Luanda - Quase cinquenta anos volvidos, é mais do que justo desabafar, os sonhos sonhados do meu pai, as expectativas e as aspirações que se vislumbravam no horizonte da nova Angola, naquele 11 de Novembro de 1975. O processo foi longo, doloroso e se desdobrou em diversas encruzilhadas traiçoeiras. Cada tombo de um companheiro de luta, valia a pena sonhar o sonho.

Fonte: Club-k.net

Por tudo isso, mas, principalmente, pela satisfação das necessidades mais básicas, falta realizar Angola. O sonho de um país próspero, livre e de futuro, é precisamente isso: um sonho. Que confrontado com a realidade e, quase cinco décadas depois, é oferecido aos filhos, netos e bisnetos dos de Novembro, amordaçado, hipotecado, moralmente falido, e sem esperança no amanhã, vivendo uma ditadura encapuçada de democracia.


“Não é este o país que o meu pai idealizou, porque o país que sonhou não era, de fuzilamentos em massa por reivindicar os seus direitos”


Este não é o país livre que o meu pai sonhou, o seu povo vive ultrajado, acorrentado à miséria e à indigência. Em que as novas gerações vivem deambulando nos becos da incerteza, aguardando por um futuro que tarda em chegar, onde o Estado assalta os seus projectos de vida e saqueia os seus sonhos.


Que país livre é este, que o apadrinhamento político continua ser a chave do sucesso para subir na vida. O carácter, as convicções e a liberdade são vendidos por míseros tostões nas esquinas do poder instituído, e o mérito deu lugar ao facilitismo.


“Não é este o país que o meu pai idealizou, porque o país que sonhou não era, de um Governo em que se confunde com partido e um partido se confunde com o Estado.”


No sonho do meu pai, levo comigo lições de uma Angola verdadeiramente livre e justa, onde não há espaço para fome, descriminação, desigualdades e intolerância. No país dos sonhos do meu pai, os médicos nunca prescreveriam remédios sem medicamentos, as crianças nunca seriam matriculadas sem escolas, os pratos jamais seriam servidos sem comida. Meu pai sonhava que as pessoas se irmanariam diante de tanta desgraça, da fome ou da pobreza extrema que nos assola. Na caminhada da utopia, solidários caminhávamos desamparados, cada 3 passos dado, a utopia se distancia, os mesmos três passos.


“Não é este o país que o meu pai idealizou, porque o país que sonhou não era, de uma comunicação social prostituída e violada na sua independência.”


Este não é o país que o meu pai sonhou, que se encontra perante uma ditadura de opinião, num período de liberdade condicionada, onde a comunicação social estatal é um braço armado do sistema que patrocina os corredores do poder e, joga na roleta dos interesses instalados.


Mas por que falar de sonho agora? Efectivamente, meu pai nunca deixou de sonhar. Mas admito, encontrei os seus sonhos exaustos, rabiscados numa folha velha de papel, empoeirada, desbotada com o tempo que teima em não chegar.


Meu velho hoje cansado, com olhar distante, já não quer mais nada, pensou na dipanda, assumiu compromisso, quase morreu sem causa, se não fosse a esperança de ver o povo na buala na total utopia sem beleza.


“Não é este o país que o meu pai idealizou, porque o país que sonhou não era, de uma justiça parcial e instrumentalizada que não incomoda nem mesmo os juízes”


Que liberdade é esta, que quem luta pelo que acredita é adjectivado de revú, é logo perseguido, ameaçado e muitas vezes prejudicado se não alinhar com os poderosos. Não busco nada etéreo, inatingível ou retórico. Além da gente da minha gente que me fascina e inspira com sua a resiliência, com o despertar do grito da zungueira, com a força e fervor dos jovens, abracei com força aqueles que constroem para transformar nosso país em um lugar mais acolhedor para todos.


É hora de começar um tempo novo, de uma acção política humanista e que coloque o Estado ao serviço do povo e não o seu contrário. É hora de rasgar o véu que separa o povo dos políticos, de dar oportunidade a uma nova visão e a novos protagonistas, sem vícios e capazes de serem verdadeiramente livres para cumprir Angola!


Desejo um país mais humano e fraterno! Que a utopia que guiou meu pai, me guie!


Porto, 7 de Maio de 2021
Por: Sazi Khulula