Luanda - Com o país acossado pela instabilidade macroeconómica e dependente de apenas um produto (o petróleo), Manuel Nunes Júnior, ministro de Estado para a Coordenação Económica, explica o que tem sido feito, defende a agricultura familiar e repete: só uma nova e diversificada estrutura económica poderá relançar o crescimento e o desenvolvimento de Angola .

Fonte: JA
O país regista cinco anos de recessão económica, um longo período que tem sido marcado pela instabilidade ao nível da inflação, crescimento da economia e taxas de juro elevadas. Este declínio resulta apenas da estrutura económica do país ser largamente dependente do sector Petrolífero?

Não tenho quaisquer dúvidas de que a enorme dependência da economia de Angola dos recursos provenientes do petróleo é a causa dos grandes desequilíbrios que o país tem vivido de modo cíclico. Deixe-me a título de ilustração dar alguns exemplos da nossa história económica recente. Após ter alcançado a paz definitiva em 2002, Angola entrou para uma trajectória de crescimento rápido até ao ano de 2014. Nesse período, isto é, de 2003 a 2014, o crescimento médio anual de Angola foi de 8 por cento. Houve mesmo um espaço de tempo, de 2004 a 2008, em que o crescimento médio foi de 12,54 por cento. Angola era dos países que mais crescia no mundo. Entretanto, no período de 2015 a 2020, o crescimento médio anual de Angola foi negativo em cerca de 1 por cento. Com excepção do ano de 2015, em que o país exibiu um crescimento pálido de 0,9 por cento, em todos os restantes anos desse período o crescimento foi negativo.

O que terá estado na base desta mudança tão radical na trajectória de crescimento económico?

A resposta está no facto deste forte crescimento do período de 2003 a 2014 ter sido puxado fundamentalmente por investimentos públicos e não por uma economia baseada num sector privado forte, empreendedor e competitivo. Entre 2003 e 2014, Angola terá gasto em média cerca de 9 mil milhões de dólares em investimentos públicos, com recursos provenientes fundamentalmente do sector Petrolífero. Nessa altura, o preço do barril do petróleo no mercado internacional chegou a atingir a média anual de 102 dólares americanos entre os anos de 2010 a 2014. No período de 2015 a 2019, os gastos com investimentos públicos caíram para uma média anual de 5 mil milhões de dólares americanos. O preço do barril do petróleo no mercado internacional baixou para uma média anual inferior a 57 dólares norte americanos.


Que lições devemos retirar desta trajectória?

Quando o preço do petróleo no mercado internacional está relativamente alto, os investimentos públicos aumentam e a economia cresce. Inversamente, quando o mercado do petróleo está em baixa, os investimentos públicos diminuem e a economia reduz drasticamente os níveis de crescimento. Esta constatação revela uma fragilidade estrutural da economia angolana, isto é, a sua grande dependência dos investimentos públicos financiados por recursos provenientes do sector Petrolífero. A nosso ver, este paradigma tem de ser definitivamente alterado de modo a que o sector privado passe a ter um papel mais activo no desempenho da economia angolana. Só deste modo poderemos ter no país uma economia que consiga exibir níveis de crescimento sustentados ao longo do tempo e baseados em critérios de competitividade e de eficiência. Este é o grande desafio que temos pela frente, ao qual estamos a fazer face. Os resultados deste esforço não serão imediatos mas surgirão mais à frente. Quando forem dados passos significativos no sentido da alteração da actual estrutura da nossa economia, os outros problemas que referiu (como as taxas de inflação e as taxas de juro que ainda são relativamente altas em Angola) serão mais facilmente resolvidos. A solução definitiva do problema passa pela estruturação de uma economia menos dependente das importações, uma economia com um peso mais significativo de sectores como a Agricultura, a Indústria, o Turismo, a Construção, as Pescas e outros que são intensivos em mão-de-obra e se situam fora do sector Petrolífero. É isto que estamos a fazer de modo focado e abnegado. Os resultados começam a aparecer.


A Covid-19 tornou o ano passado num martírio para quase todos os países e regiões. Mas se olharmos para os números, é perceptível que as pequenas aberturas e os ajustamentos que se fizeram deram origem a recuperações sazonais. Mesmo historicamente, sabemos que as grandes crises sucedem-se períodos de alguma expansão económica. De que forma o país se está a preparar para o pós-pandemia?

Tudo o que temos estado a fazer é no sentido de minimizar os efeitos da pandemia causada pela Covid-19 na saúde pública do país e na economia. Ao mesmo tempo estamos a preparar as condições para o desenvolvimento da economia no período pós-pandemia. No domínio macroeconómico, as medidas que o Governo adoptou para mitigar os efeitos causados pela Covid-19 permitiram amortecer o agravamento dos desequilíbrios nas contas internas e externas, tendo sido conseguidos importantes resultados.


Quais?

Terminamos o ano de 2020 com um défice orçamental de cerca de 1,5 por cento do PIB. O Orçamento Geral do Estado Revisto para o ano em referência previa uma cifra de 4 por cento, isto é, o resultado alcançado neste domínio ficou acima do esperado. Por outro lado, depois de ter atingido o nível de 41 por cento em 2016, a taxa de inflação desceu de modo acentuado para 17 por cento em 2019. Em 2020, esta tendência nitidamente decrescente da taxa de inflação foi interrompida devido aos efeitos da Covid-19. A taxa de inflação atingiu, em 2020, o nível de 25,1 por cento mas esteve em linha com as previsões do programa que o nosso país está a desenvolver em conjunto com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em finais de 2020, o stock das Reservas Internacionais Líquidas (RIL) cifrou-se em 8 mil e 690 milhões de dólares, um valor acima do limite definido no âmbito do programa com o FMI que é de 8 mil e 085 milhões. Um outro aspecto importante a realçar é que as importações em 2020 tiveram, em geral, uma contracção na ordem de 34 por cento. No que diz respeito aos bens alimentares, a contracção das importações foi de cerca de 23 por cento.


Alguns economistas alegam que a redução das importações deve-se à quebra no consumo.

Esta diminuição das importações de bens alimentares é, a nosso ver, uma manifestação do efeito positivo das medidas de estímulo à economia que o país tem estado a desenvolver e que revela que o esforço para aumentar a produção nacional começa a dar frutos. Gostaria ainda de destacar que não obstante os efeitos da pandemia, de acordo com dados preliminares em nossa posse, o sector da Agricultura teve, em 2020, um crescimento positivo ao redor dos 5 por cento, o que é um facto a todos os títulos notável. Este é o caminho que temos que continuar a trilhar cada vez com mais firmeza. As medidas tomadas pelo Executivo e pelo Banco Nacional de Angola (BNA) para aliviar a situação económica causada pelo Covid-19 já são conhecidas por todos. Apesar dos riscos ainda existentes, temos a previsão de que o ano de 2021 assinale o ano da retoma económica em Angola, com uma taxa de crescimento positiva ao redor de 1 por cento.


