Luanda - A Jamba era a capital do vasto território controlado pela UNITA até à assinatura do Acordo de Paz em 1991, Bicesse, Portugal. Na então internacionalmente muito famosa localidade, habitava uma considerável população, entre crianças, mulheres, idosos e não só. A concentração da população nessa localidade que aconteceu ao longo de vários anos, levou as autoridades politico-militares e administrativas a criar uma administração caracterizada por um “Governo Autónomo da Jamba” para poder administrar o que hoje se transformou na “Comuna da Jamba” na Província do Kuando Kubango, isto é o território e as populações que nela viviam.

Fonte: Club-k.net

Num contexto de guerra, administrar era um grande desafio e ao mesmo tempo, determinante para se poder manter em segurança, saúde, educação, e organizadas milhares de pessoas que viviam nessa parcela do país, muitos deles que tinham abandonado as cidades para se juntarem à causa da UNITA, outros militares no cumprimento do seu dever “revolucionário” de então e outros ainda por várias outras razões mas todos sob os auspícios e protecção e autoridade da UNITA. Eram pessoas saídas das então 16 províncias de Angola, com hábitos e costumes diferentes. – Portanto, “Não foi fácil construir do nada um lugar habitável com nome, localização, população, território, regulamentos e leis próprias!


Convido-vos, pois, caros leitores à assistir ou oltar a assistir o vídeo do Dr. Savimbi sobre a Administração no canal Youtube , uma vez que assim compreendereis melhor a profundidade e o alcance deste singelo artigo.


É importante salientar também que grande parte, ou mesmo a maioria dos que foram se meter nas matas, por váriadíssimas razões, mas todas debaixo da causa maior que a UNITA perseguia, NÃO TINHA noção dos desafios e sacrifícios a que estariam submetidos e que a guerra seria prolongada, desgastante e muito dura; Assim, mesmo no meio de uma guerra muito violenta, foi possível fazer que a Administração na Jamba funcionasse e para tal, ela contou com a entrega abnegada e incondicional daqueles que, antes da independência, já eram operários ou funcionários públicos da administração colonial e de muitos outros com formação profissional e académica bastante aceitável, à exemplo dos que tinham terminado o quinto ou sétimo ano do liceu daquele tempo. Havia uns que até já tido suas profissões sólidas tendo sido Chefes e Administradores de Posto, Professores, Enfermeiros, Jornalistas, Padres, Pastores, Mecânicos, Electricistas, Telefonistas, Escrivões, etc, etc.


Foram esses angolanos que ajudaram a construir do zero a Jamba que se tornou, por mérito próprio, uma referência de organização numa guerra de guerrilha para todo o Mundo, com milhares de visitantes, com destaque, principalmente para os diversos jornalistas africanos, europeus, americanos e não só, que passaram pela Jamba.

A Jamba tinha alguns edifícios públicos feitos de cimento e argamassa, outros de adobe, e muitos outros de madeira e as casas maioritariamente de pau a pique ou loneva (caniço), cobertas de capim ou ainda casas de pau à pique de “okumana” (barreadas); era como se fosse uma cidade em plena mata.

Para que a história registe e para que aqueles que viveram esses tempos sejam de alguma foram homenageados, destaco aqui muitos dos serviços da organização administrativa da Jamba:

Gerida por um Governador, a Jamba tinha quase todas as infraetruturas básicas e serviços de uma cidade: Serviços de Água, Luz e Telefones (SALTE): lembrar aqui os mais velhos Mukissi, Carneiro, Wassuka, Cor. Tchivinga, Cabeludo, Ten. Beto, Maj. Azevedo, irmão do Beto Etali, etc., cujo trabalho deixou marcas e falou por si; De entre os vários governadores que passaram pela Jamba, destacamos, entre outros: General Ngongo e o Coronel Firmino Domingos Vitula; Também teve uma guarnição militar que cuidava da sua segurança nas suas várias dimensões incluindo a Defesa Anti-Aérea (DAA).

