Luanda - “O panafricanismo nasceu fora de África, o pan africanismo como ideologia política, ele demonstra isso na sua obra, estabelece todos estes vínculos, entre Whilte Vladly, da Ilhas virgens do Caribe, uma pequena Ilha onde surgiu este panafricanista que foi o defensor da emancipação de todo o continente”, quem assim afirma é o acadêmico cubano  Carlos Moore, em palestra realizada em Luanda em homenagem a Mario Pinto de Andrade primeiro Presidente do MPLA.


Fonte: Club-k.net


“Foi isto que me seduziu em Mário de Andrade, foi isto que me seduziu em Viriato da Cruz, não estou a querer dizer que o Mário de Andrade era perfeito longe de mim, não estou a querer dizer que o Viriato da Cruz era perfeito, longe de mim, não digo que eles próprios não cometeram erros, longe disso.”


Integra da brilhante  dissertação do Professor Carlos Moore, em Palestra Realizada no dia 21 de Agosto de 2009, na Universidade de Lusíada em Luanda e que nos foi gentilmente cedida por Claudio Ramos Fortuna.

 

  
Alunos e jovens, sobretudo me dirijo aos jovens, que é nas suas mãos que ficará o destino deste país, e que finalmente vai ser decido, o será deste país no futuro.


A minha presença aqui justifica-se unicamente pelo facto de ter tido uma amizade pessoal com três das pessoas que tiveram uma influência decisiva na luta de emancipação deste país, e que tomaram posições deferentes em diversos momentos importantes do desenvolvimento e do pensamento politico e, sobretudo, no desenvolvimento da luta politica pela emancipação não somente de Angola, mas das outras colónias portuguesas e de uma maneira geral do continente africano. No caso específico vamos falar deste grande companheiro, amigo e irmão, Mário de Andrade, mas eu devo alertar-vos que a minha relação não foi somente com o Mário de Andrade, foi uma relação também com um outro grande nacionalista e pensador, que esteve nas origens do nacionalismo moderno angolano.


Temos pois que fazer uma diferença entre o nacionalismo moderno, quer dizer, a luta contemporânea em Angola, e o trabalho dos nacionalistas que precederam e criaram a Liga Africana e estabeleceram as bases deste nacionalismo, que a partir dos anos de 40, 50 e 60, foi tendo bifurcações diferentes, uma para a fundação do MPLA, outra para a fundação da União das Populações de Angola (UPA), e a outra para fundação de um Movimento chamado UNITA.

 

Eu tive a oportunidade de conhecer, primeiro, aquele que fundaria a organização chamada UNITA, o Dr. Jonas Malheiro Savimbe, que conheci no Cairo, em 1966, e que já havia fundado o seu Movimento, estava à organizar o seu partido, com ajuda do Egipto e da China, logo a seguir à minha ida para a Europa, para começar a minha própria vida de exilado, conheci o companheiro e irmão, Viriato da Cruz, e a pessoa que me apresentou e levou o Viriato da Cruz para minha casa está aqui presente nesta sala, e gostaria de reconhecer a sua presença é o Dr. Mário Clington, que levou pela primeira vez o Viriato da Cruz para minha casa e assistiu as extensas discussões que tivemos. O Viriato frequentava todas as noites a minha casa, naquela altura ele vivia sob perseguição da PIDE, a polícia secreta portuguesa, não comia em qualquer lugar, comia apenas a comida confeccionada pela minha esposa, por causa da desconfiança que tinha de poder vir a ser envenenado.

 

O Viriato da Cruz foi para a China e vocês conhecem talvez o resto da situação, tanto mais que existe um livro editado por uma editora angolana sobre o Viriato da Cruz, acho que foi a primeira obra sobre ele aqui em Angola ou fora, refiro-me ao livro sobre a sua correspondência na China.

 

O encontro com o Mário acontece alguns anos depois, numa altura em que ele, por razões de uma cisão interna que houve dentro do MPLA, se exila também. Depois de ter sido Ministro da Cultura na Guine Bissau, vai a Paris, já eu tinha uma relação estreita com a sua família, com a sua esposa a Sachará Maldoroly, uma amiga intima que é do mesmo país da minha esposa, ou seja da Guadalupe.

 

A relação com o Mário estreitou-se imediatamente, porque o Mário era um homem que à parte de ser um intelectual brilhante, como Viriato da Cruz e o próprio Jonas Savimbi, que era um homem brilhantíssimo também, não vamos….(aplausos)... Os erros que os homens cometem no seu percurso histórico como homens políticos são uma coisa, mas negar o que eles são é outra coisa que um intelectual não deve ignorar …aplausos.


