Lisboa - O Procurador-Geral da República, general e jurista, não perde uma oportunidade para mostrar que está mais familiarizado com casernas, particularmente com o rancho, do que com as Leis. Fala sobre processos que estão em Segredo de Justiça, violando gravemente a Lei e prejudicando de uma forma irreparável, os arguidos. Estas violações de Hélder Pita Grós são, sem qualquer dúvida, julgamentos na praça pública. É a barbárie protagonizada por alguém que, no edifício do Poder Judicial, tem um papel fulcral na defesa do Estado Democrático e de Direito.

Fonte: Club-k.net


O Procurador-Geral da República de Angola não pode, seja em que circunstâncias forem, dizer ante as câmaras, microfones e gravadores carregados pelos criados do general Miala na comunicação social, que no processo do cidadão angolano Carlos São Vicente existem abundantes provas para uma condenação. Mesmo que já existisse uma acusação, o que não era o caso. Hélder Pita Grós enche a boca com os milhões “recuperados” em todo o mundo e que foram retirados ilegalmente de Angola. Deve ter faltado a muitas aulas dos primeiros anos do curso de Direito, porque não sabe que esses fundos só podem regressar a Angola quando ficar provado em Tribunal, que os proprietários obtiveram essas fortunas de forma criminosa.

 

Até hoje, ninguém suspeito de exportar capitais foi julgado ou condenado. Nenhuma sentença (se existir) transitou em julgado. Logo, os milhões de que Hélder Pita Grós fala, são das suas e dos seus proprietários. Quando existir uma condenação definitiva, sim, os capitais regressarão aos cofres donde nunca deveriam ter saído. Porém, é bom ter presente que houve em Angola uma mudança radical de regime. Passámos da democracia popular e do socialismo, para o capitalismo puro e duro. Quem na época (1991) tinha legitimidade para tal, adoptou políticas de Estado cujo objectivo foi criar capitalistas angolanos onde antes só existiam socialistas.

 

Na República Popular de Angola tudo era do Estado. Os bancos, as empresas da indústria, comércio e agricultura, os transportes, as telecomunicações, as habitações, tudo. Na República de Angola (lá se foi a parte popular...) passou a funcionar a “economia de mercado” forma simpática de designar o capitalismo. Os meios de produção, os capitais, as habitações mudaram para mãos autorizadas. Praticamente foi privatizado tudo. Assim nasceram os capitalistas angolanos. Uns torraram o dinheiro, traindo a confiança de quem lhes colocou à disposição abundantes meios para criarem riqueza e postos de trabalho. Outros cumpriram e de que maneira.

As políticas de clemência iniciadas por Agostinho Neto e aprofundadas por José Eduardo dos Santos custaram muitos milhões, ao longo de décadas. Foi o preço a pagar pela paz. Pôr fim ao inominável sofrimento do Povo Angolano é corrupção? A acumulação primitiva de capital num país que nasceu revolucionário e socialista, mas a meio da viagem aderiu ao capitalismo, é corrupção? Se a resposta a estas duas questões for positiva, em Angola somos todos corruptos. Eu tenho a certeza absoluta de que não, não somos. Até acredito que, se existirem, são uma minoria que se conta pelos dedos das mãos. Repito: Se existirem! Tomem nota. Sou anarco-libertário, abomino o capitalismo.

O senhor Procurador-Geral da República antes de ser nomeado para o cargo, já conhecia os cantos à casa porque era o número dois do anterior titular. Ao longo de tantos anos na função, Hélder Pita Grós não aprendeu que os titulares da investigação e acção penal não são juízes. A Procuradoria-Geral da República não é um Tribunal e os seus agentes não são magistrados judiciais. Um suspeito não é um condenado, um arguido não é um criminoso.

Nos Tribunais, o Ministério Público é apenas uma parte. Nada mais que isso. Durante a audiência de julgamento está ao nível das outras partes. A defesa do arguido e a acusação têm as suas verdades, as suas provas, as suas versões. Os magistrados judiciais estão acima das partes e o sagrado dever de imparcialidade. Infelizmente, um Decreto Presidencial lançou um manto de suspeita sobre os juízes e a Procuradoria-Geral da República. Como recebem uma percentagem dos activos “recuperados”, lá se vai a independência, a imparcialidade, a dignidade devida a quem faz Justiça em nome do Povo.


Hélder Pita Grós e seus agentes não têm poder para julgar ou condenar ninguém. Nesse aspecto, valem menos do que uma zungueira honesta, porque a ela ninguém acena com uma percentagem dos activos financeiros e não financeiros “recuperados”. Os Serviços de Investigação Criminal são isso mesmo, investigam crimes e criminosos. Nada mais do que isso. A forma como operadores da Justiça estão a destruir o edifício do Poder Judicial é absolutamente criminosa. E imperdoável. A Procuradoria-Geral da República não é o Big Brother, a Inquisição ou as fogueiras da Jamba.

Um exemplo muito simples. Um inspector dos bombeiros foi julgado e condenado a 24 anos de prisão por ter assassinado a namorada, à pancada. Um crime hediondo e altamente censurável, por isso foi severamente punido. O arguido ficou a aguardar julgamento, em liberdade. Como recorreu, vai continuar livre, enquanto um Tribunal Superior não se pronunciar. A meritíssima juíza que presidiu ao julgamento fez bem quando decidiu não mandar o inspector dos bombeiros para a cadeia. Aquele cidadão é inocente, até uma sentença condenatória final transitar em julgado. Era fácil mandá-lo para o estabelecimento prisional de Viana. Bastava invocar o perigo de fuga ou continuação da actividade criminosa.

A liberdade é um bem tanto ou mais importante do que a vida. Há que protegê-lo e respeitá-lo em todas as circunstâncias. Um homicida viu a sua liberdade respeitada num Tribunal. Claro que o inspector dos bombeiros não vai fugir. Mesmo que quisesse, para onde? Claro que não vai andar por aí a matar namoradas à pancada. Ter assassinado uma já lhe valeu 24 anos de prisão em primeira instância, que podem ser confirmados por um Tribunal Superior. Enfim, pode ser perigoso mas para ele próprio.

No mesmo país, o mesmo Poder Judicial tem um cidadão preso sem ter cometido homicídio ou crimes de sangue. Faz em Setembro um ano que Carlos São Vicente está preso. Vingança mesquinha? Racismo? Inveja? Seja o que for (penso que é tudo e mais alguma coisa) é assustador. Acontece com ele. Pode acontecer com todas e todos. Foi assim que começou o ditador Mobutu e outros tão sanguinários como ele. Não permitam que isso aconteça na Pátria de Agostinho Neto sob a bandeira do MPLA.