Luanda - A UNITA é pela razão, pela distribuição justa das riquezas do país e a salvaguarda dos interesses dos angolanos, numa plataforma de equidade e justiça, independentemente de qualquer matriz política, étnica, social ou cultural.


Texto: Félix Miranda
Fonte: Folha 8


É desta forma que reagiu o Secretário Geral da UNITA, na segunda parte da entrevista, quando instado a se pronunciar em relação as acusações que pesam sobre o Partido à este respeito.

 

Folha 8- Tudo quanto disse na primeira parte desta entrevista, recebe unanimidade por parte da maioria dos angolanos. Porém, se de um lado apoiam teoricamente os princípios nacionalistas que faz jus, na prática são os primeiros a atirarem-se contra a UNITA, talvez mesmo devido a tal cultura do medo. Entretanto, a UNITA ficou abalada com todas as crises que acompanhamos dentro e fora do partido. Agora em que pé estamos?


Kamalata Numa – Primeiro, para dizer da minha parte que seria falta de coerência politica e humildade intelectual dizer que a UNITA não atravessa dificuldades, seria falso. Segundo: as pessoas que estão dentro da UNITA são angolanos de várias matizes: negros, mestiços e brancos. Todos eles estão irmanados da vontade de verem uma Angola diferente desta Angola que temos estado a ver nos últimos tempos. Com a morte do Dr. Savimbi, as coisas pioraram e ficamos numa situação em que, elites políticas dentro da UNITA, muitas delas anestesiadas por vontades alheias ao interesse principal da UNITA, se deslocaram para outras áreas; outros continuam a primar por políticas que talvez não sejam as mais consentâneas com os interesses que defendemos internamente, mas a UNITA, tem de se superar no meio dessa diversidade. Uns, têm de fazer concepções, as várias tendências, as várias posições que defendem dentro do partido, têm de ser ultrapassadas com concepções de todos os lados. Temos de aceitar que queremos construir a grande família da UNITA, para nos colocarmos a dimensão do interesse do povo angolano e este é um trabalho que terá de ser feito nos próximos tempos.


F8 – A grande crítica é que há falta de renovação por parte daqueles que deviam conduzir na prática aquilo que são os ideais de Mwangai. Isso é verdade?


KN – Não. A direcção da UNITA não é velha, é muito jovem, é a segunda geração dentro da UNITA. Conhecemos a primeira geração dos mais velhos Savimbi, Chiwale, Zau Puna e outros. Mas também nesta geração de mais velhos, também havia mais novos que continuam no activo como é o caso dos camaradas Antoninho e outros. Talvez diria mesmo que é a segunda geração que na altura assumiu posições de direcção ainda  muito jovem, muitos de nós tinha 24/ 25 anos e já assumíamos grandes responsabilidades. Por isso, acho eu que, a UNITA tem de estar atenta, e é aqui onde tem de encontrar arte e engenho para ultrapassar isso. Tem de estar atenta a grande reviravolta que ela fez ao ter se transformado numa força nacional. A UNITA que nasceu no Moxico, a UNITA que depois transformou o Centro de Angola como seu Quartel General na transição 74/76, esta UNITA que no período de 76 a 2002 se transplantou do Sul até Cabinda do Leste ao Mar, tem de saber aproveitar esta dimensão para poder incluir no seu seio as elites de outras nações, para fazermos da UNITA uma força, para não olharmos para UNITA, uma UNITA dos Umbundos, mas sim uma UNITA onde o António do Uíge, o José do Moxico, o fulano do Kuando Kubango, possam ser presidentes da UNITA, secretários gerais ou outra função de direcção dentro da UNITA; mas, neste preciso momento, temos dificuldades. Vou lhe dar um exemplo, o falecido Vatuva, questionado pelas elites políticas nas Lundas, sobre a ascensão política dessas elites, ele dizia: dêem-me quadros daqui da área, eu vou levá-los para o órgão central, vou prepará-los para amanhã se transformarem de facto em quadros do partido. Em resposta os sobas, disseram: você tem razão, de facto não temos quadros. 