A pandemia acabou por trazer uma notícia positiva para Angola no que diz respeito à renegociação da dívida externa junto de alguns credores, como a China, por exemplo?

A dívida pública (interna e externa) constitui um grande constrangimento aos esforços de desenvolvimento do nosso país. Em 2018, a dívida pública absorvia cerca de 59 por cento da despesa total do país. O que é um valor muito elevado, pois todo o resto da economia ficava com apenas 41 por cento. Graças à disciplina e ao rigor imprimido à gestão das nossas finanças públicas, este valor passou de 59 por cento, em 2018, para 55,9 por cento em 2020. Prevê-se que, em 2021, atinja o valor de 52,5 por cento. O peso da dívida em relação à despesa global do país ainda apresenta níveis altos mas a tendência é nitidamente decrescente.


E a dívida externa?

No que se refere à divida externa foram dados passos importantes em 2020 no sentido do reperfilamento da dívida de Angola, de modo a criar maior espaço de tesouraria para encarar as grandes necessidades do país. Angola aderiu à Iniciativa de Suspensão do Serviço da Divida (DSSI), proposta pelo G-20 e negociou com os seus principais credores (que em conjunto representam cerca de 55,2 por cento do serviço da dívida externa) termos favoráveis para o serviço remanescente. Este reperfilamento da dívida com credores externos vai permitir um adiamento do pagamento de parte do serviço da dívida até 2023, prevendo-se com isto a criação de um espaço fiscal de aproximadamente 6 mil milhões de dólares nos próximos dois anos. Vamos continuar a envidar todos os esforços para que a dívida do nosso país não siga uma trajectória insustentável. Para tal, duas medidas são fundamentais: sair da situação de recessão económica em que nos encontramos, entrar para um cenário de retoma do crescimento económico e seguir uma política orçamental prudente de modo a diminuir as necessidades de endividamento do Tesouro Nacional. Estas medidas estão a ser seguidas no âmbito das reformas em curso no nosso país. Por exemplo, de 2015 a 2017, Angola apresentou saldos orçamentais negativos, o mais alto dos quais foi em 2017 com uma cifra de - 6,9 por cento do PIB. Como resultado das medidas de consolidação fiscal levadas a cabo pelo nosso Executivo desde 2017, esta trajectória foi revertida e nos anos de 2018 e 2019 Angola passou a apresentar saldos orçamentais positivos. Como já referimos, em 2020, devido à Covid-19, o país voltou a ter um défice fiscal de 1,5 por cento. Logo que as condições económicas o permitam, voltaremos aos saldos orçamentais positivos, porque desta forma as necessidades de endividamento do Estado diminuem e, com isso, as taxas de juro de mercado tenderão a diminuir. Quando as necessidades de endividamento de um país são altas, as taxas de juro também são altas, porque aqueles que investem na compra da dívida do Estado querem ser compensados pelo risco que correm ao se envolverem em tal transacção. As taxas de juro elevadas afastam o investimento do sector privado na economia real e os bancos têm pouco incentivo em emprestar dinheiro aos empresários porque ganham muito com a compra da dívida do Estado. Pensamos que o caminho da consolidação fiscal que estamos a seguir é o caminho mais apropriado.

O Orçamento Geral do Estado (OGE) 2021 tem sido elogiado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que acredita ser um documento "prudente”. No entanto, algumas organizações da sociedade civil alegam que é um exercício de continuidade e não de emergência (em referência ao contexto e à necessidade de apoiar as empresas e as famílias). Considera importante reforçar a concertação social no que diz respeito ao OGE?

O OGE é o principal instrumento de gestão da vida económica e social do país e o mesmo afecta as decisões de todos os agentes económicos da sociedade, nomeadamente as famílias, as empresas e o próprio Estado. Ninguém pode ficar indiferente ao OGE. O Decreto Presidencial nº 213/20, de 10 de Agosto, que aprova as instruções para a Elaboração da Proposta do OGE 2021, realça no seu artigo 7º a importância de os órgãos do sistema orçamental garantirem a participação e auscultação dos parceiros sociais. Para o presente orçamento de 2021, foi estabelecido um cronograma no qual foi definido o período de 17 de Julho a 14 de Agosto de 2020 para a auscultação dos parceiros sociais. Com base nestas disposições, o Executivo realizou encontros de consulta com diversos representantes da sociedade civil e da classe empresarial, tendo ainda havido encontros com a sociedade civil no âmbito da actividade parlamentar. Acreditamos que as limitações impostas pela pandemia terão condicionado o nível de abrangência e intensidade de tais consultas em 2020. Contudo, com a experiência que vimos acumulando, estamos convictos que a extensão e a intensidade das consultas para o OGE 2022 serão muito maiores. A este respeito não podia deixar de destacar a excelente iniciativa do Titular do Poder Executivo em criar o Conselho Económico e Social (CES).

Qual será a mais-valia do CES?

Trata-se de uma solução moderna que vai contribuir para o aprofundamento do debate nacional sobre os problemas do país, em particular nos domínios macroeconómico, empresarial e social. É um órgão constituído por pessoas com níveis elevados de conhecimento técnico-científico e também com muita experiência profissional. Pessoas que representam as mais diversas escolas de pensamento e que estão à disposição do Titular do Poder Executivo para efeitos de consulta em matérias de interesse para o país, incluindo as questões inerentes ao OGE. É sem dúvida um avanço muito importante no que respeita ao nível de abrangência e de inclusão do debate relativo ao desenvolvimento do país. Quanto ao elogio do FMI relativamente ao OGE 2021, para nós é um facto de grande relevância.

Porquê?

Estamos a implementar um Programa de Financiamento Alargado com o FMI desde Dezembro de 2018. Já vamos na quarta avaliação e todas elas têm sido de elogio ao desempenho do nosso Executivo no que respeita ao cumprimento das metas inseridas no referido Programa. Para nós, este é um acto que revela o rigor e a seriedade na gestão das finanças públicas e é também uma manifestação de confiança da comunidade financeira internacional no programa de reformas que o Executivo tem estado a desenvolver. Devemos todos nos sentir orgulhosos como angolanos.

Que balanço faz da implementação do PRODESI? Por que foram selecionados mais de 60 produtos (praticamente a economia agrícola inteira)?

