Luanda - O ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, afirmou que, por volta de Setembro de 2022, termina o mandato do Chefe de Estado e que manda a Constituição que as eleições se realizem até 30 dias antes do fim de mandato. Portanto, acrescentou, até 25, 26 de Agosto, têm de ser feitas as eleições. 

Fonte: JA
Na segunda e última parte da entrevista à Televisão Pública de Angola (conduzida por Manuel da Silva), Adão de Almeida realça que, no conteúdo da proposta de Revisão da Constituição, “não vemos qualquer incidência sobre esse tema, um elemento que podia ser esperado por alguns, considerando um pouco o que é a experiência de alguns países. Provavelmente, algumas pessoas esperavam, com uma revisão desta natureza, que se pretendessem dois objectivos: estender mandatos e aumentar poderes. O Presidente da República não fez uma, nem outra coisa”.

Que critérios vão orientar a participação das pessoas no processo de revisão constitucional e até onde pode ir esta contribuição?
Como disse, é um tema muito parlamentar. Como o processo vai ser gerido do ponto de vista do debate parlamentar, a parte do poder Executivo do Presidente da República é o exercício da iniciativa legislativa e a apresentação de uma proposta à Assembleia Nacional. Cabe ao Parlamento receber ou não esta iniciativa. A primeira apreciação da proposta no Parlamento tem de ser votada com dois terços dos deputados.

Se olharmos para a actual composição da Assembleia Nacional, não tem como não passar a proposta…
Em teoria, sim! Essa primeira votação permite abrir o processo para a revisão constitucional. No fundo, vamos estar perante uma opção sobre duas: Ou estamos disponíveis para fazer uma revisão da Constituição e admitimos a proposta, para que se abra o processo, e então vota favoravelmente; ou vota contra e, com esta posição, estamos a dizer que não queremos fazer a revisão da Constituição e queremos que esta continue como está. Esta é a mensagem inicial do processo, após um debate sobre o conteúdo da proposta.

Fazer uma revisão, ainda que parcial, da Constituição, 17 meses antes das eleições gerais, é avisado?
Não há aqui nenhuma relação. Sei que já se tentou fazer análises que levavam a conclusões de que o objectivo é não haver eleições em 2022. Não encontro nexo entre uma e outra, nem elemento capaz de retirar tempestividade da iniciativa.

Não se vislumbra, nesta proposta de revisão da Constituição, qualquer circunstância que possa por em causa as eleições?
O Presidente da República tomou posse no dia 26 de Setembro de 2017. Quer dizer que, por volta de Setembro de 2022, termina o mandato e manda a Constituição que as eleições se realizem até 30 dias antes do fim de mandato. Portanto, até 25, 26 de Agosto, têm de ser feitas as eleições. Aliás, no conteúdo da proposta (de Revisão da Constituição), não vemos qualquer incidência sobre esse tema, um elemento que podia ser esperado por alguns, considerando um pouco o que é a experiência de alguns países. Provavelmente, algumas pessoas esperavam, com uma revisão desta natureza, que se pretendessem dois objectivos: estender mandatos e aumentar poderes. O Presidente da República não fez uma, nem outra coisa.

Portanto, não deve haver receios, neste particular?
Pelo contrário. A Constituição vigente, por força de um mecanismo chamado "Alta Demissão Política”, permite que um Presidente da Republica em funções se demita, no seu segundo mandato, para provocar eleições antecipadas, para concorrer a um terceiro mandato. Nessa revisão, o Senhor Presidente da República está a dizer que, se um Presidente da República se auto-demite, no quadro da Auto Demissão Política, havendo uma crise institucional no relacionamento com o Parlamento, acciona o artigo 126 da Constituição, ele se torna inelegível. Não pode concorrer a um terceiro mandato. Em vários domínios do poder, onde havia mais discricionariedade do Presidente da República está a ser feita clarificação, no sentido de diminuir a margem de discricionariedade. Portanto, não há nem reforço de competências do Presidente da República, nem possibilidade de extensão de mandato. Pelo contrário, foi eliminanda a única hipótese que, na Constituição, podia dar artifício político para conseguir um terceiro mandato.