F8 – Mas o MPLA conseguiu colocar esta etiqueta de tribalista, regionalista, até racista na UNITA. Até que ponto tem isso cabimento?

KN – O MPLA nunca vai dizer bem da UNITA, porque a força principal que está nos calcanhares do MPLA para nos próximos tempos assumir o poder é a UNITA. Por isso, para o MPLA a UNITA é uma força a abater custe o que custar. E nós temos de perceber que o MPLA vai se comportar sempre assim. Mas, note-se que este comportamento não enferma o MPLA na sua totalidade, temos de compreender isso. Pois há esse MPLA que tem os autóctones, ou mesmo crioulos que ainda pensam que devíamos todos viver juntos; que é um MPLA que temos de ajudar também, para se democratizar mais no seu seio, para ser mais inclusivo, para que todos sejam iguais e não haja só uma elite. O Presidente José Eduardo dos Santos quando luta pela eleição do Presidente como cabeça de lista do Partido, não é por causa dele. Está é a lutar para a preservação do grupo dele na continuidade.

 

F8 – Antes, de outros assuntos, falemos a capacidade económica da UNITA. Ontem era suficientemente autónoma, tinha meios para todas as situações, com os seus aliados a darem um grande apoio. Agora, sobretudo com a redução dos deputados no parlamento, é duro!


KN – Num país com governos sérios, não estaríamos na situação que atravessamos agora. Os partidos históricos que lutaram contra o colonialismo, deveriam ter um tratamento especial porque durante a luta contra o colonialismo, durante as lutas várias que foram feitas, atrás de si arrastaram milhares e milhares de pessoas. Por tal motivo, deviam ter um tratamento diferente, não se deviam tratar os partidos da oposição como se quer. Como fazem agora: Se o partido da oposição falar mais alto, nas próximas eleições já perde mais votos, mais deputados. Então aparece uma Nova Democracia que depois ninguém sabe de onde veio, que supera tudo e todos.


F8 – Será que isso se insere também na estratégia do projecto Nação Crioula?

KN – Absolutamente. A estratégia é a mesma, apanha organizações e apanha as pessoas. A pessoa comporta-se assim, para receber trocos. Dou exemplo do Professor João Pinto que agora está em todas. Segundo aqueles que o conheceram em Portugal, tinha um posicionamento radicalmente diferente daquele que hoje está a defender. São exemplos que não é bom citar. Em relação ao poder financeiro da UNITA, aquilo que chamamos auto-suficiência financeira, nós olhamos para dentro e olhamos para um dos princípios que nos tem norteado que é: “Contarmos essencialmente com as nossas próprias forças!”. O que temos estado a fazer até aqui são milagres. Mas também, não vai continuar eternamente. Precisamos encontrar formulas de ultrapassarmos as debilidades financeiras que temos. Esboçamos um plano estratégico muito importante que já está amadurecido e vamos pôr em marcha. Vamos organizar melhor os nossos militantes para serem eles os sustentáculos do partido através do sistema de cotas. As igrejas, por este meio se impõem, porque não um partido como a UNITA com a dimensão nacional? Portanto, não vamos contar com o que vem do Orçamento Geral do Estado pelo número de deputados que temos. Temos obrigação de fazer melhor para podermos ultrapassar isso.


F8 – Citou aqui um elemento extremamente importante. A questão das igrejas. Nota-se que as pessoas frustradas, desesperadas, preferem acoitar-se nas igrejas. E as igrejas aproveitam-se desse vazio. Por outro lado, os pastores e padres não gostam muito de falar sobre isso, mas as igrejas hoje parecem filiadas aos partidos, fazem lobbies partidários. Qual é a vossa posição?


KN – Vou tentar dividir a sua pergunta em dois momentos. Primeiro para dizer que a igreja tem um papel muito importante na edificação da pátria angolana e todos nós somos produtos disso. Sobretudo nós que nascemos na igreja, nóo que fomos formados pela igreja, sentimos muito.


F8 – Uma das suas vocações era de ser padre?


KN – Sim. Fui seminarista, estudei com o Marcolino Moco, os peixotos, os bilingues que são presidentes da SEAST e outros.