Não faria mais sentido escolher três ou quatro fileiras em que o país já tem algumas condições para competir e investir seriamente no seu desenvolvimento?Deixe-me corrigir. Não são 60 produtos. São na verdade 54 produtos. O critério para a selecção destes produtos foi a existência de condições objectivas para aumentar a produção interna dos mesmos, reduzir a sua importação e promover algumas exportações. Estes produtos não foram seleccionados num gabinete qualquer por três ou quatro pessoas iluminadas. O que não faria sentido. Foram seleccionadas através de uma consulta intensa e rigorosa às associações empresariais representativas dos produtores. No âmbito destes produtos temos estado a dar uma atenção especial àqueles que contribuem para a segurança alimentar estratégica do país (cereais, leguminosas e oleaginosas) e que sejam catalisadores da produção animal, como o milho e a soja que já figuram entre os produtos mais financiados pelo PRODESI.

Quantos projectos já foram aprovados?

O balanço que fazemos do PRODESI é positivo, não só no que respeita às actividades desenvolvidas e metas programáticas que têm sido alcançadas, mas também por ser um programa que já é amplamente conhecido em todo o país e é respeitado pelos agentes económicos. Quer dizer que já é tido em conta pelos empresários do país quando estão a equacionar e a resolver os seus problemas. Noutras palavras, é um programa que começa a ganhar a confiança daqueles que realmente produzem a riqueza nacional. O que é muito bom. O PRODESI já facilitou a aprovação de mais de 700 projectos de várias empresas, que poderão criar mais de 40 mil postos de trabalho em todo o país. Dados do Ministério da Economia apontam no sentido de que já se terão registado no Portal de Divulgação da Produção Nacional cerca de 10 mil produtores e que já terão sido estabelecidos mais de 1000 contratos de compra da produção nacional. O PRODESI ainda enfrenta inúmeros desafios.

Em que sentido?

Um deles tem a ver com a necessidade da atracção de investimento privado internacional que traga ao nosso país não só o capital financeiro e a tecnologia, mas que traga sobretudo o conhecimento (know-how). Com o know-how apropriado, o crescimento económico será muito mais rápido e também mais sustentado. O processo de melhoria do ambiente de negócios em curso e a suavização dos efeitos da pandemia causada pelo Covid-19 vão certamente contribuir para que este objectivo seja alcançado.

Fala-se muito de diversificação da economia e de facto isto está a acontecer. Mesmo assim, não deveria ser um processo mais rápido, dinâmico e com outra velocidade e qualidade de implementação? O que tem vindo a falhar e qual deve ser o papel do Governo?

Mais do que em meras abordagens discursivas, o aumento da produção nacional e a diversificação da economia está realmente a acontecer. Precisamos de mais velocidade e qualidade, é verdade, mas isso são elementos que dependem muito dos níveis de produtividade dos factores de produção. E de entre estes factores de produção destaca-se o mais importante, que é o capital humano. Temos de continuar a investir seriamente no capital humano, não só com cursos de nível universitário, mas principalmente na formação técnico-profissional dos nossos jovens. Só com o capital humano adequado conseguiremos atingir os níveis de organização, de produção e de inovação necessários para o desenvolvimento sustentado da nossa base produtiva. Como disse atrás, o investimento estrangeiro que traga sobretudo know-how (conhecimento) pode contribuir em muito para o aumento da velocidade do processo de diversificação da economia do país. Temos de continuar a melhorar o ambiente de negócios, intensificar a diplomacia económica e promover o estabelecimento de parcerias estratégicas empresariais internacionais. Estamos a trabalhar neste sentido, em particular com a Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações (AIPEX). É muito importante que os empresários nacionais estabeleçam relações de parceria estratégica com empresários de outros países possuidores de know-how e de tecnologia avançada, para que possamos rapidamente ter acesso ao que de melhor o mundo nos pode proporcionar nos domínios empresarial e da tecnologia. Nós queremos avançar com rapidez e com segurança neste processo de diversificação económica. Todo o investimento, incluindo o estrangeiro, será sempre muito bem-vindo.


Nos últimos anos, a retórica anti-importações tem vindo a ganhar muito terreno no espaço público e mesmo junto de alguns sectores da economia. Mas será que existe algum país no mundo que viva sem importações? Não estaremos a caminhar para a instauração de três ou quatro grandes monopólios de rosto nacional mas que, no fundo, vão colocar os preços médios acima das referências internacionais por falta de competição?

Claramente não há nenhum país do mundo que seja auto-suficiente em tudo. Que não importe nada. O que está em causa não é a importação em si. O que está em causa é termos um país que depende praticamente de um só produto para os seus rendimentos em moeda externa e que importa praticamente tudo o que consome. Não é uma situação que signifique robustez económica. Trata-se de uma situação muito vulnerável a qualquer perturbação do preço deste produto de exportação no mercado internacional. Por esta razão, estamos a fazer um grande esforço para aumentar a produção nacional, diminuirmos a nossa grande dependência dos recursos do petróleo e reduzir as importações. Estamos, no fundo, a trabalhar para uma mudança profunda na estrutura económica do país. Em rigor não é justo falar em políticas anti-importação mas sim de um conjunto de medidas que estão a ser implementadas com vista a promover e apoiar a produção nacional e, por conseguinte, criar empregos e aumentar os rendimentos dos nossos cidadãos. O país actualmente apresenta já alguma capacidade para atender com algum nível de significância o mercado nacional em alguns produtos, como a farinha de milho, farinha de trigo, frutas tropicais, massa alimentar, bebidas (água de mesa, refrigerantes e cerveja), material de higiene e limpeza e alguns materiais de construção, entre outros. Sem colocar em causa o princípio da concorrência e da competição, é importante que existam políticas públicas para apoiar e promover os produtores nacionais, de modo a tornarem-se cada vez mais competitivos quer no mercado interno, quer no mercado internacional. Todos os países do mundo que hoje são desenvolvidos, num dado momento da sua história levaram a cabo tais políticas de fomento e de apoio às suas indústrias e produção locais. Não pode ser de outro modo, sob o risco de nunca se chegar a ter uma verdadeira estrutura produtiva no país. Para se ter uma ideia da importância que damos à produção nacional, foi recentemente efectuada a concessão da Fábrica África Têxtil, cuja matéria-prima (o algodão) inicialmente será importada.


Facto que tem gerado algumas críticas.

Mas Angola tem potencialidades para a produção de algodão e já foi um grande produtor nacional e internacional. Olhando para isso, estão já em curso projectos de produção nacional de algodão para, a breve trecho, alimentarem esta unidade fabril e as demais que em breve estarão em pleno funcionamento. É assim que deve ser. Produzir em Angola o que pode ser produzido e bem no nosso país.