Todo esse processo, até ao anúncio do projecto de revisão constitucional, feito pelo Presidente da República, decorreu sob algum secretismo, para a maior parte dos actores políticos, incluindo do partido maioritário. O que justifica a opção por esta estratégia?
Não sei se isso é assim tão relevante. Fazer um anúncio, sem ter uma proposta concreta, isso, sim, levanta suspeições sobre o que se quer. Não foi isso o que foi feito. O Presidente da República fez o anúncio. Na mesma sessão do Conselho de Ministros, foi feita a apreciação da proposta, houve debate sobre vários aspectos e, no mesmo dia, no início da tarde, a proposta entrou na Assembleia Nacional. A partir daí, está disponível para que todos saibamos do conteúdo. No dia do anúncio, todos nós tivemos acesso à proposta, porque até foi feita uma apresentação pública sobre as suas linhas de força. Isso retira espaço para especulação, salvo quando ela é precipitada e feita sem o conhecimento da proposta. Mas isso é outro tema. Desse ponto de vista, acho o que foi feito garante mais confiança ao processo. O que o Presidente da República fez foi manifestar o desejo de rever a Constituição; apresentou as suas propostas e apresentou-as à sociedade, para discussão.

Caem, então, por terra alusões de que a Constituição terá sido "produzida” para conferir excesso de poderes ao Presidente da República?
O que acho muito pertinente é que esse tema dos excessos de poderes é mais um chavão político do que uma realidade constitucional. E para que esta minha afirmação não seja também um "chavão”, devo transformá-la em realidade constitucional. Há dois aspectos que devem ser considerados, quando se discute esse assunto. Com frequência, este chavão de excesso de poderes não é acompanhado com justificação constitucional. Temos que ter critérios, quando discutimos esse assunto. Quando é que dizemos que há excessos de poderes no quadro de uma Constituição. Todos os aspectos têm que ser considerados. A Constituição tem artigos que falam sobre as competências do Presidente da República. Ao Chefe de Estado, cabe convocar eleições, dirigir mensagens à Assembleia Nacional, nomear ministros de Estado, nomear ministros, nomear juízes dos tribunais superiores, nomear o governador do BNA, nomear governadores provinciais, convocar referendos, declarar estados de Sítio e de Emergência e um pouco mais. Não há aqui excessos de competências. Como Titular do Poder Executivo, cabe-lhe definir o modelo de orientação política do país, dirigir a política geral do Governo e da Administração Pública, definir a orgânica do Governo, solicitar ao Parlamento autorização legislativa, dirigir e convocar reunião do Conselho da República. Esse debate deve, por isso, ser acompanhado, não de chavões, mas de indicação concreta. Outro aspecto também importante, considerado algumas vezes como indício de excesso de poder, é da intervenção do Presidente da República na nomeação dos juízes nos tribunais superiores.

Com as alterações propostas, podemos considerar que há um recuo na visão inicial, em relação ao papel da Assembleia Nacional na fiscalização do Executivo?
Essencialmente, há um objectivo que é evitar zonas cinzentas e dúvidas sobre esta matéria. Temos, no nosso sistema constitucional, no quadro da separação de poderes, o papel do Parlamento, que é de produção legislativa, mas responsabilidade de representação e de fiscalização da acção governativa. Essa relação existe e o que se pretende agora é introduzir na Constituição mecanismos e instrumentos que clarificam o papel e intervenção do Parlamento que normalizam esta relação. É um avanço institucional. São temas que constam do regimento da Assembleia Nacional. Era mais um campo onde havia dúvidas sobre o Regimento Interno, Constituição e Acórdão do Tribunal Constitucional. Esses três instrumentos e o casamento entre eles introduziam zonas cinzentas e interpretações díspares sobre a fiscalização política. O que se está a fazer agora é "vamos assumir esta matéria na Constituição e, havendo assumpção constitucional, eliminam-se as dúvidas e equívocos sobre isso”. Aprovada esta Constituição, nos termos em que ela está proposta, fica claro que há interpelações, audições, inquéritos parlamentares e que há outras matérias previstas nessa revisão e, portanto, melhora o relacionamento institucional e elimina um irritante que há no funcionamento do sistema político.