F8 – Onde?

KN – No seminário do Espírito Santo. Portanto, como dizia, sentimos muito quando a igreja, com realce para suas elites, os pastores da igreja, são atacados. Porque hoje dizem e sente-se que há aqueles que se renderam ao regime, em detrimento de seus fiéis. Não é essa a vocação da igreja. A vocação da igreja é acompanhar o povo na sua missão terrena para que no depois, tenhamos a harmonia celestial plena. Agora, se os cidadãos forem a olhar para os pastores da igreja como corrompidos, é muito mau; teremos uma sociedade completamente desfeita. O outro lado da moeda, é que a pobreza é tão extrema e as dificuldades são tantas, que o António que quiser formar uma Seita dele, forma. Promete que cura, promete riquezas caso o coitado meter o vencimento do mês no balaio; promete casamentos e filhos para estéreis, etc. Assim estamos a anestesiar a população como o MPLA o faz, de uma outra maneira. E são esses falsos profetas que estão a desnaturar a vocação real da igreja e é muito mau neste momento. Também é uma dimensão que tem de se regenerar. 


F8 – Relações. Como estão as relações com o mundo empresarial, já que nota-se também o medo dos empresários das empresas em apoiarem a oposição sob pena de verem cortados empréstimos ou erguerem-se séries de obstáculos nas suas actividades. Dizem também que o problema é que a UNITA continua muito fechada, não se abriu para outras franjas sociais. Seu comentário?

 

KN – Esta pergunta é pertinente pela sua natureza, para desmistificarmos algumas situações. Eu e outros companheiros, tentamos fazer uma incursão neste terreno e conversamos com algumas pessoas que nos pudessem dar uma mão como empresários. Chegamos a conclusão que aquilo que se considera empresariado nacional, é empresariado do MPLA. Não temos empresariado nacional, porque eles sabem que só estando com o MPLA é que podem realizar a sua missão de empresariado, se estiverem contra, são boicotados também nos seus interesses e perdem tudo e eles não estão prontos. Quando nos ouvem falar, dão umas palmadinhas nas costas depois piram-se, apenas isso. Quando estão com outras pessoas dizem que a UNITA é que é responsável, a UNITA não vem ao nosso encontro, é mentira. A UNITA tem estado a fazer um esforço nesse sentido.

Recordo-me quando uma vez o Presidente da UNITA teve uma audiência com o Presidente da República, o Presidente da UNITA propôs que se fizesse também uma reconciliação económica.


F8 – O que quer dizer?

KN – É necessário que se faça porque a riqueza ficou reduzida num pequeno número de pessoas. Uma das respostas é que dentro do MPLA surgiram pessoas que também pretenderam ser empresárias, mas muitas delas não sabem gerir, os que sabem são poucos, etc. Mas o que nós queremos é que se forme um empresariado verdadeiramente angolano que esteja independente da política, que olhe para o desenvolvimento de Angola e que não seja perseguido só porque opta por esta ou aquela direcção, que não haja exclusividades, que tenha as mesmas oportunidades como os outros angolanos. É esta dimensão que em Angola não existe. Aqui, a lógica é: ou és por mim, ou contra mim. 


F8 – A UNITA já fez um trabalho de campo sobre isso? Por exemplo, uma Conferência para demonstrar que a UNITA está aberta a concorrência e a diversidade de ideias?

KN – Há muitas coisas que naturalmente são internas, mas há uma explicação que também é devida a opinião pública. A UNITA tem feito um grande esforço na comunidade internacional, junto de vários sectores sociais, económicos, culturais, etc., para reganhar novamente aquelas amizades que tivemos no passado, e buscar também uma sustentação aqui e acolá, mas infelizmente as respostas são as mesmas. Sentem medo deste governo, porque dizem que correm o risco de perder seus haveres se o MPLA souber que estão a apoiar a UNITA.


F8 – É aqui que se desenha a vitória antecipada do MPLA, conseguiu tetanizar a sociedade. O medo em si, faz mais de metade da campanha do MPLA. E isto parece ser muito mais perigoso do que a pressão bélica?

