Luanda - Este Ano, de 2021, o Dia da África coincidiu com o Dia em que o «George Floyd» foi barbaramente assassinado no dia 25 de Maio de 2020, na cidade de Mineápolis, no Estado de Minesota, nos Estados Unidos da América, que provocou o movimento mundial de «Black Lives Matters», que assemelha o movimento de direitos cívicos das décadas 50 e 60, que mexeu com os Estados Unidos da América. Essa ligação feita entre o Dia da Fundação da Organização da Unidade Africana (União Africana), em 25 de Maio de 1963, e a morte barbara do George Floyd, tem a ver com a interligação existente entre a luta da libertação da Africa e o tráfico de escravos, a escravatura, as guerras de conquistas e de ocupação dos territórios africanos, a colonização, as lutas da descolonização, a Negritude e o Pan-Africanismo.

Fonte: Club-k.net

Nesta linha de pensamento é importante salientar que, o movimento dos direitos cívicos (1954-968), protagonizado pela comunidade afro-americana, de grosso modo, serviu de instrumento catalisador da consciencialização dos povos africanos contra a colonização europeia. O movimento de direitos cívicos, acima referido, pugnava pela cidadania plena dos negros americanos e pela igualdade de todos cidadãos americanos. Este movimento cívico opunha-se energicamente ao racismo, à supremacia branca, à segregação racial e à injustiça social. Portanto, de entre os activistas cívicos que estiveram na vanguarda do movimento cívico, destacamos William Edward Burghardt Du Bois, Malcolm X, Martin Luther King Jr., Rosa Parks, Stokely Carmichael, Harriet Tubman, Sojourner Truth, etc.

 

Neste respeito, Doutor W.E.B. Du Bois foi um dos proponentes do Pan-Africanismo, que defendia firmemente a libertação total do Continente Africano, dizendo que, “a Africa é dos Africanos e a Europa é dos Europeus.” Esse verso filosófico, do nacionalismo africano, despertou a consciência nacionalista e patriótica dos povos africanos para libertar o Continente Africano do Colonialismo Europeu.

 

Repare que, o movimento dos direitos cívicos (1954-1968) dos afro-americanos estava estreitamente ligado ao movimento cultural da Negritude e do Pan-Africanismo, que visavam despertar a consciência da raça negra para valorizar a sua cultura, ganhar a consciência da sua condição social, ter autoestima, libertar-se do jugo colonial e opor-se ao racismo, à escravatura e a outras formas de opressão, de exploração e de segregação racial.

 

Importa sublinhar que, o Movimento da Negritude teve início no princípio do Século XIX, como sendo uma corrente literária que agregou intelectuais, escritores e políticos negros, mestiços e brancos, dos Estados Unidos da América, das Antilhas, do Brasil, da Europa Ocidental e da África. A Negritude ganhou maior amplitude e ficou sistematizado na década 30, com o ingresso neste movimento literário das personalidades de renomes como: René Maran, Aimé César, Léopold Sédar Senghor, Leon Damas, Jean-Paul Sartre, etc.

 

Como ficou acima sintetizado a Negritude é o “Conceito Sociocultural,” que visava essencialmente a “humanização” e a “dignificação” dos povos da raça negra, de modo a valorizar a sua Cultura e a sua Dignidade humana, para que possam integrar-se no Concerto das Nações do Mundo como povos livres e independentes, com acesso à cidadania e aos direitos humanos. Convém realçar que, a Negritude nunca defendeu o «Racismo Negro» contra a Raça Branca, já que, por natureza, a Raça Negra é que sempre viveu sob o jugo da supremacia branca, que ficou caracterizado como sendo a «superioridade biológica branca», que foi alvo de repúdio e de contestação veemente pelo Doutor W.E.B. Du Bois.

 

Essa narrativa teórica, acima descrita, é que representa a «visão filosófica» da Negritude, que foi sujeita às interpretações distorcidas, quer pela Corrente Ideológica do Internacionalismo Proletário, quer pela Escola de Pensamento do Capitalismo Ocidental. Embarquei-me nesta explanação sucinta da Negritude e do Pan-Africanismo devido o ressurgimento do «Conceito da Supremacia Branca» nos EUA e na Europa, a violência gratuita contra a raça negra, a exclusão social dos negros, as desigualdades abismais entre as comunidades negras e as comunidades brancas, bem como o tema que a União Africana escolheu para este ano de 2021, intitulado: “As Artes, Cultura, Herança e Património: Alavancas para Construir a África que Almejamos.”