Sou tentado a analisar a questão numa outra perspectiva. Se calhar, os deputados gostariam de ter capacidade de responsabilizar os membros do Executivo por algum incumprimento ou práticas lesivas aos interesses do Estado …
Também acho que é importante clarificar este tema no sentido da Constituição. Fizemos uma opção, em 2010, no momento constituinte, para uma matriz presidencial. Eliminámos a visão que se trazia de 1992, que era equívoca sobre a modalidade e sobre o sistema de Governo: tínhamos um Presidente da República, um Governo e um Primeiro-Ministro, bem como uma chamada dupla responsabilidade política do Governo, perante o Presidente da República e o Parlamento. Naquele contexto, pela natureza do sistema, uma das consequências que poderia dar lugar na relação do Governo com o Presidente e o Parlamento, é que ambos podiam destituir o Governo. O Presidente da República podia destituir o Governo, porque este era politicamente responsável perante o Presidente da República e o Parlamento podia destituir o Governo, porque este era politicamente responsável perante o Parlamento. O tema da responsabilidade política é diferente da fiscalização política. Fiscalizar não significa que exista responsabilidade. Regra geral, os sistemas de matriz Presidencial são de irresponsabilidade política.

Em 2010, fizemos a mudança de sistema de Governo, uma solução de uma base presidencial e, por consequência lógica do sistema, eliminação das disposições sobre responsabilidade política. Provavelmente, existe aqui um resquício dum modelo de relacionamento proveniente de 1992 e, às vezes, há um pouco essa tendência. Há dois órgãos constitucionais no actual modelo, onde o Parlamento não é responsável politicamente perante o Presidente da República e este não pode dissolver o Parlamento, o que, à luz da constituição de 1992, era possível. Hoje, não existe essa competência, por um lado, e, no sentido inverso, a mesma coisa. O Presidente da República não é responsável perante o Parlamento e este não pode destituir o Presidente da República. Pode fiscalizar, mas não pode responsabilizar politicamente, através do chamado último rácio da responsabilidade política que é a destituição do poder executivo. Temos que estar claros na compreensão do sistema e evitar equívocos na aplicação da Constituição. O poder Executivo deve ser fiscalizado e prestar contas da sua actuação no OGE, principal instrumento da acção governativa. Vários são os mecanismos, mas num quadro de separação de poderes, inter-influênciam recíproca, de irresponsabilidade mútua entre os órgãos.

Que efeitos terão os resultados das interpelações das CPI?
Imaginemos, por exemplo, que há uma situação de crise grave no domínio das estradas e o Parlamento entende que é necessário saber o que se passa sobre o plano que está a ser executado, orçamento, etc. O Parlamento pressiona e isso faz parte da fiscalização. O que não é igual é chamar o ministro para dizer que está reprovado e demitido. Isso é típico de um sistema de responsabilidade política do Governo perante o Parlamento, que não é o nosso sistema, nem, regra geral, no caso de sistema de matriz Presidencial.

Vai ser possível conter, de alguma forma, a vontade dos deputados quererem fiscalizar a actividade do Executivo?
Os deputados têm que ter os instrumentos legais e constitucionais para o exercício da sua tarefa. O ideal é que tenhamos um sistema que funcione na plenitude e cada um dos órgãos exerça as suas competências. O ideal é que os deputados fiscalizem o exercício da acção governativa. É fundamental que a Constituição coloque à disposição dos deputados os instrumentos necessários para uma correcta e eficiente fiscalização. Uma Constituição tem de ser capaz de garantir a estabilidade no funcionamento do sistema político e condições para a eficiência governativa. E esta última depende muito do papel fiscalizador do Parlamento. Quem está no poder Executivo não deve ter receio do exercício da fiscalização. Pelo contrário, deve encará-la como um momento normal do funcionamento do sistema que garanta a eficiência governativa.

Debate parlamentar vai decidir sobre o modelo de institucionalização das autarquias

O grande "pecado” das autarquias era, para alguns, o gradualismo. Pode-se até ficar com a ideia de que o gradualismo foi introduzido de forma provocadora...
Não sei quem foi o pecador (risos). Mas, para lhe responder, faço um brevíssimo apontamento histórico: Quando se discutiu a Constituição de 2010, o processo teve uma base que eram cinco propostas. Tínhamos, na altura, cinco formações políticas no Parlamento. As cinco propostas de base foram transformadas em três, conhecidas como o projecto "A", "B" e "C". Dessas três, duas tinham o gradualismo, a proposta da UNITA e do MPLA. As outras não tinham, ou seja, os "pais” do gradualismo, na Constituição, são dois. A formulação que constou da Constituição é a que constava do projecto do MPLA. Mas, materialmente, eram coincidentes. Em 2010, havia consenso sobre esta matéria. Aliás foi matéria votada por consenso, não houve um voto contra nesse artigo. Na altura, havia a convicção de que o processo da institucionalização das autarquias devia ser de modo faseado. Por isso, está lá. Houve evolução, ideias, o que é normal em política. O que aconteceu, 7,8,10 anos depois, foi que houve uma alteração e alguém, que tinha votado favoravelmente no gradualismo nessa compreensão, assumiu uma visão e compreensão diferente, o que é normal em política. Esse debate, por força dessa vinculação na Constituição, a partir do momento em que é introduzida uma divergência sobre isso, começa por ser previamente um debate sobre o sentido e o alcance da Constituição.