KN – Temos consciência disso; Mas, há um território que o MPLA não controla, que vamos explorar.


F8 – Qual é?

KN – Nós vamos surpreender, vamos manter em segredo, é uma carta na manga. O certo é que também o MPLA não controla tudo.


F8 – Em relação aos próximos tempos. Qual é a cara que a UNITA vai apresentar. O mandato do Presidente Samakuva vai terminar, o que será, novas candidaturas, aberturas, o que tem a dizer?

KN – Primeiro, para concluirmos, vamos entrar para esta etapa a seguir, com uma agenda especifica que chama a atenção ao MPLA, recordando que a linha que separa a vitória da derrota, é uma linha muito ténue, muitas vezes invisível e torna-se ainda mais ténue quando quem acha que tem a vitória do seu lado, esbanja a vitória que tem e não constrói, destrói as pontes todas.


F8 – Acredita no princípio que, ao retratar a queda das grandes ditaduras diz: não existe nem o impossível, nem o invencível!?

KN – Absolutamente. Isso é dialéctico. E é nessa direcção que tento colocar o meu raciocínio ou ponto de vista. Portanto, é uma linha muito ténue e o MPLA que não fique nesta, que tem tudo, que vai mandar, vai desfazer, etc.

Internamente para dizer que vamos engajar os processos internos com muita responsabilidade, não sob pressão de ninguém, mas sob pressão dos interesses do partido, não de um ou outro militante. Queremos fazer prevalecer os interesses do partido. Primeiro para dizer que o Presidente Samakuva é um activo do partido, o Abel é um activo do partido, o Numa é um activo, o José António é um activo, todos somos activos do partido e esses activos têm de ser aproveitados permanentemente.


F8 – Subentendido, quer dizer que não há correntes no seio da UNITA, nem chivukos, nem nada, o que há é a necessidade do respeito das normas que ditam o fundamental da política do partido?

KN – Absolutamente. Há normas que temos dentro do partido que têm de ser respeitadas, mas por outro lado há um debate permanente que se faz. Há uns que têm uma determinada aproximação na solução de um problema, há outros que têm diferente. Não significa que isso nos separe. Desde já, é sugéneris a forma como a UNITA ultrapassou as divisões em 2002. Poucos partidos terão esta capacidade um dia. A UNITA pelo menos demonstrou, apesar da pressão que o MPLA exerceu para melhor dividirmos internamente; apesar de toda esta máquina feroz de propaganda do MPLA, a UNITA resistiu e ainda estamos todos. Saíu pequenos grupos de pessoas. Inclusivamente o caso do Dr. Valentin que até no MPLA não tem espaço, porque se tivesse algum valor, o MPLA teria pegado nele e colocado numa embaixada ou dando-lhe uma missão como governador ou coisa parecida.


F8 – Depois desta entrevista poderão fazê-lo?

KN – Não acredito muito. 

 

F8 – Para além do Dr. Valentim, outros que seguiram o mesmo caminho, fizeram declarações bombásticas em público e esfumaram-se. Tem notícias deles?


KN – Não se pode ignorar que também o MPLA tem uma boa pressão intestina, eles são muitos e quando vêem pessoas a tomarem posições dentro do partido, isso cria fricções que podem rebentar por dentro a própria organização e claro, o MPLA tem de cuidar também este aspecto. Por isso mesmo, cuidem-se aqueles que pensam que, uma vez deslizando para o MPLA podem ver resolvidos seus problemas. O MPLA utiliza, logo depois descarta-se. Tivemos o caso aqui do Aparício que foi Secretário Provincial aqui da UNITA, um jovem que pouca gente conheceu, chegou a membro da Comissão Politica da UNITA, Elite da Direcção da UNITA, membro do Comité Permanente. Mas o individuo alucinou-se, não percebia o que é isso e desfez-se. Hoje está ali como candongueiro a conduzir um Táxi para ver se ganha o seu pão.

