Lisboa - Uma vez mais Angola atravessa há largos meses um período de vertigem. Os recentes acontecimentos em Cafunfo na província da Lunda-Norte não são senão uma metáfora do que há anos se passa no país. A violência física tragicamente exterminadora é longa. Apontando apenas os casos mais mediáticos, desde o 27 de maio de 1977 até ao Monte Sumi no Huambo em 2015 e passando pela ‘sexta-feira sangrenta’, de 23 de janeiro de 1993, cujo alvo foram os bakongos em Luanda, a violência verbal não lhe fica atrás e serve de aviso aos cidadãos.

Fonte: Expresso

“A polícia não está no terreno para servir rebuçados, nem para dar chocolates”, dizia o ministro angolano do Interior a 3 de abril 2020. Na sequência de Cafunfo, o comandante-geral da Polícia Nacional de Angola, alegremente afirmou: “Você está a atacar o Estado angolano com faca, ele responde-te com pistola, (...) se você estiver a atacar com bazuca, ele responde com míssil, seja terra a terra, terra-mar ou ainda que for um intercontinental, vai dar a volta depois vai atacar.”

É claro que esta última boutade humilhou completamente o líder norte-coreano Kim Jong-un que se vê e deseja para construir um míssil que vá apenas até aos Estados Unidos... A miragem de que a repressão e a intolerância podem ser a solução para os problemas políticos e sociais no país é contraproducente e perigosa. Mas outra metáfora, esta económica, emergiu no mês passado.

O ministro dos Recursos Naturais, Petróleo e Gás veio dizer que Angola não vai prescindir dos recursos minerais cuja prevalência há em áreas protegidas, referindo-se à bacia de Estosha/Okavango (Área Regional de Proteção Biológica). A Agência Nacional de Petróleo e Gás diz que é ‘inteligente’ pois “enquanto o petróleo ainda tiver valor comercial, devemos transformá-lo em riqueza.

Daqui a uns anos o petróleo deixará de ter valor”. E, acrescenta-se, a Lei de Proteção às Áreas de Conservação Ambiental será “revista para a inclusão de uma norma excecional para a permissão de exploração de petróleo e gás” (“Correio Angolense”, 13/2/2021).

Esperteza saloia à custa do ambiente. Mas este é o sinal mais evidente da metáfora do desenvolvimento do país: petróleo, mais petróleo e ainda petróleo, que sempre é mais fácil e mais rentável do que apostar a longo prazo na agricultura e na indústria. Estes mais não são do que uma miragem económica. Com seis anos seguidos de recessão económica, isto tem tudo para dar mal e acabar pior. Resta o consolo do prémio franco-alemão dos Direitos Humanos e do Estado de Direito atribuído ao caricaturista Sérgio Piçarra em dezembro último...