Luanda - O “Otchikoko” ou “Ocikoko” é uma palavra na língua Umbundu que significa capacete. Portanto, é um capacete militar à prova de bala, com resistência e consistência impressionantes. Usado, principalmente, na primeira e segunda grandes guerras mundiais, como um importante acessório que protegia a cabeça dos militares contra balas e outros objectos contundentes no campo de batalha.

Fonte: Club-k.net

O “Otchikoko” desempenhou também um papel importantíssimo na GUERRILHA lá onde os houvesse, porque, para além de proteger o militar das balas inimigas, era usado para variadíssimos fins. Na verdade, o “Otchikoko”, foi um verdadeiro companheiro do guerrilheiro, como nos retrata, e bem, uma das músicas mais ouvidas e aplaudidas na Jamba, intitulada “Otchikoko”. Esta música era muito aplaudida e celebrada em todas as bases e unidades militares espalhadas pelo país, claro, onde eles a podiam ouvir, em cassetes magnéticas ou ouvindo a rádio VORGAN.

 

O “Otchikoko”, do músico e compositor angolano Joaquim Tchimuku, mais conhecido por POEIRA ou BARBA-NEGRA, tocada pelo Agrupamento Musical “Os Negros Oprimidos”, foi uma das músicas que mais sucesso fez, na minha opinião, naquele tempo, no vasto território controlado pela UNITA até à assinatura do Acordo de Paz em Bicesse/Portugal, em 1991, e muito bem recebida na maioria das cidades, incluindo em Luanda, onde foi muito aplaudida, particularmente no grande comício realizado pelo Dr. Jonas Savimbi no largo do Kinaxixi e continuou a ser ouvida mesmo depois das eleições e o retomar das as animosidades com o reecludir da guerra, em 1992.

 

Foi o “Otchikoko” a música que serviu de TERAPIA para as tropas em combate durante a maior Batalha, uma vez travada em África, entre filhos da mesma terra, sem intervenção de tropas estrangeiras sul-africanas e cubanas, que ocorreu antes de Acordo de Paz de 1991, a tão propalada ofensiva “ÚLTIMO ASSALTO", em torno da pacata vila de Mavinga, nas terras do fim-do-mundo ou, se preferirem, Kuando Kubango.

 

Como a batalha decorria já há várias semanas, em que só se ouviam bombas e tiros; só se lamentava de mortes e de feridos; só se falava de prisioneiros e de desaparecidos, entre companheiros de equipa ou de pelotão, que tombavam todos os dias; e para piorar a situação, foi ferido, com gravidade, o então Chefe dos Serviços de Inteligência Militar (SIMI), o carismático General e Cabo de Guerra Peregrino Isidro Wambu Chindondo ou simplesmente General Wambu. Também foi ferido um outro grande comandante das CMDA, o veterano e lendário General Abreu Muengo Ukwatchitembo Kamorteiro ou simplesmente General Kamorteiro. Tal situação desoladora criou um certo desgaste emocional entre os soldados e comandantes... Como forma de manter, em dia, a moral das tropas entrincheiradas, o Alto Comandante das FALA, o General de Exército, o Dr. Jonas Malheiro Savimbi, ordenou ao General Katchimbombo para animar a tropa com a música “Otchikoko”, que fazia muito sucesso entre os militares. – Toquem, em som alto, a música “Otchikoko” para a minha tropa relaxar! Dizia o Alto-Comandante.


É pensando no “Otchikoko” e no seu compositor que inspirei-me para trazer à memória de muitos que, na casa dos cinquenta ou sessenta anos de idade, viveram esse período difícil da História recente de Angola: angolanos lutando contra angolanos, uns, pelas FALA (Braço armado da UNITA), e outros, pelas FAPLA (Braço armado do MPLA), que se degladiaram por vários anos, com um saldo bastante negativo para o país. Ficaram no campo de batalha, sem sepulturas, os melhores filhos de Angola, muitos deles, que hoje, seguramente estariam a contrubuir, com o seu saber, para a reconstrução dessa Angola dilacerada.

É por isso que vos proponho à reflexão a música o “Otchikoko”, do então capitão POEIRA.