 

F8 – Já muito falamos, mas penso que há sempre muita coisa que ainda resta. Em função da situação vigente, na qualidade de responsável pela linha politica do partido, que mensagem teria para os militantes e para os angolanos em geral?


KN – Para os militantes da UNITA, para os seus membros e para os angolanos em geral, queremos dirigir a mensagem de que a UNITA é o avanço qualitativo do que foi a UPA. Nós representamos os mesmos interesses da UPA naquele tempo, mas de uma forma qualitativa. Porque a maior parte dos membros da UNITA tinha vindo da UPA  e remarcaram alguns erros que não deveríamos repetir, sobretudo o aspecto da unidade nacional. É por isso que a UNITA surgiu com a sigla de ‘União Nacional’. Queremos lançar para os militantes do nosso partido de que: temos uma missão e não devemos desmerecer a confiança que o povo angolano nos confiou. As querelas pessoais não sejam transformadas em problemas fundamentais da luta que temos pela frente. Transformemos a nossa união em força para aglutinarmos a vontade do povo angolano de prosseguirmos esta marcha para criarmos uma pátria inclusiva, onde: brancos, negros, mestiços, se sintam irmãos, para que cada olhar de uma criança seja um factor de mobilização e de carinho para este país que nós queremos construir. Palavra de ordem é que, aqui não há temor, não transformemos os nossos riscos em riscos do nosso partido. Porque o que está em causa é o risco do nosso partido amanhã desaparecer e assim morrer o desiderato de construirmos um país de todos.

 

Em relação aos militantes do MPLA, cremos bem que, há muitos angolanos sérios. O tecido que cobre os ossos desses nossos irmãos, é o mesmo tecido que cobre os nossos ossos. Somos feitos da mesma matéria e nós conhecemos muitas ânsias e as lutas que fazem, que já custaram milhares de mortos. Quando se fala do 27 de Maio, sabe-se pouco: há uns que falam de 30 mil mortos, outros de 80 mil, a verdade saber-se-á um dia. Mas acreditem que um MPLA mais democratizado, mais angolano, um MPLA mais tolerante, mais inclusivo, é o MPLA que nós queremos para o futuro.


F8 – Faz referência também a UT – União das Tendências que procura democratizar o MPLA por dentro?


KN – É esta luta toda. E nós estamos aqui para ajudar esses nossos irmãos para esta nobre missão de fazer do MPLA um grande partido e não este partido que tem um chefe que diz que manda tudo e todos. Queremos um MPLA mais irmão, um MPLA que olhe para o angolano como seu irmão. Porque este MPLA de hoje, na realidade prática pretere o angolano e faz do estrangeiro seu melhor companheiro. Vão buscar milhares de chineses, porque desses milhares de chineses, eles sabem que resultará um produto que estará do lado deles e discriminam seus irmãos. O que o MPLA está a fazer-nos aqui neste país, mesmo se hoje estivermos a viver bem, as gerações futuras pagarão muito caro. Olhem para o Haiti com muito cuidado. O Haiti já se chamou a Pérola do Atlântico, mas hoje um Sismo de magnitude 7, matou milhares de  pessoas. Contudo, não seria suficiente para fazer desaparecer um Estado, fazer desaparecer um Governo. Mas o MPLA está a levar-nos exactamente para aí, em todos os domínios.

 

F8 – Mas é esta vossa política nacionalista que cria temor na comunidade internacional. Por isso, embora os desmandos, eles focalizam-se no MPLA e no presidente dos Santos. Seu comentário?


KN – A luta Norte/ Sul, foi sempre levada com racismo. O branco nunca olhou para África com realismo, nunca olhou para os africanos como pessoas iguais, que merecem respeito. Não! O Ocidente olhou sempre para África como um terreno onde podiam tirar tudo e continuarem a manobrar. E tudo o que lhes facilita para que esta missão seja cumprida, eles apegar-se-ão nisso e darão todo o apoio mesmo que para isso tenham de sacrificar os povos. Por isso mesmo, os grandes males que temos vindo a sofrer, neste país, resultam exactamente disso. Quem fez os grandes males dos Grandes Lagos, é o próprio Ocidente. Os massacres que se perpetraram ali. Mas hoje, estão-se a julgar nos tribunais internacionais pequenas pessoas que foram usadas e que elas mesmas se podem considerar as vítimas desses processos. Aqui em Angola nós somos vítimas do Ocidente, nós somos vítimas dessas grandes potências que desde já exortamos que corrijam a sua visão para África. Pois, quando aparecem líderes que falem dessa maneira, são logo vistos como pessoas extraordinariamente diabólicas. Portanto, a comunidade internacional tem de olhar para Angola de forma diferente.


