Luanda - A movimentação registada em torno do processo constituinte, trouxe a baila conceitos que os experts, os partidos, a sociedade civil e os angolanos em geral criam sobre as doutrinas jurídico-constitucionalistas, o verdadeiro sentido de estado, o estado democrático de direito, a leis das maiorias e a necessidade de se alcançarem consensos.


Fonte: Club-k.net

Para muitos, sentido de estado é entender e colocar os problemas nacionais acima dos interesses de grupo. Para outros, sentido de estado é impor os interesses de grupo em nome das funções ou posições que ocupam no aparelho do estado, reprovando as ideias opostas ou contrárias as suas, como se fossem os únicos detentores do saber e da verdade. É aqui onde se destacam as discussões em volta das doutrinas jurídico-constitucionais, sobre o estado democrático e de direito, as leis das maiorias e a necessidade de se alcançarem consensos.


No estado democrático e de direito obedece-se a separação de poderes entre o legislativo, executivo e o judiciário, bem como é notória a independência dos tribunais. No estado democrático e de direito a doutrina jurídico-constitucionalista obriga o cumprimento rigoroso dos limites formais e materiais da lei constitucional, salvo em caso de dupla revisão, isto é, rever a constituição e os seus limites.


No estado democrático e de direito as maiorias não violam as leis, porque são maioria por força da lei. Elas não quebram os consensos em detrimento das conquistas alcançadas para que tal lei permitisse atingir esta maioria. Ou então esta maioria será um dia vítima da sua supremacia.

O Estado Democrático, para que realmente o seja, depende de várias condições substanciais, que podem ser favorecidas ou prejudicadas pelos aspectos formais, mas que não se confundem com estes. Para que um Estado seja democrático precisa atender à concepção dos valores fundamentais de certo povo numa época determinada.


Um dos principais estudiosos dos fenómenos políticos contemporâneos e da crise do Estado de direito democrático, o filósofo alemão Jürgen Habermas, ao analisar as tensões existentes entre a validade e a efectiva aplicação das normas legais nas sociedades contemporâneas vê um grande problema no que se refere à legalidade e legitimidade. Nem sempre o legal é legítimo, há leis que não devem ser aceites passivamente pela sociedade; em situações limites é preciso e necessário convocar actos de desobediência civil para reverter o arbítrio imposto pela força da lei. Exemplo real desta contradição, são as leis de excepção do Governo George Bush, nos Estados Unidos, a pretexto de combate ao terrorismo.     
      

 Segundo Habermas, de forma geral a Política e o Direito, nas suas teorias mais difundidas nos tempos actuais, demarcam duas situações, de um lado a afirmação de princípios normativistas em muitos casos distantes e contrários à realidade social, de outro, fundamentos exclusivamente objectivistas sem pertinência com as normas. A preocupação de Habermas é com a reconstrução do Direito, com a integração efectiva de todos os cidadãos nos processos e procedimentos da democracia participativa, nos marcos do Estado de direito democrático e pela via da acção comunicativa.


Ele refere-se às situações do direito positivo que pode afirmar a força do direito, da lei, através de procedimentos jurídicos considerados válidos. Só pode ser socialmente válido o que conseguir se impor na esfera social, ou seja, o que for aceito como norma jurídica. E para que haja um Estado democrático de direito com uma democracia radical sustentada em ampla participação, mediante o consenso. Só o consenso, através da conscientização dos direitos de cidadania, é poderá levar às liberdades, à autonomia política, à democracia efectiva. 


Aliás a metodologia dos consensos tem sido a estratégia de tomada de decisões em fóruns e organismos sociais e foi incorporada pelo Governo Lula como prática obrigatória nos fóruns e debates com relação aos projectos e programas do governo.


Voltando ao processo constituinte angolano ora terminado, o intelectual ficou mais confuso que o analfabeto jurídico, porque a lei aprovada não teve consenso lá onde de facto havia necessidade de consensos, para além de terem sido violados, ou mesmo torpedeados os limites materiais para a aprovação da própria constituição. Quem diria que a violação partiria primeiro dos garantes, Presidente da República e tribunal constitucional, para não falar dos pseudojuristas? Claro não foi surpresa, porque os indicadores deste procedimento são anteriores à realização das eleições legislativas de 2008, e prosseguem na senda de violações com a constituição de um novo governo, sem realizar novas eleições.