Eu falo na posição de alguém que também esteve numa situação de desacordo, com o próprio processo do qual eu sou um produto em Cuba, encontrei-me em desacordo sérios, em determinados momentos, com certos aspectos deste processo. Portanto, sei qual é a importância que um intelectual deve assumir para conferir a verdade histórica.

 

Uma das coisas que mais me impressionava em Mário de Andrade era o respeito que ele tinha pelas opiniões diferentes das dele, o respeito que ele tinha pela verdade histórica, e o compromisso que ele tinha com a luta política, não somente nos países africanos das colónias portuguesas, mas compromisso com todas aquelas lutas que se estavam a desenvolver, não somente no continente africano, mas as que se desenvolviam fora do continente africano. Aqueles tiveram a oportunidade de ler o seu livro, que infelizmente não está à venda em Angola, pois foi publicado fora de Angola graças à intervenção da sua filha Henda Ducados de Andrade, e este livro, cujo titulo é, “AS ORIGENS DO NACIONALISMO AFRICANO”, dá uma visão da orientação de Mário de Andrade, mostrando que ele não se referia apenas às origens do Nacionalismo Angolano, mas sim às origens do nacionalismo em Africa, da luta de todo o continente Africano, e é isto que estabelece uma visão muito alargada da visão de homens como Mário de Andrade e Viriato da Cruz, e outros pan-africanistas como Patrício Lumumba, que viam o continente como um todo, como um foco desta luta, e não somente os seus países de origem, não era somente um nacionalismo limitado às fronteiras dos nossos países de origem, eram nacionalistas por obrigação, porque vinham de lugares cuja independência tinha sido confiscada pela colonização, confiscada pelo Imperialismo, confiscada e destruída pela monstruosidade, a maquina monstruosa que se apoderou de todo o continente Africano, que levou ao esquartejamento de todo continente, em 1884, 85 e 86, nesta ridícula conferência, chamada conferência de Berlim…(aplausos)... Conferência de Lobos, conferência de Imperialistas, conferência daqueles que estavam totalmente vocacionados para a conquista, levados pelo ódio, fundamentalmente pelo ódio, daqueles que eles consideravam como povos de raça negra, povos inferiores.

 

Mário de Andrade compreendeu este carácter duplo da colonização e do esquartejamento do continente africano, que não era somente uma conquista económica e militar, mas também uma conquista cultural e uma conquista racial. Portanto, no pensamento de Mário sempre houve esta visão panafricana, que não era somente pela Independência de Angola, não era somente a Independência das colónias portuguesas, que não era somente a independência dos países africanos um por um, o objectivo não era o de construir unidades separadas, moléculas soltas, mas sim de chegar a uma federação continental, como sendo a única solução viável para que a Africa pudesse ter uma voz e plano de igualdade com as potências mundiais, para poder fazer valer os seus Direitos, não somente dos Africanos aqui no continente africano, mas desses 150 a 170 milhões de Africanos que existem fora das fronteiras do continente… (aplausos)...


Mário de Andrade foi um dos poucos dirigentes que na época já tinha uma visão panafricana, que incluía todas estas componentes, a luta contra o racismo, porque hoje estamos numa situação, onde o racismo é banalizado nos nossos países, se banaliza o racismo se nega inclusive a existência do racismo... (aplauso)... quando, em boa verdade, todas as nossas sociedades são dominadas por uma visão “radicalizada”de submissão aos padrões racistas estabelecidos pela colonização, e a dominação imperial Europeia. Mário de Andrade, compreendeu tudo isto muito cedo, por isso é que o encontramos no comité que organizou a primeiro congresso em Paris de escritores e artistas negros, o encontramos no segundo congresso em 1959, também encontramos o Mário de Andrade em todas as manifestações que reivindicaram ao mesmo tempo a independência dos países africanos e a própria emancipação de todo continente, a criação de um estado Federal continental e a solidariedade com as disporás africanas.


Porque hoje, este pan-americanismo que tomou o poder nos países africanos de 1960 para cá, esqueceu-se de que não há somente uma África aqui no continente africano, mas há uma Africa além deste continente. Uma África que tem que ser incluída nos nossos projectos de desenvolvimento não somente nacional, mas no desenvolvimento como continente. Foi esta visão panafricana do Mário Pinto de Andrade que me seduziu quando o conheci, foi esta dimensão do homem que se dedicou a analisar os contextos da tragédia africana em vários níveis que me seduziu, esta visão crítica, nesta obra a que fiz referência atrás, “AS ORIGENS DO NACIONALISMO AFRICANO” e que, agora dirijo-me ao senhor Reitor, eu acho que vocês deviam seriamente considerar a inclusão desta obra no currículo geral e não somente no currículo daqueles que estudam gestão. Porque são compartimentos estanques que as nossas Universidades têm herdado das Universidade europeias, são compartimentos que não nos levam para uma visão holistica dos nossos problemas… (aplausos)...


