Luanda - O que é que cada um de nós pode fazer para que a nossa Cultura seja assumida em pleno e por todos os povos de Angola, sem tabus? É um assunto que me tem preocupado bastante nestes últimos anos, principalmente, depois de ter visitado alguns países africanos com realidades diferentes.

Fonte: Club-k.net

A título de exemplo, considerando alguns dos variadíssimos aspectos das culturas dos differentes povos, pelos países por onde andei, as pessoas falavam à vontade as suas línguas; usavam os seus nomes africanos sem vergonha; comiam as suas comidas com muito gosto; vestiam-se das suas vestes com elegância e muito orgulho.


Como africano, senti-me satisfeito em constatar e vivenciar aquela vida africana. – Afinal havia povos que viviam a sua cultura sem preconceitos. Eu dizia de mim para mim: Povo feliz! Foram colonizados, mas continuam a manter a sua identidade cultural firme e sólida. Só mesmo isto é uma grande vitória. – Os povos do mundo são identificados pelas suas culturas.


A cultura nesses países é uma forma de vida. Eu até acho que eles não têm estatuido o dia nacional da Cultura como muitos outros países. Para eles, a cultura é o dia-a-dia. A cultura é vivida com muita naturalidade por todos: jornalistas, governantes, militares, polícias, professores, médicos, enfermeiros, cidadão comum, etc, etc.. Eles conseguiram preservar os valores africanos e continuam a passá-los de geração para geração. Neste campo, os pais das independências destes países fizeram um trabalho excelente, tendo desempenhado um papel crucial no resgate dos valores africanos. O que ficou por fazer e o que foi mal feito, com o tempo e com um pouco mais de trabalho e escolarização, pode ser feito e melhorado, e assim as coisas podem funcionar.


Mesmo hoje, ainda constatamos em alguns países africanos problemas de guerras entre irmãos. Estas guerras vão acabar, e quando isso acontecer, eles vão unir-se e trabalhar em conjunto para oferecerem melhores condições de vida aos seus compatriotas. Eles têm tudo para dar certo. – Têm os Homens e as mulheres com uma identidade cultural muito forte. – Não foram grandemente alienados pelos colonizadores.


O que também me admira nestes povos é que eles assumem a sua identidade africana em qualquer parte do mundo onde estiverem. Portanto, pode-se dizer que eles são africanos com muito orgulho; não procuram “ europeizar-se” ou “americanizar-se” ou, pior ainda, “abrasileirizar-se”. Infelizmente, isto não acontece tanto com os angolanos. Nós, angolanos, queremos parecer ser europeus a todo o custo; queremos parecer ser brasileiros de qualquer maneira. Só que, do europeu ou do brasileiro, aproveitamos apenas as futilidades. Por exemplo, se um angolano viajar para o Brasil, por 1 ou 2 anos, no seu regresso, já tem o sotaque baiano. – Que vergonha! Mas o brasileiro que vive em Angola há 10 ou 20 anos, continua a manter o seu sotaque natural, os seus hábitos e costumes.

O brasileiro orgulha-se da sua identidade cultural; não aceita ser dominado por culturas alheias. Já os angolanos, imitam tudo que é de fora: desde a forma de vestir-se, de falar, de fazer a pose para a foto etc.. E acham que quem não for como eles, está fora de moda. O mau nisto tudo é a tendência de querermos negar a nossa própria identidade cultural. Por exemplo, na edição do Carnaval de 2017, as diferentes províncias de Angola enviaram os seus representantes para Luanda, em que os grupos de Cabinda e das Lundas se destacaram em relação aos outros. O Júri foi feliz porque colocou nos primeiros lugares esses dois grupos. Na minha opinião, o pior de todos foi o Grupo da minha terra, Benguela. Os benguelenses fazem parte do maior grupo étnico-linguístico de Angola, os Ovimbundus. – Como é que trazem para a maior festa cultural angolana Canções em português?!! Para quê? Eles não sabem que, no fundo, no fundo, o português não é rigorosamente língua materna dos vários povos de Angola? O português é uma língua colonial e foi adoptada para facilitar a comunicação institucional. Mas isto não pode servir de motivo para matar as línguas locais. Por esta razão, fiquei muito triste com o representante da minha província. Já os Ibindas e os Tchokwes em nenhum momento do Carnaval cantaram em português. E digo mais, mesmo entre eles se comunicavam nas suas línguas. As suas canções foram todas cantadas em Tchokwe e em Ibinda. Foi por isso que foram merecidamente bem classificados. Eles são povos que aceitam e vivem as suas culturas sem preconceitos.


Felizmente, em matéria de preservação da nossa identidade cultural, podemos seguir muitos bons exemplos. – No meu Bairro, Hoji ya Henda, os “Senés” (Senegalenses) e os “langas” (Congoleses), sem nenhuma pressão dos seus governos, preservam as suas culturas de forma muito natural. Os filhos deles que nascem em Angola, todos eles têm nomes africanos; vestem-se conforme a sua cultura; falam a língua materna, mesmo sem conhecerem o país de origem. Os filhos deles foram educados e aceitam a educação dos seus pais. Eles estudam e são amigos dos nossos filhos, mas não se deixam corromper pelos comportamentos e costumes europeus dos angolanos.


Se eles conseguem educar os seus filhos; se eles conseguem ter uma identidade cultural própria; se eles conseguem passar a sua cultura de geração para geração; nós também podemos! Mas só vamos conseguir, se cada um individualmente fizer a sua parte, uma vez que: a nossa força está na nossa Tradição e Cultura.


Bom Carnaval para todos!
Luanda, 15 de Fevereiro de 2021.
Gerson Prata