A separação de poderes ficou só mesmo no papel e nas doutrinas aprendidas com cábulas mal feitas pelos desconceituados constitucionalistas angolanos, que encheram o chefe do poder executivo de prerrogativas que ferem as balizas do estado democrático de direito, pois, o presidente deputado vai nomear o governo e os juízes de todo o poder judicial.
O nosso estado democrático está a seguir assim um rumo jamais visto na história da humanidade, que o leva a breve trecho a uma monarquia total.


A estabilidade propalada vai acabar quando a eleição não tiver o resultado previsto no modelo constante da nova lei magna. Aliás, não colhe o argumento do bloqueio institucional, caso o presidente seja dum partido diferente do que governa. Vide exemplos de Portugal, com Cavaco Silva e José Sócrates de partidos diferentes, um como presidente e outro como chefe do governo, e muitos outros países, onde não só a convivência institucional é sadia, como a estabilidade nunca esteve em causa.


O que assistimos é sim uma imposição de interesses de um grupo que se quer perpetuar no poder, em detrimento da doutrina jurídico-constitucional e dos pressupostos de um estado democrático e de direito, tornando Angola numa sociedade anónima para a delapidação dos seus recursos. Prova disto está na nomeação do governo que não tem nada de novo, com o cúmulo de alguns dos seus dignitários se orgulharem pelo facto de terem pertencido às instituições das 3 repúblicas, os mesmos incompetentes e corruptos mudando apenas de funções, como se no país houvesse carência de quadros, ou então para nada tem servido a formação de milhares de angolanos bem diplomados e cheios de vontade para servirem e não se servirem, a quem faltam apenas oportunidades.


Com coragem e persistência na luta pelos direitos dos angolanos, os intelectuais e patriotas honestos devem unir esforços para por fim a ditadura e a monarquia que nos foi imposta.


Para que serve a lei?


Lei (do verbo latino ligare, que significa "aquilo que liga", ou legere, que significa "aquilo que se lê") é uma norma ou conjunto de normas jurídicas criadas através dos processos próprios do acto normativo e estabelecidas pelas autoridades competentes para o efeito.


A palavra lei pode ser empregada em três sentidos diferentes, conforme a abrangência que se pretenda dar a ela. Numa acepção amplíssima, lei é toda a regra jurídica, escrita ou não; aqui ela abrange os costumes e todas as normas formalmente produzidas pelo Estado, representadas, por exemplo, pela Constituição federal, medida provisória, decreto, lei ordinária, lei complementar, etc. Já num sentido amplo, lei é somente a regra jurídica escrita, excluindo-se dessa acepção, portanto, o costume jurídico. Por fim, numa acepção técnica e específica, a palavra lei designa uma modalidade de regra escrita, que apresenta determinadas características.


A lei, no seu processo de formulação, passa por várias etapas, estabelecidas na Constituição. Neste processo temos a iniciativa da lei, discussão, votação, aprovação, sanção, promulgação, publicação e vigência da lei. A iniciativa da lei normalmente compete ao órgão executivo ou ao legislativo, mas há casos em que a própria Constituição determina que a iniciativa caiba ao judiciário. Proposta a lei, segue-se a sua discussão no Congresso Nacional,  ou nas Assembleias Legislativas; em seguida, vem a sua votação, que é a manifestação da opinião dos deputados parlamentares, favorável ou contrária, ao projecto de lei. Se for favorável ao projecto, ou seja, se conseguir a maioria dos votos, a lei estará aprovada pelo órgão legislativo. Então, a lei é encaminhada ao Presidente da República, que poderá sancioná-la ou vetá-la. Em Portugal, os projectos e propostas de lei, depois de aprovados pela Assembleia da República, designam-se como decretos e, só após a promulgação pelo Presidente da República e a refenda do Primeiro-Ministro, são publicados em Diário da República, assumindo a forma de leis. Em sentido amplo, lei abrange qualquer norma jurídica enquanto em sentido restrito compreende apenas os diplomas emanados pela Assembleia.


Vetada, total ou parcialmente, o veto é submetido ao Congresso ou à Assembleia, que poderão derrubá-lo. Rejeitado, o órgão executivo tem que acatar a decisão do órgão legislativo. Nesse caso, bem como nos casos em que o poder de veto não é exercido no prazo legal (quando diz-se haver sanção tácita), o Presidente da República deve acatar a lei promulgada pelo poder legislativo. Sancionada e promulgada (ato pelo qual o órgão executivo determina a sua execução), a lei é publicada no Diário Oficial.


