internacionalmente reconhecido.

Portugal teria ignorado a condição do reino quando negociou a independência de Angola entre 1974/1975 apenas com os movimentos de libertação, segundo o movimento.

Na segunda-feira, a polícia angolana também impediu e deteve seis ativistas de Cabinda, que tentaram realizar uma manifestação em frente à embaixada portuguesa em Luanda, para exigir a Portugal o cumprimento do acordo que permitia a independência do enclave.

Os independentistas de Cabinda defendem que o território era uma colónia independente de Portugal e deveria ter sido tratada enquanto tal no processo de independência de Angola.

A província angolana de Cabinda, onde se encontram a maior parte das reservas petrolíferas do país, não é contígua com o resto do território e desde há muitos anos, que líderes locais defendem a independência, alegando uma história colonial autónoma de Luanda.