Temos que dar aos nosso estudantes, disciplinas que os desafiem a ter uma visão Multidisciplinar, Multipolar, Multicultural, Multi-étnica e Multi-cientificas…(aplausos).


Quebrar esta inércia actual, na qual o continente africano perdeu depois das independências, ou seja, estas independências pelas quais tantos morreram, e não foram milhares, foram milhões que morreram desde 1960 para cá, morreram milhões, para estas independências, e hoje o que temos é 52 países africanos débeis, sem força, sem capacidade nenhuma para defender pelo menos as fronteiras áreas, marítimas e territoriais …(aplausos)...


Países cuja memória histórica é violada, países que não permitem que os seus próprios cidadãos se organizarem, países que lutaram contra o apartheids, mas criam um novo apartheid dentro das suas próprias fronteiras, países que denunciam hipocritamente as violações dos direitos humanos nas Nações Unidas, mas praticam dentro das suas próprias fronteiras estas violações…aplausos... Não é assim que se cria uma nação, o desenvolvimento não pode ser isto, e os jovens que estão aqui, devem saber que o desenvolvimento não é repetir como papagaios tudo o que se ensina, tudo o que se lê e tudo o que se absolve através da propaganda. O vosso dever como estudantes, o dever de cada um de vocês é o de ter uma consciência crítica, de pensar com as vossas próprias cabeças e julgar com as vossas próprias cabeças…(aplausos)...
 

Foi isto que me seduziu em Mário de Andrade, foi isto que me seduziu em Viriato da Cruz, não estou a querer dizer que o Mário de Andrade era perfeito longe de mim, não estou a querer dizer que o Viriato da Cruz era perfeito, longe de mim, não digo que eles próprios não cometeram erros, longe disso. O importante é que eles tinham uma visão crítica, eles ousavam pensar, não eram simplesmente repetidores de slogans e ideias, eram pessoas que aceitavam o diálogo, ora, aquele que não aceita o dialogo não pode em nenhum momento construir estruturas democráticas, as estruturas democráticas só podem existir dentro de uma situação de dialogo e nós temos que aprender de novo a dialogar, temos que aprender a dialogar… (aplausos)...Temos que aprender a dialogar e o primeiro principio para o dialogo é o respeito pelo outro, da opinião do outro, mesmo que não estejamos de acordo com ele, nós não podemos estar sempre de acordo, eu mesmo não estou sempre de acordo com a minha própria família, a minha esposa não está sempre de acordo comigo, a minha filha nem sempre está de acordo comigo, dentro das nossas próprias famílias biológicas existe o desacordo. Mas o desacordo é a base fundamental para se chegar a um acordo, e logo depois de se chegar a este acordo, surgem novos desacordos, mas a vida é assim! A vida em geral é assim, e quando se trata de reprimir os desacordos chegamos a uma situação intolerável, aquelas situações que nós sempre denunciámos e que não aceitamos para nós mesmos.


Então, a minha contribuição hoje é para restabelecer um pouco esta visão de quem foi Mário de Andrade, o Mário de Andrade que eu conheci, não a outra, a do Mário de Andrade que eu não conheci, falo do Mário de Andrade, aquele Homem triste. Homem triste sim! Homem triste por saber que tudo que ele fez, todos os seus esforços para a libertação do seu povo e de todos os povos que ele considerava como seu povo, não lhe deram a oportunidade de poder dar uma contribuição afinal no seu próprio pais. Porque morreu fora do seu país, como tantos outros morreram, fora dos seus próprios países. Aquele homem que, apesar da tristeza do exílio, apesar do peso enorme que ele carregava sobre si, nunca, nunca em nenhum momento deixou de lutar e de abandonar este espírito crítico, e nunca também deixou de trabalhar a favor da unidade do continente. Porque neste livro, “AS ORIGENS DO NACIONALISMO AFRICANO”, ele traça bem todas as confluências que houve fora de Angola, para que a luta que teve início neste país levasse à independência em1975. Mostrou todas as confluências que contribuíram para esta luta, mostrou como desde o movimento do Simão Kimbango e de Jean Kidawala, no Congo vizinho, desde os movimentos Whelton na Africa do Sul, bem antes da criação do ANC, o Movimento de Devant Timath, no Kenya, o Movimento da União das populações dos Camarões, dirigida por Ruben Nhobé, mostrou como de todos estes movimentos surgiram e as condições para a criação daqueles Momentos críticos que houve em Angola, o que levou à criação de Movimentos nacionalistas e à independência deste país, frisou todas estas revindicações pela libertação do continente e que nasceram fora de Africa.


