Luanda - Organizações não-governamentais alertaram hoje para o agravar da seca e da fome no sul de Angola, devido à falta de chuvas, que está a afetar a população, culturas agrícolas e gado.

Fonte: Lusa

A "prolongada estiagem" no sul de Angola, disseram, resulta da falta de chuvas na maior parte das localidades, onde os habitantes veem comprometida a agricultura de subsistência a que se dedicam, com consequente "agravar da fome".

"Já não é só nos Gambos, província da Huíla, praticamente toda a região sul está afetada. Umas regiões mais e outras menos, mas aqui onde estamos [Gambos, um dos municípios mais afetados] a última grande chuva foi em 25 de dezembro de 2020, desde ali nunca mais tivemos chuva a sério", afirmou hoje o padre Pio Wakussanga, em declarações à Lusa.

Segundo o sacerdote católico e pároco da paróquia de Nossa Senhora de Fátima do Chiange, sede municipal dos Gambos, a falta de chuvas e a consequente seca também se regista em várias localidades da província do Cunene, manifestando, por isso, "preocupação".

A transumância (processo de busca de pasto e água) do gado bovino e caprino na região dos Gambos tem sido a alternativa de muitos pastores para garantir a sobrevivência dos seus rebanhos, que encontram nos ramos de árvores uma alternativa de pasto à falta de capim.

"Muitos pastores estão a escavar poços ocasionais, para poder abeberar o seu gado, a situação está muito complicada e a maior parte das famílias já está sem alimentos", sublinhou o padre Pio, defensor dos direitos humanos no sul de Angola.

O também pároco da paróquia de Santo António dos Gambos e responsável da ONG Construindo Comunidades recordou que tem defendido, desde 2012, a criação e distribuição de uma cesta básica para aquela região, afirmando que "hoje, muitas famílias estão a desfalecer".

"A fome aperta. Desde 2012 que temos estado a insistir junto dos governantes para que se institucionalize uma cesta básica para esta região, mas infelizmente até ao momento os Gambos nem sequer são contemplados no programa Kwenda", frisou.

O Kwenda é um programa do Governo angolano, tutelado pelo Ministério da Ação Social, Família e Promoção da Mulher, que visa assistir financeiramente as famílias mais vulneráveis no país com um apoio mensal de 8.500 kwanzas por agregado (11 euros).

Para o também vencedor do prémio "Defensor de Direitos Humanos 2018", atribuído por uma organização sul-africana, o valor do Kwenda, "embora irrisório, acabaria por ajudar um bocadinho as famílias pobres da região e nem sequer estão contempladas".

"Todos os dias recebemos mamãs famintas com crianças às costas nas nossas missões, todos os dias recebemos solicitações de famílias que estão quase a desfalecer, então, a situação está mal e precisa-se de ajuda humanitária urgente", exortou o sacerdote.

A situação da seca e carência de água, por falta de chuvas, também se verifica em várias localidades do município do Virei, província do Namibe, sul de Angola, de acordo com Sílvia Santos, da Fundação Fé e Cooperação (FEC), que trabalha na região.

Segundo a gestora do projeto "Ekevelo", da FEC em parceria com a Cáritas de Angola, financiado pela União Europeia, no âmbito do programa FRESAN (Fortalecimento da Resiliência e da Segurança Alimentar e Nutricional em Angola) e gerido pelo instituto Camões, as populações do Virei estão com "muitas dificuldades".

"Estamos a trabalhar em quatro comunidades do município do Virei, este ano ainda não choveu, as pessoas realmente não estão a passar muito bem, porque com esta ausência de chuvas a situação é preocupante", disse hoje, em entrevista à Lusa.

Sílvia Santos deu conta que a falta de chuvas é extensiva ao planalto central (província angolana do Huambo), e Huíla, fontes de alimentação de água dos rios que desaguam no Virei, no Namibe.

"Como não está a chover a montante, as dificuldades também são emergentes", contou, apontando trabalhos em curso visando a abertura de furos de água e reabilitação de outros, até março, para "tentar colmatar o efeito da falta de água de chuva".

O objetivo é tentar "dinamizar alguns campos de cultivos comunitários com técnicas agrícolas mais resilientes, face à seca, para tentar também incentivar a comunidade local a uma prática agrícola mais adaptada e, com isso, garantir melhor nível de segurança alimentar", apontou.

A responsável da FEC realçou que a transumância é igualmente um exercício diário de pastores, que percorrem longas distâncias em busca do melhor pasto, lamentando a débil agricultura por falta de chuvas.

"O cenário não é muito animador e estamos a trabalhar no sentido de poder ajudar a colmatar também esses efeitos", em colaboração com a administração municipal que tem planeada a abertura de alguns furos de água, rematou.

A estiagem regista-se ainda no município do Bocoio, província angolana de Benguela, que, no passado fim de semana promoveu um debate, sob os auspícios da Igreja Católica, para encontrar soluções para o problema.