E a ameaça de surgimento de monopólios internos?

Os monopólios existem quando uma única empresa detém o mercado de um determinado produto ou serviço conseguindo, por isso, de modo unilateral, determinar o preço do produto ou bem em questão. Deixa assim de haver concorrência neste mercado. O facto de termos políticas públicas de promoção e apoio à produção nacional não quer dizer que queremos estabelecer monopólios no país. Se assim fosse, estaríamos a seguir um caminho contraproducente. Por um lado, estaríamos a lutar pelo aumento da produção nacional mas por outro estaríamos a diminuir a eficiência desta mesma produção nacional. Está provado pela teoria económica que os monopólios não são uma forma eficiente de organização da produção porque prejudicam o consumidor final com preços não-competitivos. Por isso, temos uma Lei da Concorrência que visa salvaguardar a competição entre os diferentes agentes económicos e evitar que certas empresas tirem vantagem da sua posição no mercado. Também no quadro da adesão de Angola à Zona de Comércio Livre da SADC e, posteriormente, à Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), o factor competitividade entre as empresas dos países aderentes será fundamental para determinar a sobrevivência e ganhos das empresas. Isso significa que as empresas irão enfrentar a competitividade, tanto no sentido interno como externo, quando pretenderem exportar os seus produtos ou serviços. Em conclusão, queremos revitalizar a base produtiva do país, aumentando a produção nacional, apoiando e promovendo os produtores nacionais numa base de concorrência entre os agentes económicos e não de monopólios e de outras imperfeições de mercado que não levem a eficiência no processo de alocação de recursos na economia nacional.

Por vezes tínhamos a sensação que os processos de contratação pública estavam marcados por vícios profundos. Qual o objectivo da legislação aprovada recentemente?

Sobre esta questão gostaria de referir, em primeiro lugar, que nas suas várias funções, o Estado é um agente económico, tal como as empresas e as famílias. Por isso, a forma como o Estado estabelece relações comerciais com os restantes agentes económicos da sociedade, em particular com as empresas, tem um impacto muito importante nos níveis de eficiência e de produtividade da economia e do desenvolvimento do país. Se as relações comerciais do Estado com as empresas forem estabelecidas com base no mérito e na capacidade organizativa, técnica e financeira das empresas, cria-se um ambiente de eficiência e faz-se uma boa alocação dos recursos do Estado. Haverá ganhos para todos. Para as empresas, para as famílias e para o próprio Estado. Inversamente, se as relações comerciais entre o Estado e as empresas forem estabelecidas com base em critérios como o amiguismo e a corrupção, o ambiente que se cria não é eficiente e a alocação dos recursos do Estado não proporciona o crescimento e o desenvolvimento do país. Num ambiente com estas características as perdas são generalizadas, excepto para um pequeno punhado de agentes que alcançam benefícios pessoais com tais operações. No âmbito das reformas em curso em Angola, temos de trabalhar sempre para que os recursos do Estado sejam usados para que em última instância contribuam para o aumento do bem estar dos cidadãos angolanos e não para o enriquecimento ilícito de alguns membros pouco honestos da sociedade. O primeiro instrumento regulador da contratação pública no foi aprovado em Setembro de 2010, tendo já sofrido ajustamentos para assegurar a adopção das melhores práticas, sem ignorar as particularidades da nossa realidade. Mais recentemente, constatou-se que algumas normas constantes da referida lei não respondiam a determinados anseios da actividade de contratação pública relativos à celeridade e amplitude das regras que regem os contratos públicos. Por isso, houve a necessidade de se fazer mais alguns ajustamentos. Foram introduzidas normas que visam a simplificação e melhoria de alguns dos procedimentos, tornando a sua aplicação mais eficaz e a sua execução mais fácil e cada vez mais transparente, através dos mecanismos de contratação por concurso público.

Não devemos ver a agricultura familiar como sinónimo de atraso

Por que a agricultura foi deixada para trás pelo Governo e pelas lideranças políticas em geral desde 1975, é que mesmo durante o conflito armado teria sido possível fazer melhor em determinadas zonas do país, para agora ressurgirem pelo menos as retóricas de relançamento do sector? A prioridade, numa primeira fase, não deveria ser a agricultura familiar?

Mais uma vez gostaria de referir que a abordagem que estamos a ter em relação à agricultura e à produção nacional em geral não é apenas discursiva. Não é mera retórica. Trata-se de uma atitude governativa bem focada e assente em políticas públicas consistentes e coerentes. Desde que conquistamos a independência nacional, em 1975, o país passou por diversas etapas, caracterizadas por diferentes políticas públicas sobre os mais diversos aspectos da vida nacional. Algumas destas políticas tiveram uma elevada eficácia e alcançaram os seus objectivos. Outras não tiveram o mesmo mérito. Esta é a dinâmica da vida. Para nós, o mais importante é a capacidade que sempre tivemos de em cada etapa analisar os problemas, reconhecer o que não esteve bem e introduzir as mudanças que se impuserem para que possamos atingir aquilo que pretendemos.

Nesse caso, que mudanças devem ser introduzidas no sector Agrícola?

Para nós, não restam dúvidas de que a agricultura é a base do desenvolvimento do país. A agricultura é a base para o aumento da produção nacional e para a substituição de importações, sobretudo de bens alimentares com vista a garantir a segurança alimentar e reduzir os níveis de pobreza nas zonas rurais. Dentro do sector da Agricultura, a prioridade recai efectivamente na agricultura familiar, que é responsável por mais de 80 por cento de toda a produção agrícola nacional. A agricultura familiar é praticada maioritariamente pelas famílias locais. No entanto, não devemos ver a agricultura familiar como sinónimo de atraso. Ou como uma agricultura praticada por camponeses pobres e com pouco impacto no sistema produtivo nacional.

Mas ainda é uma ideia que resiste em diversos quadrantes.

Devemos ver a agricultura familiar como uma actividade que usa os conhecimentos científicos, técnicos e tecnológicos para aumentar a sua produtividade e a sua eficiência, a fim de produzir mais e melhor, satisfazer as necessidades nacionais e gerar excedentes para exportar. Por isso, o Executivo aprovou o Plano Integrado de Aceleração da Agricultura e Pesca Familiar para o período 2020-2022. O objectivo deste plano é exactamente o de aumentar a produção e os níveis de produtividade da agropecuária e das pescas familiares. O fomento do comércio rural, com base nas forças do mercado, é uma componente muito importante, que prevê a venda de meios de transporte aos operadores económicos que já fazem a intermediação comercial entre o campo e os centros de consumo. Esta medida terá um grande impacto no que respeita à melhoria da comercialização dos produtos do campo e terá certamente repercussões nos preços dos produtos agropecuários nacionais. Os principais beneficiários serão os consumidores nacionais.