F8 – Quer dizer que, com outro Presidente, com outro Governo, há toda a possibilidade da Comunidade Internacional continuar a investir livremente!?


KN – Não importa quem estiver aqui a governar. MPLA, PRS, FNLA ou outro, os americanos vão sempre levar o petróleo, outras empresas estrangeiras virão sempre aqui. Ninguém pode fugir a esta realidade. O problema não tem a ver com os investimentos, tem a ver com a forma como os dividendos destes investimentos são repartidos a nível dos angolanos.


F8 – Quer dizer que, a alternância não é obstáculo?


KN – De forma alguma. E mais, em 1974, os ideários dos três movimentos de libertação diziam assim: “Ir a busca de técnicos estrangeiros para virem ajudar a reconstruir os nossos países. Mas ao lado de cada estrangeiro, tenhamos angolanos que aprendam com eles, para depois darem continuidade aos processos tecnológicos, científicos, etc.”.

 

F8 – Alias, é o fundamento da política chinesa, mas o mesmo não quer que se faça aqui!


KN – Absolutamente. É isso que nos interroga, onde é que deixamos isso? E hoje estamos a ver chineses pedreiros, carpinteiros, chineses a pintar passeios, estão a cavar o chão, mas é mesmo para isso que nós lutamos? Mas conhecendo a natureza principal do Estado actual sustentado pela Nação Crioula, entende-se porquê que estamos a viver assim.
 
 


F8 - Outra coisa. O FCP - Fórum de Concertação Politica. Isto surgiu num momento em que foram necessárias alianças. Isto tem vantagens, é simplesmente circunstancial ou vai perdurar? Outra questão, qual é o seu parecer sobre a inviabilização dos candidatos independentes à Presidência da República?

KN – Sobre o FCP, este género de instituições são muito importantes nas lutas democráticas e sobretudo para a UNITA que tem essa essência de unirmos para prosseguirmos. Surgiu no momento constituinte e achamos que cumpriu com o seu papel e vamos continuar a explorar até onde este Fórum pode ir, sobretudo nas lutas que vamos encetar nos próximos tempos de mobilização das pessoas em continuarmos a reivindicar pelos nossos direitos na defesa dos interesses do povo angolano.  


F8 - Considera salutar?

KN – Sem dúvida. Temos estado juntos nas reuniões, rimos, conversamos, tomamos decisões por unanimidade, mas cada um conserva a sua linha de orientação politica, ideológica. Cada um é soberano, se quiser ficar muito bem, senão sai, e é assim que temos estado a trabalhar. E vamos continuar a trabalhar nesta dimensão. E neste Fórum, não temos o problema se um é maior que o outro. A exemplo do BD – Bloco Democrático que tem estado a criar sua instalação agora, também tem o mesmo poder decisório, o mesmo protagonismo e trabalhamos assim. Acho eu que é muito importante para a política angolana, o surgimento desses fóruns, mas desde que se faça com muita seriedade.


Sobre a decisão inscrita na Constituição contra os candidatos independentes, perguntamo-nos afinal quem é angolano. Porque é que se tiram direitos a outros angolanos não filiados aos partidos? Isto é discriminação e uma Constituição que discrimina o próprio povo, esta Constituição está mutilada e ela retira os poderes aos verdadeiros detentores do poder. Não tem só direito a pessoa que está no MPLA, na FNLA, ou noutros partidos. Portanto, aqui está-se a tirar um direito inalienável dos cidadãos de poderem ser eleitos e elegerem. Esse é um direito que devia estar consagrado na Constituição.