Luanda - Dono de um discurso crítico à actual governação do País, Filomeno Vieira Lopes destaca os intentos da Frente Ampla, uma coligação que integra pesos pesados da oposição e que se propõe retirar, através de meios democráticos, o MPLA do poder. Em entrevista ao NJ, o recém-eleito presidente do BD olha para a conjuntura política em Angola, analisa a sua economia e examina o papel da sociedade civil.

Fonte: NJ

Foi eleito, recentemente, para o cargo de presidente do Bloco Democrático (BD). É uma pessoa de casa e co-fundador do partido. O que é que a sua eleição trará de novo?
Nós candidatámo-nos por três motivações fundamentais: A primeira é que o BD tem um património que é necessário preservá-lo; o BD, ao longo desses anos, transformou-se numa organização com credibilidade na sociedade, numa organização séria, com posição política nos mais variados assuntos nacionais, uma organização civilista e com o ADN muito ligado à sociedade civil. É um partido que todos contam para o desenvolvimento da democracia do nosso País. Esta é a primeira motivação que tem a ver com questões partidárias. Outra motivação está ligada à situação política nacional. Nós estamos num momento muito crítico da nossa vida nacional, um momento em que a experiência que nós acumulámos, a capacidade de articulação política é absolutamente necessária para podermos enfrentar aquilo que consideramos o grande desafio nacional do momento, que é a mudança do regime. Mudar o regime que tem uma vida longa de 46 anos não é uma tarefa fácil, precisa de actores firmes, decididos, com experiências. Percebi que posso dar um importante contributo nacional, isto é o motivo de carácter nacional. Mas, também tem motivos de carácter geracional. Um motivo de carácter geracional está relacionado com o facto de que, cada vez mais, há uma crispação entre as gerações. Em Angola, cada vez mais há menos oportunidades para a juventude e isso faz que o legado da outra geração, que nós consideramos a geração da libertação nacional, não é visto, hoje, pela juventude como um bom legado.


O senhor faz parte dessa geração?
Faço. Também fiz parte do processo da Luta de Libertação Nacional, apesar de jovem, na altura. É importante que, num momento em que a questão que se coloca é a libertação social, nomeadamente a democratização do País e a criação de condições sociais boas para toda a gente, esta geração ainda faça um esforço no sentido de passar o lenço à nova geração, porque essa antiga geração, apesar de tudo, também tem referências positivas necessárias para a nova. É preciso introduzir o conceito de intergeracionalidade, de caminharmos juntos, a fim de podermos passar o lenço e de, de alguma maneira, também, não permitir que haja uma eclosão entre duas gerações. Isto anima-me, porque nós precisamos de preparar a juventude do BD para estar capaz de enfrentar também este desafio geracional.
Entretanto, quando olhamos hoje para o figurino do Bloco Democrático, vemos que as duas principais figuras da sua direcção fazem parte da geração anterior. Falamos do senhor e de Justino Pinto de Andrade, agora vice-presidente do BD.

Onde fica a passagem geracional?
Essa passagem precisa da antiga geração. Para passarmos, temos de ter actores. O Justino é de uma geração anterior à minha, mas trabalhou mais para a libertação nacional. Eu faço parte da que atinge a idade adulta quando o colonialismo se extingue. É uma geração que compreendeu o passado e estava projectada para o futuro. No Bloco Democrático, temos duas linhas: temos uma linha deliberativa e temos uma linha executiva. E quem vai ficar com a linha executiva é um jovem com menos de 40 anos, e que é a linha que tem o Governo, digamos, do nosso partido. Só para concluir, portanto, são três visões: uma visão partidária, uma visão política-nacional e uma visão geracional.

Falemos de coligações. Como é que encarou a suspensão do BD na CASA-CE?
O BD nunca foi suspenso da CASA-CE, e é lamentável que os dirigentes da CASA-CE não se tenham dado ao trabalho de desmentir exactamente isso. O BD nunca foi suspenso da CASA-CE.