Qual a evolução da produção agro-pecuária relativamente aos anos anteriores?

Sobre 2021 ainda não podemos falar porque a campanha agrícola está ainda em curso. Quanto a 2020, já referi que a produção agrícola terá crescido em cerca de 5 por cento. Para ser mais preciso, os dados preliminares em nossa posse indicam que o sector terá crescido 5,5 por cento em 2020. Ainda não é a cifra que todos nós desejaríamos, mas para um ano tão difícil como foi o de 2020, consideramos que é um feito assinalável. Muito assinalável mesmo. Basta lembrar que, em 2020, a economia angolana em termos globais viveu um momento de recessão, com um crescimento negativo de cerca de 5 por cento. Mesmo assim, o sector da Agricultura logrou ter um crescimento positivo. Não há dúvidas de que estamos no bom caminho e aqui gostaríamos de manifestar o nosso profundo reconhecimento pela resiliência e alto nível de motivação e dedicação dos nossos camponeses e de todos os empresários do sector Agrícola que operam no nosso país.

Qual o peso da agricultura familiar no conjunto da produção agrícola nacional?

Disse há pouco que a produção agrícola familiar representava mais de 80 por cento de toda a produção agrícola nacional. Para ser mais preciso, a agricultura familiar representa 84 por cento da produção agrícola nacional e os restantes 16 por cento são provenientes da actividade agrícola empresarial.

A formulação constitucional sobre o acesso à terra ("a terra é originária do povo”) é um entrave ao investimento na agricultura e no país em geral ou o problema não é tanto a formulação mas as leis, regulamentos, a actuação institucional e a forma como funciona a administração pública?

Temos ouvido vários pronunciamentos sobre esta matéria. São evocadas várias razões que ainda constrangem o uso eficiente da terra como um activo ao dispor dos agentes económicos. O debate quando é objectivo e sistematizado é sempre muito salutar. É dele que vêm muitas ideias inovadoras que nos ajudam a resolver problemas concretos. A Lei de Terras está em fase de actualização e creio que é este o momento privilegiado para se desenvolverem todas as discussões à volta deste assunto, incluindo os aspectos relacionados com os procedimentos administrativos ligados a esta problemática.

Temos de retomar o crescimento económico

”Por que razão o sector Diamantífero representa "apenas” pouco mais de mil milhões de dólares por ano (o ex-Presidente José Eduardo dos Santos chegou a afirmar que não pagam uma estrada entre Luanda e a região Leste) para os cofres do Estado? O sector está subavaliado devido a práticas criminosas (corrupção, tráfego de diamantes, falta de fiscalização, envolvimento de políticos e altos militares em concessões)?

Deixe-me dizer-lhe que a receita bruta arrecadada proveniente da actividade de comercialização de diamantes no período de 2016-2019 conheceu uma tendência crescente. Passou de mil e 79,4 milhões de dólares, em 2016, para mil e 300 milhões em 2019, por conta da entrada em vigor da nova política de comercialização de diamantes. Em 2020, registou-se uma queda na receita bruta como resultado do impacto negativo da Covid-19. Entre 2016 e 2017, o preço médio total foi de 119,59 e 117,03 dólares por quilate, respectivamente. Com a implementação da nova política de comercialização, os preços registaram uma tendência crescente, atingindo os 145,53 dólares por quilate, em 2018, embora tenham sofrido uma ligeira tendência decrescente, em 2019 e 2020, por força das condições do mercado internacional. Paralelamente à tendência crescente dos preços, registou-se igualmente um aumento no volume de impostos pagos de ano para ano. Em 2017, a contribuição fiscal resultante da actividade de comercialização de diamantes foi de 79,48 milhões de dólares, em 2018, 111,01 milhões e, em 2019, 159,35 milhões de dólares. A tendência é nitidamente crescente, como se pode verificar. Consideramos, em conclusão, que a nova política de comercialização, aprovada em Julho de 2018 e que teve como principal objectivo pôr fim ao monopólio estatal de venda de diamantes brutos angolanos, no país e no estrangeiro, constituiu o pilar fundamental para o bom desempenho dos indicadores acima mencionados. As novas regras, combinadas com o novo ambiente de negócios que temos vindo a criar em Angola, têm mudado consideravelmente a percepção dos investidores e têm motivado os produtores a atrair mais investimentos para este subsector da Geologia e Minas.

De que forma?

Estas regras estão a permitir a entrada em funcionamento de novos projectos diamantíferos, com destaque para o Luaxe, cuja produção irá proporcionar um aumento significativo da produção de diamantes, do valor bruto em vendas e concomitantemente das receitas fiscais para o Estado. Por outro lado, tem-se trabalhado para diminuir a produção artesanal e combater o garimpo, transformando as cooperativas em empresas semi-industriais ou de pequena escala, que respeitem o Código Mineiro, as questões ambientais, paguem as taxas e impostos inerentes à actividade que realizam e aumentem a contribuição fiscal para o OGE.

Recentemente, durante o Fórum Banca, reconheceu que "Angola vive uma profunda crise social, económica e financeira”. Qual é a solução (ou soluções) para melhorar a situação do país e dos angolanos em geral?

Temos de retomar o crescimento económico. O país tem estado a evidenciar taxas de crescimento negativas desde 2016. Já são 5 anos consecutivos de recessão económica. Se um ano de recessão já é um problema terrível para qualquer economia, o que dizer de 5 anos consecutivos de recessão? Os efeitos na vida das pessoas, das empresas e do próprio Estado são terríveis. Quando o crescimento de um país é negativo significa que há muitas empresas a encerrar a sua actividade e por isso haverá muita gente a ficar desempregada. O desemprego é um problema económico e social muito sério, porque tira o rendimento das pessoas fazendo com que as mesmas percam autonomia nas suas decisões. Por isso, é um problema que temos de resolver com soluções sólidas. A retoma do crescimento económico vai permitir reduzir os níveis de desemprego hoje prevalecentes no país e por esta via aumentar os rendimentos dos cidadãos nacionais e o seu bem estar. Costuma dizer-se que não se pode distribuir o que não se tem. Com o crescimento económico produz-se riqueza, aumenta-se a contribuição das empresas ao erário publico, através dos impostos, e o Estado passa a dispor de mais recursos para implementar os seus programas de combate à pobreza e de harmonia social. Portanto, a solução estrutural está na retoma do crescimento económico. Iniciativas como o Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), o Programa Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM) e outros foram desenhados exactamente para permitir que o país entre novamente e rapidamente para a trajectória do crescimento económico. Esperemos que 2021 seja o ano do início desta retoma económica.

