Luanda - A incompreensão da aplicação da multa ao Advogado resultante da improcedência do Habeas Corpus no Código de Processo Penal Angolano nos termos do n” 2, do art. 292.”.

Fonte: Club-k.net

A Constituição da República de Angola, baseada em princípios de Estado de direito e democrático consubstanciada na dignidade da pessoa humana, promove e defende direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.

 

Assim, havendo abuso do poder em virtude de uma prisão ou detenção ilegal, o titular do direito violado poderá lançar mãos a providência de habeas corpus nos termos do art. 68.” CRA conjugado com o art. 290.” CPP.

———- Enquadramento técnico e dogmático do Instituto do Habeas Corpus ———

Este instituto, surge em Inglaterra na Magna Carta de 1925, como uma imposição imposta pelos nobres ao Rei, com o objetivo de fazer o controlo da prisão dos cidadãos (Raul Araújo/Elisa Rangel, Constituição da República De Angola Anotada, tomo I, Luanda, p. 388, 2014).

 

Na esteira dos Professores Gomes Canotilho e Vital Moreira citados pelos Professores Raul Araújo e Elisa Rangel, a teleologia Constitucional do Habeas Corpus é dificilmente conciliável com uma visão estritamente processualistica que remete a acção do habeas Corpus para simples modo de impugnação processual de medidas penais de coação.

 

Pelo acima exposto, importa referenciar que este instituto em processo penal funciona como uma salvação que visa restituir a liberdade do arguido durante a fase instrutória. Ou seja, é uma providência extraordinária destinada a garantir a salvaguarda dos direitos e liberdades fundamentais do arguido sempre que se verifique os pressupostos previstos pela constituição e a lei.

 

Entre nós, fruto da prática processual penal (como Advogado) e pela busca incessante da compreensão deste instituto, chegamos à conclusão que o mesmo tem uma natureza jurídica “camuflada” do recurso extraordinário de inconstitucionalidade na fase processual penal instrutória, dito doutro modo, o Habeas Corpus, face aos seus fundamentos, equivale ao recurso extraordinário de inconstitucionalidade que se requere ao Tribunal Constitucional. Entretanto, a impugnação feita pelo arguido através deste instituto constitui um ganho do Estado de direito para a prevenção de ilegalidades e abuso do poder.

———— A incompreensão da multa passada ao Advogado nos casos da improcedência do Habeas Corpus ————-

Se atrás afirmamos que este instituto constitui um ganho, o mesmo não se poderá dizer quanto a multa que é passada ao Advogado pela improcedência do requerimento que visava a restituição do arguido pelos fundamentais ab initio apresentados. E porque motivos defendemos essa tese?

 

A nossa posição resulta do facto, do defensor (Advogado) praticar actos no interesse do seu constituinte mas sempre na observância da Constituição e a lei, aliás, qualquer defensor não se procederia sem olhar para os fundamentos do Habeas Corpus. Ademais, se atendermos o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto pelo art. 29.” CRA, e aqui transcrevemos “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos Tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos”, perceber-se-a que a razão de ser deste instituto é a manifesta injustiça que o arguido pretende acautelar e nos termos desta disposição constitucional assistirá sempre razão ao arguido para buscar todos os meios possíveis para a prevenção dos seus direitos e daí olhar para este instituto como uma salvação.

 

Sendo assim, o legislador ordinário no novo CPP na nossa óptica cometera um recuo nas garantias dos arguidos, visto que, face à natureza deste instituto processual penal e em obediência a CRA, o defensor (Advogado) é uma entidade ao serviço da justiça para fiscalizar, prevenir e praticar actos no interesse dos constituintes, pelo que a multa prevista pelo n” 2 do art. 292.” enquadra-se como uma norma disconstitucionalizada e inibitória aos arguidos para recorrem das lesões dos seus direitos.

 

Por conseguinte, tal previsão legal não traduz o espírito dum processo penal e direito penal constitucionalizante, baseado em premissas profícuas do regime geral dos direitos fundamentais, e na lógica metafórica do Professor Jorge Reis Novais “os direitos fundamentais funcionam como trunfos contra preferenciais externas, designadamente contra pretensões estatais em impor ao indivíduo restrições da sua livre autodeterminação” (Jorge Reis Novais, Direitos Fundamentais e Justiça Constitucional, I edição, p. 37, 2012).

 

Em guisa de conclusão, como cidadão comum e Advogado que lida com um sistema de Justiça manifestamente precário (muitas vezes) para a obtenção dos meios de provas necessários e indispensáveis para sanar irregularidades que se assistem durante a fase de instrução preparatória e face a isso o Habeas Corpus constituir a garantia para tal violação de direitos, hoje o legislador vem inibindo os arguidos de lançarem mãos a ele sob pena de aplicação de multa ao Advogado.

 

Outrossim, verdade seja dita, mesmo nos casos em que se recorria ao Juiz de turno e a actual realidade não foge à regra, a maioria das impugnações são sempre improcedidas pelo Magistrado Judicial, pelo que, o poder discricionário dos Magistrados e muitas vezes com despachos não bem fundamentos continuam e continuarão a não aplicar a justiça desejada e agravar-se ainda estranhamente com uma multa quando o que se pretendia no processo é salvaguarda dum direito do arguido preso.

 

Em via de regra, os actos administrativos têm uma dupla feição que é a procedência do requerimento ou a sua improcedência quando não se manifeste os seus fundamentos previstos na lei. Ex: Pedir uma licença de construção, pedir uma licença para o exercício da actividade comercial etc. E Será que num processo penal e no instituto em causa, face à defesa dum bem jurídico fundamental que é a “liberdade” justifica-se aplicar multa ao Advogado pela improcedência do Habeas Corpus?

 

Obrigado a todos os leitores assíduos e agradecia que me ajudassem a encontrar a razão de ser desta disposição legal do CPP.

Autor: Abel António Kotingo