 

De acordo com a União Africana, este tema de 2021 significa, «promover este tema para fazer parte integrante da Agenda da União Africana sobre as metas de 2063, para que África seja aquela que deve preservar a sua identidade cultural, a herança comum, a ética e os valores partilhados».

 

Na minha leitura pessoal, desta conjuntura, parece-me que, a União Africana esteja ciente do fenómeno da desculturação dos povos africanos, que há-se conduzir à neocolonização cultural, que vai resultar-se na dominação do Continente Africano pelas Potências Mundiais, que possuem Culturas fortes, assente no potencial económico, tecnológico e científico, impondo-se sobre os povos menos desenvolvidos, cujas Culturas estão fortemente fragilizadas, sem capacidades suficientes para fazer face aos factores da globalização.

 

Este fenómeno, da aculturação, da alienação cultural e do atraso, tem maior incidência na África Subsariana, sobretudo nos grandes centros urbanos onde a influência da cultura cosmopolita é dominante na camada juvenil. Além disso, registam-se dois fenómenos que são muito preocupantes, sendo: o fundamentalismo islâmico e o expansionismo chinês, que se fazem sentir fortemente na Região Subsariana.

 

Convinha sublinhar que, a África Subsariana tem o potencial económico muito grande em matérias-primas, mas é uma região mais atrasada do mundo: sem infraestruturas sólidas, sem indústrias avançadas, sem o domínio das tecnologias modernas, sem instituições fortes, sem governos competentes; com níveis elevadíssimos de pobreza, com fugas de cérebros, com fugas da população activa, com fugas de capitais; e mergulhada em dívidas excessivas, em conflitos internos e na corrupção sistémica. Este quadro sombrio favorece a estratégia do fundamentalismo islâmico, do expansionismo chinês e do capitalismo ocidental.

 

Na minha óptica, desde sempre, percebi que o destino da África está intrinsecamente ligado às comunidades africanas espalhadas pelo mundo, sobretudo as que se encontram nos EUA, no Brasil, nas Antilhas e na Europa. Essas comunidades estão melhores esclarecidas e melhores equipadas para fazer face aos grandes desafios do Século XXI. Conforme ficou expresso neste texto, mesmo estando na diáspora, mas preocuparam-se com a libertação do Continente Africano do jugo do colonialismo europeu, e dinamizaram o movimento independentista. Aliás, são elas que teorizaram e sistematizaram a Negritude e o Pan-Africanismo, como instrumentos de emancipação e de autodeterminação dos povos oprimidos. O potencial técnico-profissional e intelectual das comunidades africanas na diáspora constitui uma mais-valia para a construção da África moderna e desenvolvida, somente se elas tiverem o espaço merecido para dar a sua contribuição inestimável.

 

Quanto aos desafios do Século XXI, da Agenda 2063, África deve levar a sério a «Unidade» do Continente, que passa necessariamente pela integração continental, pela industrialização, pela construção de infraestruturas, pelas autoestradas, pelas linhas férreas continentais, pelos aeroportos de grande porte, pelas telecomunicações integradas, pela eletrificação global, pelo aproveitamento sustentável dos recursos hídricos, pela industrialização da agricultura, pelo fomento rural e pela formação e valorização de quadros africanos.

 

Enfim, África deve superar a corrupção sistémica e a sua dependência excessiva dos países industrializados, que tiram o melhor proveito das suas matérias-primas; sufocam a sua economia; corrompe os governantes; aprofundam o atraso; paralisam o sector produtivo; promovem a escravatura moderna; bloqueiam a modernização e a industrialização; e agravam os níveis de dependência externa, de corrupção, do endividamento, de desigualdades, da fome e da pobreza extrema. Interroga-se, será que África tem Instituições sólidas e Lideranças fortes, honestas e competentes, entreguem totalmente à Causa dos Povos do Continente? Ali estará a Grande Questão!


Luanda, 29 de Maio de 2021.