Porque o panafricanismo nasceu fora de Africa, o pan africanismo como ideologia politica, ele demonstra isso na sua obra, estabelece todos estes vínculos, entre Whilte Vladly, da Ilhas virgens do Caribe, uma pequena Ilha onde surgiu este panafricanista que foi o defensor da emancipação de todo o continente, neste livro ele detalha como é que o Silveste Williams, de uma outra ilha pequena do Caribe, com Bry Tobar e com Senghor, realizam a primeira conferência panafricana em Londres, seguindo-se as conferências de Paris, de Lisboa e as conexões com a Liga Africana, e com os diferentes dirigentes proto-nacionalistas, conferências sobre Angola onde já trabalhavam em vinculações com os Pinto de Andrade os que estavam dentro da Liga Africana, e outras vinculações com panafricanistas de fora, como o checo Pavaraty, com Tublo Wenó, com o Lmine Senghor do Senegal. Todas estas vinculações que se fizeram com o movimento Garvenista do Jamaicano Marcus Garveny. Este livro detalha claramente estas vinculações, ou seja, esta situação na qual nos encontramos hoje em África é uma situação, é preciso dizê-lo, é uma situação terrível, porque nós estamos incapacitados de oferecer aos nossos povos a dignidade que merecem e precisam, nós estamos em condições de poder oferecer um desenvolvimento económico coerente, não estou a falar deste desenvolvimento em que são as nossas matérias-primas que são constantemente exportadas para fora do continente, deixando os nossos países cada vez mas fracos, cada vez mais débeis.

 

O que vai acontecer quando o petróleo acabar em Angola?

O que vai acontecer quando os diamantes acabarem em Angola?

 

E a Africa sempre teve este papel nos últimos quinhentos anos, de ser o provedor de matéria-prima, e provedor de mão-de-obra. Primeiro exportaram a mão-de-obra africana, com as cumplicidades locais, a África exportou quinze milhões de homens e mulheres para fora do continente, e hoje exportam-se as matérias-primas com a mesma tranquilidade.

 

 O que é que vai acontecer quando as matérias-primas acabarem?
 

A Nigéria está praticamente no ponto de nos próximos dez a quinze anos, o petróleo já estará no fim.
 

O que será da Nigéria, e da Angola quando estes recursos acabarem?
                     

A onde é que estão os verdadeiros planos de desenvolvimentos destes países africanos para manter a sustentabilidade?

 

Não somente nos próximos vinte e cinco anos, mas também no século XXІ, e além do século XXІ. Neste momento as grandes potências não estão a utilizar os seus recursos minerais, os Estados Unidos é um dos maiores produtores de petróleo, mas eles não tocam no seu petróleo, usam o petróleo de todos os outro países, desde a Venezuela, Angola, Gabão, de todos os países, porque eles sabem que quando o petróleo terminar no mundo, países como Angola, vão pedir de joelhos para comprar petróleo nos Estados Unidos. Então, eu gostaria de dizer aos jovens que reflictam, que o exemplo de Mário de Andrade deve seguido por vocês, o exemplo do pensamento crítico, reflictam sobre o futuro deste país, não só agora, mas sobre o provir de Angola, até sobre o provir do continente africano.


Porque lembrem-se, se a Africa não chegar nos próximos vinte e cinco anos a construir um Governo Federal, uma economia coerente a nível continental, meios de defesa coerentes e credíveis, e uma politica geral para o continente, uma política para o desenvolvimento, sobretudo uma política coerente e inteligente, e cientifica para desenvolver todo o continente e defender os seus recursos, se não chegarmos nos próximos vinte e cinco anos a articular este tipo de visão, se os jovens não defenderem este tipo de projecto, porque o único projecto que é digno de ser defendido é o projecto pan africano.


Fora de um projecto pan africano estamos perdidos. Porque, as independências nacionais confinadas a cada nação, já sabemos o que aconteceu antes, olhem para a Historia, a Africa foi conquistada, porque se conquistou um por um, cada um daqueles reinos, vocês se lembram do reino do Congo, conquistado utilizaram inclusive as forças daquele reino da Matamba, para conquistar outras populações, foi assim que o imperialismo avançou e se consolidou, se a Africa não chegar a se constituir numa potência central na Africa continental, com a Africa extra continental, estarão perdidos.

 

Muito Obrigado pela oportunidade.