Luanda - Não sendo a Constituição um texto lavrado a lápis e que possa ser revisto ao sabor do vento, a verdade é que passados pouco mais de uma década, estamos efectivamente em condições de conformar alguns pontos que a todos pareçam necessários.

Fonte: JA

Aqui reside o mérito de João Lourenço, ou seja, ao inaugurar a necessidade de revisão da Constituição apontando o que lhe parece ingente e necessário corrigir no actual texto constitucional. É um passo a frente pois o que vínhamos assistindo eram apenas discursos, geralmente no espectro dos políticos da oposição, nunca concretizados na prática numa iniciativa formal no sentido da revisão da constituição.

 

Como é óbvio neste tipo de situações, nem todos concordam com os pontos em si mesmo, noutros casos, com as soluções apresentadas não obstante a unanimidade quanto à oportunidade da revisão proposta que se mostra longe do cânone de revisão constitucional de iniciativa presidencial habituais em África. Está longe de qualquer intenção de manipulação com o objectivo zelado ou inconfesso de protelar eleições e menos ainda de aumento do seu poder real ou perpetuação no poder.

 

Ao chamar a si a iniciativa de revisão, o Presidente acaba por ter consigo a batuta pois o espectro da discussão está então cingida aos pontos que o Presidente pretende ver clarificadas e não vale por isso repetirmo-nos face ao que já foi dito, exposto e explicado. De outro modo, a perspectiva de revisão material está a ser feita no escopo definido nos pontos apresentados e sobre estes há claramente pontos relevantes a considerar para toda a análise, agora que passamos para o espaço da discussão pública entre os parlamentares e os diversos segmentos representativos e não só da sociedade civil.

 

Contudo, qualquer um dos pontos parecem-nos ainda assim vitais para conformarmos o Estado Democrático de Direito e também para a consolidação do texto constitucional não obstante estarmos diante de uma revisão que se considera pontual.

 

Assim, um dos pontos sobre os quais deverá haver consenso prende-se com a revisão ou conformação do papel de fiscalizador da Assembleia Nacional ao Poder Executivo, enquanto um dos pilares do sistema democrático e do Estado de Direito. No fundo, este ponto vem claramente reverter o que ficou mais ou menos (mal) instituído no famigerado acórdão nº 319/13 de 9 de Outubro, do Tribunal Constitucional que declarou inconstitucional alguns artigos do regimento da Assembleia Nacional.

 

Com base no primado do Estado de Direito, e magistralmente no próprio texto, esta revisão da norma vem anular aquele acórdão e devolver directamente à Assembleia Nacional o poder de fiscalizar, mediante interpelação directa aos membros do Poder Executivo sobre as suas acções, medidas e iniciativas.

 

Poderíamos referir outros pontos da proposta como é a necessidade de conferir maior autonomia as entidades administrativas autónomas como o Banco Nacional de Angola, nas vestes de banco central ou ainda o handicap e nada consensual princípio do gradualismo na implementação das autarquias.

 

Mas se estamos a restabelecer e conferir dignidade ao Poder Legislativo, subsistem algumas dúvidas quanto aos propósitos e a essência das propostas tangentes ao Poder Judicial, seja aquela que coloca o Tribunal Supremo no topo das hierarquias dos tribunais superiores, seja, o que nos parece verdadeiramente mais problemática e discutível aquela que retira o Estatuto de titulares de cargo de soberania aos juízes dos tribunais de primeira e segunda instância.

 

É verdade, como sabemos, surgiram casos recentes de magistrados que colocaram, com comportamentos pouco dignos, a classe numa condição desconfortante. Contudo, numa altura em que estamos a empoderar o sistema judicial angolano na actual campanha de combate à corrupção e normalização da vida pública, esta medida é no mínimo ambígua... Como sabemos, os juízes são figuras, na maioria das sociedades contemporâneas de inspiração democrática, de alto-prestígio social e funcionam como uma reserva moral, tal a sua salvaguarda de defesa do primado da Lei e da ordem.

 

Portanto, não sendo a Constituição uma matéria exclusiva ou reserva de uma classe social ou profissional e política, pelo contrário, é um espaço aberto da cidadania, temos para nós que os próximos dias serão férteis no sentido de uma discussão nos marcos da sã urbanidade. Temos para nós que os políticos angolanos saberão traduzir os anseios da população e não tornar o tema fracturante de tal modo que percamos foco em relação aos temas do quotidiano. Aqui como noutros espaços da acção política e governativa, ninguém ganha tudo ou perde tudo. Devem ter presente que a política é a arte do compromisso e da negociação, não amarrando assim o País às suas agendas de poder (situação e oposição), pelo contrário, encontrarmos todos na Constituição um verdadeiro Pacto de Estabilidade, deixando a competição política para o momento próprio.


Adebayo Vunge

Jornalista