Oficinas de Reparação de Material de Guerra (OFICEMGUE): Cor. Fonseca e Cor. Tchissululu); Oficina Geral de Fardamento: Cap. Trinitá; Gráfic: Cap. Pinto Chikoti; Galeria de Artes Plásticas e Decorações: Maj. Gilcristo Zavara; Campos de Futebol; Ginásio Gimnodesportivo; Campo Multiuso (futebol salão e basquetbol); rede de pára-ráios; Aeroporto Internacional (Aeroporto Internacional Comandante Kazombwela): Ten. Coronel Michel; Camara Municipal: (o grande mestre de obras públicas, tais como estradas e ordenamento do território: o Cor. Moisés Chivemba); Moagem Industrial; Estação de Rádio (VORGAN – Voz da Reistência do Galo Negro); Serviços Postais: Ditinho Culanda e Jaime Chinhama; Centro de Formação Integral da Juventude - CENFIN; Cruz Vermelha Nacional (o Cap. Ribeiro Tchiteculo); Estradas terraplanadas; Pavilhão VI Congresso (com capacidade de 5 mil pessoas sentadas; projectado pelo Cor. José Kungo); Sindicato dos trabalhadores (Secretário-Geral do SINTRAL: Brig. Franco Marcolino); Associação dos Estudantes (Presidente da UREAL: José Pedro Katchiungo; Vice-presidente: Augusto Santos; e outros dirigentes como: Anibal Soares, Tony Tchivemba, Kalias Pedro, Amorim, etc.); Escola de Formação de Quadros (incluindo a formação de Secretárias): Belita Coelho, etc.; Escola de Condução; Escola para deficientes visuais (a minha tia Judith Bandua Dembo); Escola de Ensino Geral (da Pré- Primária ao 5.º ano do Liceu); Postos de Saúde em cada comité/bairro e Hospital Central, entre outros.


A Jamba estava dividida em Bairros e dentros destes havia divisões e subdivisões: Quartel General ou QG; Batalhão de Instrução (B.I) ou BI e Bairro de Visitas do B.I.; Hospital Central Dr. José João Liahuka; Bairro irmão Cordeiro (que acolheu o Irmão Cordeio, dos Irmãos Maristas Católicos do Bié que acolheu o Dr. Savimbi em tempo da sua formação); este bairro mais tarde se tranformou numa espécie de “Consulado dos USA na Jamba conforme indica o mapa adjacente; Bairro 25 de Dezembro (para visitantes estrangeiros e para as Madres e Padres) Esquadra Piloto (Comando Principal Nacional da Polícia e Cadeias), OFICEMGUE, VORGAN, CENFIN, Oficina Geral de Fardamento, Igreja Católica e Igreja Evangélica, etc.

Por sua vez, o QG (Quartel General) estava subdividido em 5 Bairros, chamados de Comités que tratavam da organização Política e Administrativa e : Comité Kazombuela; Comité Ngamboa; Comité Kapessi Kafundanga; Comité Polé-Polé; Comité Chenda Ovava.

O Comité Kazombuela era do pessoal ligado aos serviços da Câmara Municipal (de que destaco que foi sabiamente dirigida pelo Cor. Moisés Chivemba por muito tempo), que se ocupava da gestão administrativa do Q.G. (Construção de residências, promoção de campanhas de limpeza etc);

O Comité Ngamboa era do pessoal ligado aos membros da Direcção do Partido, do Estado Maior das FALA e dos Serviços de Segurança (BRINDE – Brigada Nacional de Defesa de Estado)e outros serviços.

O Comité Kapessi Kafundanga era do pessoal ligado as Telecomunicações ou TRMS e tinha uma das melhores equipas de futebol, a “Estrela Negra” (Inicialmente designada de “25 de Dezembro”);

O Comité Polé-Polé era do pessoal do Batalhão Mocho, que era o Batalhão da Segurança Presidencial; é nesse perímetro onde se encontrava a residência oficial do Dr. Savimbi.

O Comité Chenda Ovava era do pessoal ligado ao Parque Nacional de Reparação de Viaturas e Respectivas Oficina se todos os outros serviços correspondentes;

