Luanda - O Grupo de Trabalho de Monitoria dos Direitos Humanos, enquanto plataforma angolana de Organizações da Sociedade Civil comprometidas com a promoção, protecção e monitoria dos Direitos Humanos, manifesta a sua inquestionável indignação, em razão das recorrentes violações dos direitos humanos, com realce para o direito à vida e a violação sistemática dos direitos económicos e sociais.

Fonte: GTMDH

As razões motivacionais desta indubitável indignação estão relacionadas com a evidência dos seguintes factos que ocorrem no país:


1º. Desde o ano de 2014, o país regista uma crise económica provocada pelo baixo preço do barril do petróleo, o que que provocou uma receção económica sem precedência. Este facto foi agravado com o desvio de fundos, perpetrado por altos funcionários públicos que, no exercício das suas funções, optaram por lapidar o erário público para benefício próprio e dos seus familiares.


Esta acção indecorosa dos dirigentes angolanos fez com que muitas famílias angolanas vivessem abaixo da linha da pobreza, aliada com o agravamento das condições socioeconómicas relacionadas, por exemplo, com a escassez de água, energia elétrica, emprego, elevado número de crianças fora do sistema de ensino, falta de medicamento, luvas e seringas nos hospitais públicos, vias de acesso degradadas e ausência de investimentos concretos para o fomento da agricultura familiar ou de subsistência, entre outros constrangimentos.


Com o surgimento da Covid-19 o executivo liderado pelo Presidente João Lourenço, viu-se incapaz de dar respostas concretas com vista a satisfação das necessidades dos cidadãos. Daí surge a célebre regra “FIQUE EM CASA” mesmo sem ter o que comer e o que beber. Esta ordem provocou um ambiente de terror entre os cidadãos e as forças da ordem e segurança, razão pelo qual registaram-se várias mortes com realce para o médico Sílvio Dalas e o jovem João, apenas para citar alguns.

Em razão disso, surgem as manifestações. Quando o povo, inconformado com as dificuldades vivenciadas, exerce o seu direito de manifestação pacífica, conforme acautela o artigo 47º da Constituição da República, os órgãos de defesa e segurança agem com repressão, violando claramente o direito à vida e à dignidade da pessoa humana, acauteladas nos artigos 1º, 2º, 3º nº 1, 30º, 31º, 33º, 59º, 60º e 64º ambos da mesma norma magna.

2º. No caso concreto da vila de Cafunfo, muitos concidadãos foram mortos. Para além disso, denotam-se, concomitantemente, medidas repressivas consubstanciadas na intimidação, perseguição e detenções, tudo, por excesso de zelo, protagonizado pelos órgãos de defesa e segurança. Denota-se igualmente uma desproporção entre os meios pacíficos usados pelos manifestantes e os meios contundentes usados pela polícia nacional que, neste caso em concreto, utilizou armas de fogo com balas reais. Entretanto, não obstante as ilicitudes supra-referenciadas, cometidas pelos órgãos afins, visualiza-se a inobservância da responsabilização civil e criminal dos seus autores.


Outrossim, vale aqui salientar que os actos desumanos vivenciados na vila do Cafunfo, resultaram de um confronto entre as forças da ordem e segurança e os cidadãos, em resposta à manifestação pacífica convocada para reivindicar a melhoria das condições de vida dos munícipes daquela localidade.


Na realidade, outra atitude não se podia esperar porque a exploração dos diamantes naquela região contribui significativamente nas receitas do Estado, mas, paradoxalmente, não se observa o desenvolvimento econômico e social almejado naquela região de Angola.

3º. Denota-se, também, e de forma clarividente, que há impedimento no acesso à vila do Cafunfo, ou seja, ninguém pode entrar e ninguém pode sair, parecendo tratar-se de uma reclusão comunitária. As razões motivacionais dessa restrição demonstram, claramente, a intenção de acobertar a realidades dos factos.


Este procedimento dos órgãos de defesa e segurança belisca, indubitavelmente, o imperativo constitucional consagrado no artigo 46º, por haver impedimento do acesso à Cafunfo, o que nos leva a presumir que algumas informações veiculadas pelos órgãos públicos de comunicação social estão eivadas de inverdades, uma vez que, não foi observado o princípio do contraditório.

4º. O tratamento humilhante proporcionado aos activistas, deputados e aos outros defensores oficiosos que se deslocaram à Cafunfo para se inteirarem da ocorrência, viola grosseiramente os Direitos Humanos à luz da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos. Viola igualmente as normas de direito positivo angolano, ligadas à livre circulação de pessoas e bens, incluindo as demais normas que legitimam a cooperação com entidades independentes na investigação de matéria desta natureza

5º. 30 dias depois dos incidentes o Senhor Presidente da República, enquanto Chefe do Executivo, pronuncio-se sobre as ocorrencias em Cafunfo, o silêncio do Presidente da República, deixou as famílias em total desconforto e aumentou o mistério da ocorrência e a desconfiança no seio dos activistas e dos cidadãos que, naquela parcela, exigem os seus direitos legítimos.

Nesta conformidade, o Grupo de Trabalho de Monitoria dos Direitos Humanos em Angola, inconformado com à atitude de inconstitucionalidade material protagonizada pelos órgãos de defesa e segurança, recomenda ao executivo angolano o seguinte:
a) Que ataquem as causas do descontentamento da população e não os efeitos, porque é o descontentamento que faz surgir as manifestações e não as manifestações que fazem surgir o descontentamento.

b) Que delibere a livre circulação de pessoas e bens na vila de Cafunfo, conforme consagra o artigo 46º da Constituição da República, para permitir que os cidadãos possam entrar e sair, sem quaisquer impedimentos.

c) Que sejam constituídas comissões “ad-hocs” de inquérito, algumas das quais lideradas pela sociedade civil angolana, para que, de forma transparente, inclusiva e imparcial, possam fazer os diagnósticos ou as investigações que se impõem, com vista a apurar a matéria probatória dos factos ocorridos na vila do Cafunfo, enquanto pressupostos para a responsabilização civil e criminal dos seus autores.

d) Que o executivo, através dos órgãos de defesa e segurança, age em obediência ao primado da Constituição e da Lei, evitando procedimentos violentos como estes, já que tais atitudes beliscam a consolidação da paz, da reconciliação, da unidade nacional e da solidariedade entre os angolanos.


Grupo de Trabalho de Monitoria dos Direitos humanos em Angola, aos 03 de Março de 2021.

LUANDA