Luanda - Foi com bastante preocupação que a Associação OMUNGA tomou conhecimento da aprovação do Decreto Presidencial nº 69/21 sobre o Regime de Comparticipação Atribuída aos Órgãos de Administração da Justiça pelos Activos Financeiros e não Financeiros por si recuperados.

Fonte: OMUNGA

Nos termos do referido decreto, mais precisamente no seu artigo 3.º, estatui-se que:


1 – Por todos activos recuperados pelos órgãos de Administração da Justiça e perdidos a favor do Estado, é atribuída uma comparticipação de 10% do valor líquido do activo recuperado determinado pela sua natureza e respectivo preço de mercado.


2 – A comparticipação referida no número anterior é repartida por dois órgãos de administração da justiça (nomeadamente a Procuradoria Geral da República e os tribunais), quando o activo recuperado for declarado perdido a favor do Estado, mediante decisão condenatória.


A corrupção constitui um dos graves problemas com os quais Angola se depara, a julgar pela sua institucionalização em vários sectores da vida nacional, permitindo, por via disso, acumulação de riqueza por parte de um grupo minoritário, o fomento das assimetrias regionais e a inviabilização, de uma forma geral, do crescimento e desenvolvimento do país.


Hoje as consequências estão à vista de todos, desde a má qualidade na prestação dos serviços públicos, a fome e a pobreza extrema bem como a violação de uma série de direitos humanos fundamentais.


Na verdade, em face do acima transcrito, facilmente se percebe que o sector da magistratura, quer judicial, como a do ministério público, não é o único órfão da privação de recursos que tem como causa remota e imediata o fenómeno da corrupção.


Nestes termos, a existência deste decreto vem reforçar a desconfiança e falta de transparência no processo de combate à corrupção.


Se o combate à corrupção é uma tarefa de todas as forças vivas da sociedade, seria em nosso entender, de bom tom, que se engajasse, sempre que possível, a sociedade civil na discussão relativa aos destinos a dar aos bens e valores recuperados.


A OMUNGA, preocupada com tal situação, tem contribuído levando a cabo uma série de acções no âmbito do projecto “Corrupção é crime”, que visam sensibilizar a sociedade para os efeitos nefastos deste grande mal.


Por essa razão, somos de opinião que ao se dar ênfase ao regime de comparticipação, cria-se, desnecessariamente, um regime de suspeição e de privilégios injustificados.


A não clarificação no referido decreto dos fins a que se destinam a referida afectação de 10%, isto é, se visa colmatar as insuficiências técnicas ou infra estruturais dos órgãos contemplados, ou se, antes pelo contrário, serão repartidos, a título de prémio, entre os magistrados que diretamente intervierem nos referidos processos.


Neste último caso, para além de imoral é inaceitável por perpetuar o já crónico tratamento diferenciado existente no país no que respeita à política remuneratória dos funcionários públicos, e pode minar o sacrossanto princípio da imparcialidade que deve nortear a actuação dos magistrados.


Corre-se, igualmente, o risco de se instituir, como afirmado noutro lugar, uma verdadeira “justiça dos justiceiros”, em que os interesses de ordem patrimonial, e não os ideais de justiça, determinarão os vereditos proferidos pelos órgãos encarregues de administrar a justiça que deve ser, diga-se de passagem, em nome e no interesse do povo.


Não se pode falar de justiça ou combate à corrupção, havendo situações claras de conflitos de interesses. Além de que, mesmo no seio da própria magistratura é por demais notório o desconforto existente em virtude da iminência de o decreto criar privilégios, apenas para alguns magistrados.


Os últimos textos, ainda que apócrifos, que têm vindo a circular nas redes sociais e que dão conta de movimentos de certa cúpula da magistratura judicial do nosso país, em abocanhar certas residenciais de alto padrão, outrora pertencentes a alguns arguidos implicados em processo de corrupção, é a prova viva e a todos os títulos VERGONHOSA dos receios supra levantados.


Não é, por esta razão, de estranhar a resistência da sociedade civil, da qual somos elementos activos, quanto à virtuosidade do decreto em análise.


São enormes e incontáveis, os desafios que o país enfrenta. Tal sentimento ganha proeminência em face da grave crise social a que estão voltados muitos dos nossos concidadãos, isto é, a situação de pobreza extrema.


Seria, por isso, desejável que, a existir um regime de afectação especial de verbas, estas, em nosso entender, fossem canalizadas, como recomendam as regras básicas de boa gestão, para atender as necessidades mais prementes da população angolana, como é caso, da situação de pobreza extrema em que se encontram vários cidadãos.


É por isso, manifestamente compreensível que em face de tal percepção a OMUNGA solicite ao executivo a revogação do referido decreto em virtude de criar um quadro de desigualdade e privilégios capazes, paradoxalmente, de per si, fomentar o fenómeno que se tenta agora combater, isto é, a corrupção.

JOÃO MALAVINDELE

 

Director Executivo