Em diversos fóruns internacionais, Angola continua a ser referida como uma economia reprimida, ou seja, que está longe do seu potencial actual. Concorda com esta descrição? Considera que o aprofundamento da democracia e das liberdades e garantias dos cidadãos pode ter um impacto positivo no desenvolvimento do país?

Os economistas usam um conceito que é o do produto potencial. O produto potencial é a quantidade de produção que um país pode ter se estiver a fazer uso pleno de todos os seus factores de produção, nomeadamente a terra, a mão-de-obra e o capital. Em vez de uma economia reprimida como chamou, prefiro dizer que a economia de Angola está ainda muito longe do seu produto potencial. Muito longe daquilo que pode produzir efectivamente. Ainda temos muitos factores de produção que não estão a ser usados de forma plena. Quando estes factores forem totalmente usados, então o Produto Interno Bruto (PIB) de Angola vai aumentar significativamente e com políticas públicas apropriadas de distribuição do rendimento nacional, não tenho dúvidas de que o povo angolano terá acesso a padrões de vida à altura daquilo que o país pode produzir. Considero sem quaisquer dúvidas que a existência de um verdadeiro Estado Democrático e de Direito tem uma forte influência quanto à possibilidade de termos em Angola um país próspero e socialmente justo.

Como poderíamos descrever essa correlação entre democracia e desenvolvimento económico?

Num país corrupto, onde não vigora o princípio do primado da lei, dificilmente este objectivo será alcançado, porque num tal país as oportunidades não são iguais para todos. Quando as oportunidades não são iguais para todos, não vigora o princípio do reconhecimento do mérito de cada um e, por conseguinte, os talentos nacionais nos mais diversos domínios da vida não têm espaço para despontar. E num país onde não despontam talentos não há criatividade, não há inovação e não há condições para a implementação do princípio da destruição criativa, que é a base da inovação económica e do crescimento económico sustentado de longo prazo, numa economia de mercado. Estamos a dar passos seguros para que em Angola exista um verdadeiro Estado Democrático e de Direito e uma economia de mercado que consiga evidenciar, a cada momento, os talentos nacionais que façam com que Angola atinja em tempo oportuno o seu produto potencial. É uma tarefa difícil, complexa e histórica. O Executivo, sob a liderança do Presidente João Lourenço, tem dado passos muito claros e firmes neste sentido.


A inflação tem muito a ver com problemas estruturais

A estabilidade macro-económica é fundamental para o país e para todos os cidadãos e agentes económicos. Nos últimos cinco anos, a inflação oficial acumulada ultrapassa claramente 100 por cento, o que representa um empobrecimento geral acelerado. Aliás, historicamente, a inflação tem sido muito elevada em Angola, pelo menos desde 1975, salvo algumas excepções. Qual é o motivo para esta hiper inflação crónica que tem arrasado o tecido social económico?

A inflação é um mal económico, principalmente porque actua como um imposto sobre aqueles que detêm os seus rendimentos em liquidez, isto é, em dinheiro (cash). A inflação diminui o poder aquisitivo destes rendimentos ao longo do tempo, por isso é comparado a um imposto já que reduz o rendimento líquido das pessoas e empresas. Os governos prestam, por isso, muita atenção a esta variável económica. Angola não vive uma situação de hiperinflação como referiu. De acordo com as normas internacionais, uma economia é considerada hiperinflacionária quando a taxa de inflação acumulada nos últimos três anos for igual ou superior a 100 por cento, que não é o caso de Angola. Já dissemos atrás que a trajectória decrescente da inflação, que se vinha vivendo desde 2018, foi interrompida em consequência dos efeitos causados pela pandemia da Covid-19. É nossa expectativa que esta trajectória decrescente seja retomada neste ano de 2021.

Em 2020, Moçambique (que vive um período muito complicado politicamente, que é dependente de doações e de produção externa, apesar dos avanços recentes no petróleo e gás) registou uma inflação que não chegou aos 4 por cento, enquanto Angola ultrapassou largamente os 20 por cento. O economista angolano José Cerqueira publicou, também em 2020, um livro sobre a inflação em Angola que aponta o problema ao chamado enclave dolarizado do sector petrolífero. Que opinião tem sobre estes argumentos?

Disse no início desta entrevista que questões como a inflação, taxas de juro, taxas de câmbio e crescimento económico não devem ser vistas isoladamente. Por isso, em economia se fala muito em análises de equilíbrio geral, em que todas estas variáveis são analisadas como peças de um mesmo sistema que deve estar em equilíbrio. Encaremos uma economia que não cresce, que tem níveis de produção doméstica frágeis e que importa grande parte dos seus bens quer de consumo, como de equipamento e outros. Adicionalmente, esta mesma economia depende basicamente de um só produto de exportação que lhe garante grande parte dos recursos externos. Vamos agora supor que o preço do principal produto de exportação deste país cai drasticamente no mercado internacional. Como seria de esperar, as consequências para esta economia serão enormes e diversas. Este país passará a dispor de menos recursos externos (divisas) e, por isso, a taxa de câmbio da sua moeda se vai depreciar em relação às principais moedas internacionais. Com a depreciação da moeda, os preços em moeda nacional dos bens importados aumentam, conduzindo a uma elevação do nível geral de preços na economia, que é a inflação. Com o aumento da inflação aumentarão também as taxas de juro nominais e todo o sistema se ajusta a esta perturbação do mercado. Este é essencialmente o problema de Angola. É esta a estrutura da nossa economia que temos de alterar. Caso contrário, todo o sistema económico se manterá muito vulnerável às variações do preço internacional do petróleo.

O que deve ser feito?

Em particular, temos de ser menos dependentes das importações e produzir em Angola o que pode ser produzido aqui. Temos, igualmente de promover as exportações daqueles produtos em que tenhamos vantagens comparativas e competitivas para não ficarmos dependentes de um só produto. Fica claro que a inflação em Angola tem muito a ver com problemas estruturais da economia. A estrutura económica de Moçambique não é igual a de Angola. Por isso não considero ser metodologicamente correcto fazer as comparações que pretende fazer.

E quanto à questão dos petrodólares?