A sua vigência dá-se após o prazo de 5 dias, em Portugal, ou de 45 dias, no Brasil, desde a data da sua publicação, ou no prazo estabelecido expressamente no diploma legal. Este período entre a publicação e a entrada em vigor da lei é conhecido pela expressão latina "vacatio legis".


Para um leigo, no entanto, para um cidadão sem formação jurídica – um cidadão que tem o direito de votar, de se manifestar, de protestar – a sensação que se vai enraizando é a de que, ultrapassar a lei depende muito mais das ligações que se construíram com o poder. O resto… o resto é para entreter os media.


Em Angola nada é diferente, pois temos leis ordinárias, decretos e todas outras formas em que se apresentam as normas jurídicas do nosso estado, pecando simplesmente na sua aplicabilidade e respeitabilidade.


Várias vezes ouvimos na voz do presidente da república que ninguém estava acima da lei, o que é verdade, mas que também é verdade que tem sido ele mesmo o primeiro a colocar-se acima da lei. Aliás o processo constituinte provou isso mesmo, desde que o Presidente José Eduardo dos Santos condicionou a realização das eleições presidenciais à aprovação da nova Constituição, que para surpresa de todos a mesma viria com a inovação da não inclusão da eleição do presidente da República, violando a lei constitucional vigente, vide artigo 159º, línea f.


Numa altura em que várias vozes se pronunciam a favor ou contra a nova lei constitucional, meditamos aqui sobre as garantias de se respeitar a nova lei, quando a que ainda vigora foi violada. Ou então podemos dizer que a lei vigente serviu para alguns fins de um determinado grupo e não serviu para outros fins deste mesmo grupo, o que fará com que a lei recentemente aprovada também a dado passo já não sirva para o mesmo grupo ou para outro que o suceder.


Voltando a origem da palavra lei, o contexto histórico e científico em que foi introduzida permanece válido nos dias de hoje, já que a necessidade de estabelecer regras é cada vez maior, pois ainda não se atingiram os níveis de conscientização das sociedades. No nosso caso temos fundamentos históricos, científicos e mesmo antropológicos que nos obrigam a respeitar as leis que nós próprios criamos, para construirmos uma sociedade humanizada, sã, democrática e desenvolvida, ao contrário do que muitos sustentam tratarem-se de leis que evoluem e que não deveriam imitar ou seguir modelos de outros países com contextos históricos e científicos diferentes. Lá está não imitar a separação de poderes de Montesquie ou John Locke, criada num contexto diferente do nosso, mas imitar a eleição indirecta sul-africana, criada também num contexto diferente do nosso. O que serve e o que não serve, para quem serve e para quem não serve? O jurista articulado e deputado conceituado membro da Comissão Constitucional que evocou tais argumentos certamente terá resposta.


Tivemos e temos uma história rica de exemplos negativos sobre as pretensões de impor a vontade e os interesses de grupo sobre os interesses nacionais. Foi a partir destes exemplos que se assinaram os acordos de paz de Bicesse, que deram lugar a primeira lei constitucional pluripartidária, depois seguidos dos acordos de Lusaka e do memorando de entendimento do Luena, todos eles legislados pelo órgão de soberania competente, que nunca se confundiu com os demais órgãos e por isso manteve a estabilidade que o país vive nos dias de hoje, só para citar estas grandes conquistas cuja manutenção, tem nos limites materiais da actual lei constitucional o santo remédio para afastar os receios da consolidação do Estado Democrático e de Direito. Em sentido contrário, ficamos embalados pelos resultados fraudulentos de uma maioria parlamentar que hoje ignora a origem das nossas leis e faz leis para servir apenas um grupo, enterrando as conquistas alcançadas.


Vai chegar um dia em que todos farão um ar admirado e se mostrarão incapazes de explicar a situação a que se chegou. E quando este grupo um dia terminar o seu reinado, a lei que ora aprovou já não servirá. Até lá, oxalá que não venhamos assistir episódios daqueles em que o feitiço vira contra o feiticeiro. Por isso evitemos a arrogância e a prepotência na hora de aprovarmos uma lei tão importante como a constituição que deve servir a todos e não apenas a alguns.