O capitão Poeira, a quem, carinhosamente, chamávamos de o tio POEIRA, de feliz memória, só fazia músicas bonitas e de grande aceitação em todos os extratos sociais de então. Toda a música que lançasse, era um sucesso garantido. Ele foi o maior vencedor das Edições dos Concursos de Música e de Festivais da Canção que se realizavam anualmente na Jamba. Lembrar aqui alguns sucessos, como: “Ovisenge viovio visiala; We lele Ociñulū vo Ngola; Kunateke a koteke; Kakuli onjango itunda utue, nda kuakaleko, a Savimbi; Otchikoko, companheiro do guerrilheiro”, entre outros.

 

Dos vários sucessos, neste texto, vou abordar o Otchikoko, companheiro do guerrilheiro. Tratava-se de uma música que destacava a utilidade, a importância e as variadíssimas facetas de um Capacete, que, aos olhos dos guerrilheiros de Jonas Savimbi, era conhecido como o “Otchikoko”.

 

Por tudo aquilo que representava para os soldados em campanhas militares, o capacete foi baptizado de o Companheiro do Guerrilheiro. É essa mensagem que o tio POEIRA nos transmite na música “Otchikoko”, cantada em Umbundu: “ ame sikuete umbanda wokulova, umbanda wange we wokuloya...”; essa introdução, significa: “eu não tenho feitiço para enfeitiçar, o meu feitiço é para combater...”; e continua: ” ...masuka lomelē ndipusa, ombasia otchikoko; ngenda kolui hasukula, ewe liange otchikoko; vungende otchikoko cange kutue, okutola...”; – nesse trecho, conta que o guerrilheiro, ao acordar, faz de bacia o seu capacete, é nele onde lava a cara; e quando vai ao rio, usa o capacete como se fosse pedra para safar a roupa; na hora da caminhada, coloca o capacete à cabeça e, lá, ia andando.

 

De forma muito expressiva, e em Umbundu, uma língua falada por cerca de metade do povo Angolano, o cantor mostra as facetas daquilo que ele considerou de o companheiro do guerrilheiro. O Capacete podia ser usado como bacia, como panela, como almofariz, como pedra, como chapéu, etc. E, adiante, descreve outras mais-valias do Capacete, no verso: “... ndandele ndakava, ndiya pesilã liuti, pokolembo, omangu yange otchikoko... ndalia, ndekuta... ndavaluka we, milukako, oñoma yange otchikoko... otembo yapitila we yokulisova lunyali, locikoko cange kutue ndi liteyuila kolosolo... kuatekãvã, oñolosi, mekelako, ondondovitue yange otchikoko...” – Aqui, conta que, durante a caminhada, o guerrilheiro, ao sentir-se cansado, sentava-se à sombra de uma árvore, e usava o capacete como se fosse cadeira; depois de comer, para matar as saudades, dançava, e fazia do seu capacete, o batuque; e, quando chegasse a hora de se confrontar com as FAPLA, colocava o capacete à cabeça para se proteger das balas; ao anoitecer, dormia e fazia do capacete como se fosse almofada.

 

Para finalizar a belíssima música, o cantor POEIRA trazia um coro vibrante, que fazia cantar todo mundo, principalmente os militares, porque, afinal de contas, o “Otchikoko” era mais deles, e em voz muito alta, cantava: ” kaluwawa la? Tuloia... kaluwawa la? Tuloia we!”. – Em uma tradução mais “soft”, apropriada aos momentos actuais, valorizando mais o sentido, e não, propriamente, a semântica das palavras, o coro dizia, mais ou menos assim: vamos resistir!... vamos resistir! vamos mesmo resistir!!!.


É uma música com uma carga emocional muito forte; ele conseguiu repassar, em música, os momentos mais difíceis que os guerrilheiros atravessavam nas frentes de combate, distante da família e, em muitas ocasiões, lutando em lugares desconhecidos.

 

Na verdade, o cantor Poeira era muito profundo nas suas letras, talvez seja a razão dos seus vários sucessos. As suas letras tinham alma. Era fácil de notar, porque as pessoas reviam-se sempre nelas. Não vale à pena! Ele tinha mesmo canções muito lindas! Só visto! Porque contado, vai parecer exagero. Mas longe disso, estamos a narrar apenas aquilo que vivemos na primeira pessoa e sentimos no intimo da nossa alma. – Tudo o que é da alma não se apaga! Foi só por isso que, o OTCHIKOKO continua a ser uma música muito linda para mim, e, seguramente, para milhares de Angolanos, que no seu silêncio, às vezes, vão cantando: “kaluwawa la? Tuloia! kaluwawa lá? Tuloia we...”.

Luanda, 29 de Julho de 2021.
Gerson Prata