Devo dizer que a reforma que está a ser desenvolvida no mercado cambial em Angola, com a flexibilização da taxa de câmbio da moeda nacional, está a levar-nos gradualmente ao equilíbrio neste mercado. O importante é colocar os recursos em moeda externa gerados nos negócios do sector petrolífero ao serviço da economia, isto é, ao serviço de todos os agentes da economia que precisem destes recursos. É o que está a ser feito com resultados satisfatórios. Em Abril de 2020, foi criada uma plataforma gerida pelo Banco Nacional de Angola (BNA) onde as empresas que tenham dólares ou euros, a partir do limite mínimo de 500 mil dólares, e que os queiram transformar em moeda nacional. Com isto, temos a oferta de recursos externos concentrados numa única plataforma e os bancos comerciais podem adquirir os seus recursos externos a partir da mesma plataforma. Desde Novembro do ano passado que a nossa moeda nacional se tem mantido estável em relação às principais moedas internacionais. Em alguns momentos tem havido mesmo uma certa apreciação do Kwanza. A diferença entre a taxa de câmbio no mercado paralelo, que era de cerca de 150 por cento em 2017, está agora em menos de 10 por cento. Na verdade, já andamos um bom percurso.

Com uma inflação média acima dos 20 por cento nos últimos cinco anos, é viável pensar em financiamento bancário à economia, sobretudo na agricultura?

Já falei com alguma amplitude sobre a inflação e outros aspectos macroeconómicos que caracterizam a nossa economia. Queria agora apenas acrescentar que, por termos de consciência desta realidade, isto é, que de momento não é viável financiar o sector produtivo unicamente através dos termos financeiros da banca comercial, o Executivo e o BNA criaram instrumentos de crédito com taxas de juro mais competitivas que foram postas à disposição do empresariado nacional, nomeadamente com o Programa de Apoio ao Crédito (PAC), os produtos financeiros do Banco de Desenvolvimento de Angola e o Aviso 10/2020 do BNA. Relativamente ao aviso 10/2020, sobre o Crédito ao Sector Real da Economia, o mesmo determina que os bancos devem priorizar as Micro, Pequenas e Médias Empresas e cooperativas agrícolas. De igual modo, o saldo do crédito desembolsado por cada banco, no fecho de cada exercício financeiro, deve corresponder, no mínimo, a 2,5 por cento do valor total do activo líquido registado no seu balanço a 31 de Dezembro do ano anterior. Queria também dizer que não obstante a taxa de juro ser inferior às taxas de mercado, os bancos podem deduzir os valores concedidos das suas reservas obrigatórias, e, dessa forma, rentabilizar fundos que não estavam a ser remunerados. Com essa excepção, o BNA procura garantir que, independentemente do ciclo da política monetária, os bancos possam conceder crédito à economia real, obviamente, tendo sempre presente a análise dos riscos para que se concedam créditos de forma responsável.

O liberalismo económico puro já está em desuso

O senhor ministro é favorável à desconcentração administrativa por via das eleições e do reforço das instituições locais (autarquias)? Que impacto económico poderá ter esta mudança no modelo de governação caso as autarquias sejam mesmo implementadas em todo o país?

Quando os problemas das populações são equacionados e resolvidos por pessoas que estão no local e que conhecem bem o meio em que estão inseridos, o nível de eficácia destas soluções é à partida muito maior. Por esta razão, defendemos uma descentralização administrativa do actual modelo de governação, o que passará pela institucionalização das autarquias locais. O processo deve ser metodicamente organizado, de tal modo que antes mesmo da criação das autarquias locais, as administrações municipais estejam já numa dinâmica de exercício de competências que hoje ainda são exercidas pelos ministérios. É importante que se verifique também a desconcentração orçamental e financeira. Não temos dúvidas de que a institucionalização das autarquias locais vai ajudar a implementar um modelo de administração de maior proximidade e também com um maior envolvimento por parte dos cidadãos nos assuntos que lhes são comuns e que têm impacto na vida das comunidades em que estão inseridos. Com as autarquias locais os problemas poderão ser resolvidos com mais rapidez e possivelmente com menos custos. Os dirigentes autárquicos estarão sujeitos à competição política e por esta razão terão de resolver bem e em tempo oportuno os problemas das comunidades em que estão inseridos para continuarem a merecer a confiança das mesmas. A competição é boa em todos os domínios. Não é só no domínio económico.

Que balanço faz da implementação do PIIM e do Kwenda? O país deveria ter programas mais consistentes de segurança social e aumento da renda familiar dos mais pobres?

Devo dizer que quer o PIIM como o Kwenda são programas consistentes e que vão contribuir, em muito, para a redução dos níveis de pobreza em Angola. Os dois programas têm como perspectiva satisfazer as necessidades básicas dos nossos cidadãos e com isso contribuir para a melhoria do seu nível de vida. O PIIM visa responder as principais necessidades das diferentes comunidades e a concepção e a execução dos seus projectos está a cargo das administrações municipais. É a primeira vez que tal acontece na nossa história pós-Independência. Não obstante os efeitos adversos causados pela Covid-19, as acções do PIIM em 2020 tiveram um grande impulso, tendo havido um enorme crescimento do número de projectos elegíveis e de projectos em execução. Os projectos elegíveis saíram de 77 em Dezembro de 2019 para 1494 em Dezembro de 2020, enquanto o número de projectos em execução saiu de 60 em Dezembro de 2019 para 1442 em Dezembro de 2020. O PIIM engloba um total de cerca de 1.700 projectos. A execução financeira acumulada em Dezembro de 2020 era de mais de 140 mil milhões de kwanzas. Apesar dos constrangimentos de vária ordem, identificados e ultrapassados em sede da implementação do PIIM, a estratégia e a metodologia de trabalho adoptadas têm permitido o reforço da capacidade institucional, técnica e humana dos órgãos que intervêm na sua execução, bem como o reforço dos mecanismos de acompanhamento e monitorização dos projectos. Considero de toda a justiça saudar as administrações municipais e os governos provinciais pelos êxitos que este importante programa tem alcançado. Para além das várias obras que estão a ser construídas, ficará com os responsáveis pela implementação deste programa um factor muito importante no desenvolvimento dos países, que é o know-how (conhecimento) na gestão de projectos do Estado. Para países em desenvolvimento como o nosso, este é um ganho de uma extraordinária importância e que vai ter certamente um grande impacto no desenvolvimento futuro do nosso país, sobretudo com a institucionalização das autarquias.


E o Kwenda?