A discussão da Lei sobre a Instituição das Autarquias Locais começou e parou. Na especialidade, foi convencionado que é melhor parar, para arrefecer um pouco os ânimos, consultar as direcções políticas, porque o tema inicial decisivo é saber como interpretamos a Constituição sobre o gradualismo. Significa que, se o que está na Constituição condiciona o debate, vamos ter interpretações diferentes. E se quisermos ganhar margens de discussão e até de negociação política, como, de resto, convém que aconteça numa matéria como essa, se queremos isso, é fundamental que tiremos a Constituição da equação. Nos termos em que está a Constituição, é difícil fazer uma opção de implementação generalizada e simultânea das autarquias, sem que a redacção seja atacada do ponto de vista de conformidade constitucional. Tirando a Constituição da equação, estamos a dizer que há espaço aberto para discutir. A opção constitucional que fizemos na altura, de modo consensual, foi ultrapassada pela dinâmica. Vamos discutir a matéria de modo aberto, sem preconceitos constitucionais no Parlamento. É no Parlamento que se vai definir sobre o modo de institucionalização das autarquias. É o debate parlamentar que vai construir pontes, definir critérios e tomar uma decisão final sobre o modelo de institucionalização das autarquias locais.

Até à realização das próximas eleições gerais, ao abrigo da presente Constituição, compete ao Presidente da República nomear o Vice-Presidente. É claramente um ponto que não vai continuar?
Em 2010, foi criada a figura de Vice-Presidente da República, mas as eleições subsequentes só seriam em 2012. Era necessário, de 2010 a 2012, criar condições para haver um Vice-Presidente. No quadro, a opção foi que o PR em funções designava o Vice-Presidente até 2012, altura em que houve eleições. E assim foi eleito um Vice-Presidente.

O Presidente da República vai continuar a nomear os juízes dos tribunais superiores?
O importante, neste ponto, é vermos qual é o grau de influência que um órgão constitucional tem sobre outro órgão constitucional. Estamos a falar do poder judicial, a dizer que o Presidente da República, que é um órgão político, Chefe de Estado, Titular do Poder Executivo, nomeia juízes para os outros tribunais. E aqui entra, outra vez, o tema do excesso de poderes do Presidente da República. É tradicional, em qualquer sistema democrático, que juízes de tribunais superiores sejam nomeados pelo Chefe de Estado. Haverá, eventualmente, excepções, mas muito residuais. É tradicional. No nosso caso específico, o tema não será tanto o poder de nomeação, mas o percurso que se percorre até à nomeação. No caso de Angola, para compreendermos se há excessos ou não, temos que perceber o percurso. Se olharmos só a ponta do "Iceberg”, que é a decisão final, pode haver essa interpretação. O Tribunal Constitucional tem 11 juízes, quatro designados, pelo Presidente da República, igual número eleitos pela Assembleia Nacional, dois designados pela Conselho Superior da Magistratura Judicial e um nomeado em concurso público. Pela composição e proveniência dos juízes, vê-se que o espaço de intervenção do Presidente da República não é assim tão alto. Em relação ao Tribunal de Contas, na semana passada, o Presidente da República nomeou quatro juízes para esta instituição, no âmbito do concurso público, que é conduzido pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial. Em boa verdade, o Presidente da República confirma formalmente uma decisão que não é sua. Quem escolheu os juízes foi o Conselho Superior da Magistratura Judicial. Não há aqui excesso de poder do Presidente da República, que é apenas uma espécie de fonte de legitimação, na sua qualidade de Chefe de Estado. O Tribunal Supremo é uma estrutura hierarquizada, de carreira, onde os juízes, de um modo geral, são de carreira. Portanto, aí, o espaço de intervenção e decisão do Presidente da República é mesmo insignificante.