Que destino lhe foi dado na Convergência?
Este slogan de suspensão foi propagandista e foi, na altura, para abafar a iniciativa da Tripartida. O que aconteceu foi que uma das funções que o BD, na qualidade de vice-presidente da CASA-CE, tinha, que é organizar o processo eleitoral, foi congelada, naturalmente, com o nosso consentimento. O BD apresentou documentos estratégicos iniciais sobre essa matéria, mas, com a questão da Tripartida, houve colegas que acharam que poderia exercer outras funções e não essa. E foi congelada.


Qual é a situação actual do BD na CASA-CE? Podia desmistificar a questão do congelamento?
O congelamento é da função a que me referi. Mas, por exemplo, o BD faz parte do Grupo Parlamentar da CASA-CE, através do seu presidente cessante, Justino Pinto de Andrade.


Há comunhão no Grupo Parlamentar?
Continua a trabalhar normalmente, dando o seu contributo. O BD tem na CASA-CE a direcção das províncias do Huambo e de Benguela, que são as que têm maior vitalidade no seio da CASA, sob nossa direcção. O BD tem, também, responsabilidade no Executivo, coordenou todo o processo de ingresso de novos comissários da CNE para a CASA e fez um trabalho com êxito. Foi o partido que apresentou proposta orgânica para as eleições autárquicas que a CASA, por sua vez, apresentou no Parlamento. Colaborou em todos os ordenamentos jurídicos. Agora, em nossa opinião, a CASA não conseguiu ainda acertar no seu funcionamento, porque o conceito de coligação está um pouco difuso e não é unânime.


Qual é a visão do BD quanto ao conceito da coligação?
Nós, Bloco Democrático, entendemos que estamos numa coligação de partidos políticos, não estamos num novo partido político, e há formas de funcionamento que sugerem que é um novo partido político, e isto, naturalmente, cria algumas contradições em termos de funcionabilidade e é sobre essas contradições que, de alguma maneira, tem persistido na CASA que criou alguns tumultos e alguns problemas. Por exemplo, se o BD toma uma posição autónoma sobre um assunto, cria alguma crispação noutros partidos. O reforço de uma coligação é, exactamente, o reforço dos partidos constituintes. Se os partidos constituintes forem fortes, a coligação vai ser forte. Portanto, a coligação não deve retirar aos partidos políticos a sua capacidade de operacionalidade da sua autonomia, isto é um pouco suscitado pela lei, que, de alguma forma, tenta suscitá-lo para retirar à própria coligação a sua vitalidade, porque as coligações são temporárias. Temos um acordo de coligação que dura quatro anos, os partidos políticos não, os partidos políticos são extintos mediante certas condições nacionais. Actualmente, estamos perante um desafio que requer, eventualmente, novas formas de organização conjunta para enfrentar esses desafios.


A actual conjuntura política recomenda ou não a permanência na Convergência?
Nós (eu, Justino Pinto de Andrade e Muata Sebastião) apresentámos uma moção estratégica, uma moção estratégica que teve o acolhimento do partido. Essa moção traçou um objectivo: mudar o regime, e tem um instrumento operacional, que é a Ampla Frente. Nós pensamos que o regime dessa natureza só muda se estivermos todos articulados. É a nossa posição. É aquilo que a chamada Tripartida também indiciou. Isso significa que nós, na actualidade, estamos perante um novo desafio político que requer novas formas de organização, uma delas é que a oposição, que tem este objectivo, se articule. Será em função disso, em função da evolução desse instrumento, que vamos ter uma decisão relativamente à CASA-CE.


Os sinais emitidos a nível da CASA-CE são contrários aos interesses do BD na Ampla Frente?
Isto já foi declarado do ponto de vista dos dirigentes da CASA-CE. As declarações públicas são feitas, mas nós temos de ter o debate interno, uma coisa não exclui a outra. Houve declarações públicas, mas, posteriormente, houve também, por exemplo, conversas entre a UNITA e o presidente da CASA-CE. E nós pensamos que também no interior da CASA-CE devemos ter essa conversa de maneira serena, sem precipitações, porque não nos podemos adiantar aos factos.