A operacionalização do Kwenda é feita por uma entidade pública, o Fundo de Apoio Social (FAS) e tem registado ganhos significativos. Este programa tem seguido uma estratégia de implementação de políticas que visam a inclusão produtiva, o desenvolvimento local e a capacitação contínua do pessoal envolvido. Pelo balanço efectuado, não temos dúvidas de que os programas de protecção social devem continuar e sempre numa perspectiva integrada promovendo a inclusão produtiva e a efectivação dos direitos sociais dos cidadãos. É uma forma de fazer com que mais de 1 milhão de famílias do nosso país escapem da situação de pobreza em que se encontram, dando-lhes a possibilidade de melhorar a sua condição de vida em termos de alimentação, saúde, habitação e outros aspectos básicos da existência humana. Os efeitos a médio e longo prazos deste tipo de programas são enormes. O Kwenda, que tem o apoio financeiro e técnico do Banco Mundial, foi lançado em Maio de 2020 e tinha como meta o cadastramento de 300 mil agregados familiares até Dezembro de 2020. Os dados que temos indicam que, até ao fim do ano de 2020, foram cadastrados 342 mil e 36 agregados familiares, o que significa que a meta foi ultrapassada. Este ano, estas famílias começarão a receber os seus recursos e serão cadastradas mais 400 mil famílias. Em conclusão, quer o PIIM como o Kwenda estão a correr bem e tudo faremos para que assim continue a ser para o bem das nossas populações.

Por que serão privatizadas parcelas de empresas como a Sonangol ou a Endiama? Que balanço faz do Programa de Privatizações (PROPRIV)?

Tenho referido várias vezes ao longo desta entrevista que precisamos de ter em Angola uma economia sustentada e forte. Reparem que não estou a usar o termo sustentável que significa outra coisa. Estou a falar de uma economia que cresça de forma sustentada, isto é, uma economia diversificada e que não assente os seus pilares num só produto. Noutras palavras, quero dizer que para além de uma economia que cresça de modo sustentável, precisamos de uma economia que seja sustentada e robusta. Com o programa de privatizações que o Executivo lançou em meados de 2019, pretendemos fortalecer o sector privado de Angola e convertê-lo no verdadeiro motor da economia angolana. Não se pode edificar uma economia de mercado forte e sustentada, sem um sector privado forte e competitivo. Numa economia de mercado sustentada deve ser o sector privado e não o Estado a garantir o maior número de empregos, por isso, este programa visa, em última instância, promove o investimento privado quer nacional como estrangeiro. Até ao momento, foram alienados e adjudicados por via de concurso público um total de 36 activos, onde se destacam empreendimentos agrícolas (fazendas), activos imobiliários detidos pela Sonangol, unidades industriais instaladas na Zona Económica Especial de Luanda, cervejeiras, unidades têxteis e várias unidades do sector da agro-indústria. Os valores totais das transacções ascendem a 355 mil milhões de kwanzas. Os resultados gerados até ao momento confirmam que o PROPRIV deve continuar a ser executado com rigor e obedecendo aos princípios e mecanismos que asseguram a lisura e a transparência, de acordo com as melhores práticas internacionais e a legislação angolana. Este compromisso é fundamental para garantir a confiança e atrair investimentos nacional e estrangeiro de qualidade e sérios, ao mesmo tempo que permitirá que os activos cumpram com a sua função na economia, providenciando bens e serviços de elevada qualidade para os cidadãos e empresas. Com isso ganhará a economia angolana e os consumidores nacionais. A privatização parcial da Sonangol e da Endiama enquadra-se no princípio geral de aumentar a eficiência das mesmas, optimizando os seus custos de produção e produzindo para o país, de modo competitivo, os produtos e serviços para os quais foram criadas.


O PROPRIV parece ser mais uma tentativa de inaugurar uma espécie de liberalismo económico angolano que talvez venha acudir algumas necessidades do país, sobretudo ali onde a actividade privada pode imperar. No entanto, mesmo no seio do Governo, verifica-se a ascensão dos defensores de teorias e jargões associados ao "Estado mínimo” ou mesmo ao anti-Estado. Acontece que há vastas regiões do país sem presença de serviços públicos, sem estradas, sem energia, sem água potável, o que parece indicar que ainda precisamos muito de Estado. Como analisa este liberalismo angolano?

Já que fala em liberalismo económico deixe-me recordar-lhe os dois teoremas fundamentais da teoria económica moderna. O primeiro refere que num mercado em que todos os agentes dispõem do mesmo nível de informação (informação simétrica) e não existem monopólios e outras imperfeições de mercado, a alocação de recursos é feita num ambiente de concorrência perfeita e do mesmo resultará uma situação de eficiência económica. Noutras palavras, a concorrência pura entre os agentes económicos leva à eficiência económica. Sem concorrência não há eficiência económica. O segundo teorema refere que neste ambiente de concorrência entre os agentes do mercado, nem todos terão o mesmo nível de sucesso e haverá mesmo aqueles que necessitarão do apoio do Estado para que possam ter uma vida digna. Surge aqui justificada a intervenção do Estado no seu papel de redistribuição do rendimento nacional. Em síntese, enquanto o primeiro teorema da economia de mercado se refere à necessidade de existir eficiência na alocução dos recursos existentes numa dada sociedade, o segundo teorema tem a ver com o apoio aos mais vulneráveis, através de uma acção do Estado de redistribuição do rendimento criado por todos. É o que nós defendemos como fundamento para as nossas politicas económicas. Uma economia que produza de modo eficiente e que por meio dos impostos garanta os recursos necessários ao Estado para implementar as suas políticas públicas que garantam mais e melhor educação, mais e melhor saúde, o reforço da rede de segurança social, a promoção da investigação científica e o investimento em infra-estruturas, entre outros. Só desta maneira é que poderemos combater a pobreza e as grandes assimetrias regionais que ainda existem no país. Devo dizer que, em geral, o liberalismo económico puro já está em desuso na maior parte dos países do mundo. Dificilmente encontrará um Governo sério no mundo que não se preocupe com os problemas de redistribuição do rendimento nacional para fazer face aos problemas sociais existentes na sociedade. As teorias de Adam Smith de que a mão invisível do mercado cria todos os equilíbrios do sistema económico tem sido desafiada pelos factos do mundo real. Olhemos, por exemplo, para o que aconteceu na crise económica e financeira de 2008, causada pelo subprime

 

PERFIL
Manuel Nunes Júnior, nascido em Benguela, aos 6 de Dezembro de 1961, foi director da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto entre 1987 e 1991. É docente da mesma faculdade, presentemente com a categoria de Professor Catedrático. Licenciado em Economia pela Universidade Agostinho Neto, em 1983. Mestre em Economia Internacional pela Universidade de Essex, Reino Unido, em 1992, e Doutor em Economia pela Universidade de Iorque, no Reino Unido.

De 1999 a 2002, foi presidente do Conselho de Administração da Empresa Nacional de Exploração de Aeroportos e Navegação Aérea. Foi, 2002 a 2003, Vice-ministro das Finanças.

2003
Secretário do Bureau Político do MPLA para a Política Económica e Social.

2008 a 2010
Ministro da Economia.

2010
Ministro de Estado e da Coordenação Económica.

2012 a 2017