Como é que são designados os juízes do Tribunal Supremo?
Por concurso. É o Conselho Superior da Magistratura Judicial que abre o concurso, quando existe uma vaga no supremo. Selecciona o candidato, que, posteriormente, é apresentado ao Presidente da República, para o nomear. Um tema é nomeação e designação dos juízes para o Tribunal Supremo. A fonte é o concurso público entre juízes de carreira que reúnam requisitos ou espaço para os chamados juristas de mérito, que, não sendo juízes de carreira, podem concorrer. Não há neste processo intervenção material do Presidente da República. O Chefe de Estado confirma, no final, os dados que o Conselho Superior lhe entrega dos nomes dos juízes vencedores, melhor posicionados, que devem ser nomeados juízes conselheiros do Tribunal Supremo (TS). São os juízes do TS que designam três candidatos, para um deles ser nomeado para presidente do TS. A margem do PR é sempre reduzida nesse espaço. Não é um modelo em que os juízes escolhem o presidente do supremo. Os juízes designam três candidatos para colocar à disposição do Presidente da República e este escolhe apenas um. O Presidente da República não avalia competência técnica dos juízes, mas a capacidade, em função do perfil que considera adequado para exercer a funçao de juiz conselheiro do presidente do TS.

Ajude-nos a compreender, no quadro da Constituição, a relevância que terá a ordem de precedência dos tribunais?
Também é um tema de alguma polémica. Na reflexão e ponderação que é feita agora, entendeu-se que a proposta devia conter esta alteração. Ela vai no sentido de, essencialmente, valorar um critério diferente, para definir a precedência, ou seja, a representação do poder judicial como tal, que é olhar para aquela que é a essência do poder judicial. Não existe hierarquização entre os tribunais superiores. Cada um deles é supremo na sua jurisdição. Na jurisdição constitucional, é o Tribunal Constitucional (TC), na jurisdição de contas, é o Tribunal de Contas, na jurisdição comum, é o Tribunal Supremo. Por força de uma enunciação que tenha a Constituição, entende-se que o Tribunal Constitucional é protocolarmente precedente em relação aos demais, incluindo o Supremo. É um tema que não é muito consensual e varia muito em função do critério que vamos elencar para tomar a decisão. Há quem diga que, "como é que o Tribunal Constitucional não vai ser o cimeiro, do ponto de vista protocolar, quando é o juiz presidente do Constitucional que confere posse ao Presidente da República”? Mas é bom recordar que o presidente do TC confere posse ao Presidente da República, numa lógica sistémica, porque é a instituição judicial que valida os resultados eleitorais. Se isso dá hierarquia sobre os outros tribunais, é outro debate.

Em relação aos juízes de primeira instância… Quando não estiverem em audiência, deixam de representar o órgão de soberania?
Já vi vários comentários e intervenções sólidos do ponto de vista de argumentação sobre a matéria, que devem ser considerados. A questão que se pretende dar tratamento é clarificar, porque, na função jurisdicional, é um pouco mais complexa a abordagem sobre onde repousa a representação dessa soberania, dada a multiplicidade de agentes. Os tribunais são órgãos de soberania, mas o modo de representação dessa soberania é que deve ser objecto de discussão. O que se está a dizer, na proposta, em termos muito genéricos, é que a representação, em ternos permanentes, se quisermos estáticos dos tribunais superiores, não significa que os juízes deixam de exercer poder soberano ou percam a sua soberania. Não há qualquer intenção ou tentativa de esvaziar o espaço de intervenção dos juízes de primeira instância.

O artigo 37º da Constituição, que aborda os limites da propriedade privada, estará a salvaguardar o confisco de toda a propriedade espalhada pelo país, que foi adquirida de forma ilícita, com recurso aos desviados do erário?
Temos um sistema sobre esta matéria que encontra lacuna na Constituição. Aliás, as próprias leis que regem esse tema são bastante antigas e suficientemente desajustadas do contexto constitucional. As leis sobre nacionalização e confisco remontam de 1976. Quando falamos de nacionalização e confisco, estamos a falar de uma decisão importante, porque invade propriedade privada, um direito assegurado na Constituição. O que se está a propor é prever a figura como um dos instrumentos passíveis de invadir propriedade privada, sempre em situações muito residuais.