Cada Comité tinha um Posto de saúde. Quando vivíamos no comité Kazombwela, frequentávamos o hospital do avô Satoñole, pai da minha professora Nondinha e do meu amigo Chandinho. O avô Satoñole era um enfermeiro muito experiente e respeitado na Jamba, dizia-se que no tempo colonial, trabalhou no famoso hospital de Tchissamba, na Província do Bié. Outro enfermeiro com destaque foi o Brig. Uliengue, pai do meu grande amigo Lino Uliengue. O tio Uliengue foi enfermeiro pessoal do Dr. Savimbi desde finais de 1977 à 1991 e responsável do Depósito de medicamentos que ficava na REOP (Repartição de Obras Públicas), tinha como responsável máximo o Brig. Jômi, pai da minha saudosa amiga Mely e por sinal filho do irmão mais velho do Dr. Savimbi, o saudoso Tio Abel Malheiro. Não me posso esquecer de um outro grande enfermeiro, o Brig. Salomão Katombela, pai da minha colega de classe, a Didy Katombela. Na nossa sala ela sentava-se na segunda carteira com o Lukamba Dachala e a Paula Samakuva; logo depois da Solange Filipe, da Lili Bianco e do Koly Santos; eu e o Nelito Benguela sentávamos mais para trás, à frente da carteiro do Tomás Sanjolossi e do Roi Tchimbaya; a Henda Epalanga também era da nossa fila, acho que se sentava com o Ali Gama e o meu primo Arão Ngamba; quem se sentava na outra fila, à entrada da nossa Sala (de madeira) do 1.º Ano do Liceu, quando eramos chamados de Calóiros, era o Dino Fausto, a Nassombolua, a minha prima Brigida Kakunda, a Lumengo, a Isa Tchitonho, o Pedro Zico; O kota Tchiwale (chefe de turma), O kota Henda (sub-chefe de turma); o Agnelo Kandumbu sentavam-se mais para a parede, ao lado do Imo Katchiungo; o meu primo Dito Chimbili gostava de se sentar sempre na última carteira. – Perdoem-me os colegas que não mencionei! Muitos destes antigos colegas e amigos e mesmo parentes que acabei de citar, aqueles que sobreviveram às grandes e diversas tempestadas que nos fustigaram de diferentes formas e em vários pontos do país, com duros golpes durante e depois da guerra, estão hoje em dia espalhados pela Angola inteira a dar o seu melhor nos vários sectores da vida do país, com a suas formações académicas concluídas e trabalhando para o engrandecimento de Angola.

Já lá vão mais de 35 anos, porém, apesar do tempo que corrói a memória e apaga muitas lembranças, ainda me recordo de, um dia desses, termos saído do Liceu para ir apanhar vacina daTuberculose no Posto de Saúde do avô Satoñole – Sim, vacina pois estamos no tempo de vacinas nestes dias em que escrevo estas linhas.

Na verdade, os Postos de Saúde dos bairros aliviavam a pressão ao Hospital Central, que se ocupava dos casos de enfermidades mais complexas e das grandes cirurgias (com o grande cirurgião de todos os tempos, o Cap. Martins Tenente, pai da tia Alcina, a quem carinhosamente chamávamos de Tantine, de feliz memória).

Apesar de cada bairro ter o seu pequeno posto de saúde, as pessoas de outros bairros eram sempre prontamente atendidas. Não morria gente por falta de atendimento médico. Independentemente da hora, o atendimento estava garantido sob a coordenação dos Ministério da Saúde capitaneado, num dado período, pelo Dr. Rúben Sicato (Ministro) e apoiado pelos: Dr. Henrique Raimundo, Dr. Manaças, Dr. Carlos Morgado, Enf. Chindombe, Enf. Faustino Lumbongo, Dra Serafina Gama Paulo “Bebe” (mãe do Ali Gama Paulo), Analista Silva Gomes e muitos outros muito bons enfermerios, analistas e técnicos de saúde, muitos deles militares de carreira.

Tudo funcionava em pleno: não havia uma única criança, em idade escolar fora do sistema de ensino; os enfermeiros tratavam os doentes com profissionalismo; as parteiras não gritavam para as mamãs em serviço de parto. Cada um, no que fazia, dava o melhor de si.

Havia uma preocupação muito grande com a saúde. O Dr. Savimbi, recorrentemente fazia visitas surpresa às unidades hospitalares, muitas vezes na calada da noite, e conversava com os enfermeiros e com os doentes, de forma particular. Essa fiscalização, ao mais alto nível, fazia com que os níveis intermédios trabalhassem seriamente. Aí de ti se falhasses! Eras exemplarmente punido com despromoção de patentes ou mesmo apanhar algumas “vikandambalas” (chicotadas ou chibatadas).

Naquele tempo, o RIGOR e a DISCIPLINA eram a chave para a sobrevivência.

Luanda, 05 de Julho de 2021.
Gerson Prata