Luanda - Parece-me que, pelos vistos, a sociedade angolana já está a acordar-se do sono de pedra que se resultou da interpretação errada do sistema do partido-estado, que prevaleceu em Angola durante a guerra-fria (1947–1991) e a guerra civil (1992-2002), cujas repercussões continuam até aos dias de hoje. Nós, em Angola, atravessamos um período marcado fortemente pela bipolarização partidária e pela balcanização étnico-cultural, feitas de modo subtil, evidenciadas através da doutrinação ideológica, assente na supremacia político-partidária, na aculturação, na assimilação e na alienação cultural, servindo-se de instrumentos poderosos para a manutenção e a eternização do poder político.

Fonte: Club-k.net

Com efeito, criou-se um muro intransponível semelhante à Grande Muralha da China ou ao Muro de Berlim, que tinham obstáculos enormes, dividindo as pessoas, as famílias e as comunidades, incutindo nelas o espirito de etnocentrismo, de intolerância política e de complexo de superioridade. Na publicação do Fernando Vumby (Fórum Livre de Opinião & Justiça), no texto do dia 05 de Agosto de 2021, escreveu assim, cita: «Estes tipos da UNITA governarem este País? Só se for por cima dos nossos cadáveres. Essa frase até hoje ainda admiro como é que não se tornou palavra de ordem oficial do MPLA, seus dirigentes e militantes oficialmente. Agora mesmo recordei-me dela, quando a ouvi pela primeira vez dentro do MPLA eu tinha por aí os 20 e poucos anos de idade, agora com mais de meio século de idade. Quando vejo que os mesmos grandes barões de quase todas as fraudes eleitorais em Angola continuam de pedra e cal» Fim de citação.


Na verdade, o que o Senhor Fernando Vumby escreveu neste Artigo, que é extenso, são verdades. Existe este sentimento forte e profundo de supremacia político-partidária que se transformou em dogma da doutrina do Partido-Estado. Aliás, se não tivesse havido este preconceito de grandeza e do delírio de poder o país não teria sido mergulhado na guerra civil atroz e prolongada, que prevaleceu muito antes de 25 de Abril de 1974 e prolongou até 2002. Este fenómeno constrangedor constitui um grande desafio ao nosso país. Com certeza isso vai continuar a dificultar os esforços de consolidar a reconciliação nacional, construir o estado democrático de direito e erguer um país forte, uno, desenvolvido, prospero, solidário, justo e igual para todos, assente na economia do mercado e na livre iniciativa.


Todavia, evidencia-se uma mudança de mentalidade na sociedade angolana, caracterizada pela valorização da sociedade civil, pela tomada de consciência da juventude e pela aproximação cada vez maior entre as diversas forças políticas, de matrizes ideológicas distintas.


Sinto-me encorajado por esta nova tendência que vai superando os conceitos erróneos da bipolarização e da supremacia político-partidária, unindo e galvanizando todos os estratos sociais da nossa sociedade, para que a «mudança democrática» seja uma realidade inequívoca. Porém, só através da alteração do status quo presente será viável democratizar efetivamente o país e solucionar os problemas gravíssimos (em todos os sectores) que o país enfrenta neste momento.


Neste âmbito, apreciei bastante a Declaração Política da Tripartida, isto é, da Frente Patriótica Unida, trazida à opinião pública, em Luanda, no dia 05 de Agosto de 2021, protagonizada por três dirigentes políticos: Adalberto da Costa Júnior, Abel Epalanga Chivukuvuku e Filomeno Vieira Lopes. Só que, seria aconselhável ter em consideração o empenho decisivo das potências mundiais, das organizações internacionais, das instituições financeiras e das empresas multinacionais na adulteração dos processos eleitorais e na manutenção das ditaduras em África, mesmo em condições precaríssimas de má-governação e de má-gestão das finanças públicas. Para este efeito, é imperativo que haja uma estratégia diplomática quanto a esta matéria.


No caso específico de Angola, além de interesses económicos das potências mundiais, há avultadas somas de dinheiros roubados ou desviados dos cofres do Estado, que se encontram investidos ou sedeados nos países industrializados. Esses recursos financeiros exercem o impacto enorme nas relações diplomáticas entre a comunidade internacional e o governo angolano. Além disso, sem ilusão nenhuma, a ordem mundial está em plena transformação, notando nitidamente a implantação chinesa em África, de onde os países africanos, na sua maioria parte, estão fortemente endividados, tornando-se vulneráveis ao expansionismo chinês.


Ao passo que, as potências ocidentais estão gradualmente a perder o terreno, sem investimentos adequados, sem vontade política e sem instrumentos diplomáticos robustos, capazes de persuadir, dissuadir ou competir eficazmente na arena internacional.


Nesta abordagem, gostaria de salientar que, na medida em que a tecnologia digital vai avançando (introduzindo novas técnicas e novos métodos cibernéticos de alterar os dados digitais, sem passar por métodos rudimentares da destruição ou de desvios de boletins de votos, que o Fernando Vumby faz menção no seu Artigo), torna-se cada mais exigente buscar soluções adequadas, de auxílios técnicos, e da fiscalização digital de todo o sistema informático da administração eleitoral, isto é, dos softwares e dos hardwares.


Pois, o sistema de processamento de dados pessoais e de dados eleitorais são as partes mais vulneráveis aos ataques cibernéticos ou à adulteração dos dados, cuja segurança e fiscalização exigem as tecnologias de informação e de telecomunicações mais avançadas, que são do domínio dos países industrializados. Tudo isso requer uma diplomacia eficaz, bem concebida, bem orientada, bem estruturada, bem conduzida e bem coordenada para junto dos países democráticos e das organizações multilaterais, como as Nações Unidas, a União Africana e a União Europeia.


A transparência dos processos eleitorais, além da legislação eleitoral, que deve ser bem acautelada, depende dos mecanismos de controlo, de fiscalização, de monitorização, de acompanhamento, de apuramento e de processamento de dados eleitorais a partir das assembleias de votos, aos municípios, às sedes provinciais e até ao centro de escrutínio da CNE, em Luanda.


O abuso do poder, o tráfico de influências e o culto de personalidade constituem instrumentos poderosos e potentes que os regimes autoritários africanos fazem uso demasiado para se manter no poder e esmagar os adversários políticos. Usam os aparelhos do estado, os tribunais superiores, a administração pública, o erário público, os órgãos de comunicação social, o marketing político e o suborno dos governantes estrangeiros, das organizações internacionais e dos observadores internacionais. Acima de tudo, não se deve esquecer de que, Angola é o Partido-Estado, por excelência, que assenta no poder unipessoal, que é altamente centralizado e autoritário.


Logo, estamos perante uma situação complexa e delicada, que exigem ponderação, coragem, astúcia, prudência, flexibilidade, firmeza e determinação. Nesta óptica, o trabalho político de mobilização dos eleitores deve ser coerente, permanente, inovador e explícito, esclarecendo as mentes adormecidas, e despertar a consciência da classe média e das classes desfavorecidas, como factores-chaves para alcançar a mudança democrática.


Parafraseando, existe uma gama de questões (que não cabem nesta reflexão) que devem ser estudadas minuciosamente e buscar soluções antecipadas, pragmáticas, realistas e eficazes. Pois que, em África a vontade dos eleitores não conta, o que é determinante tem sido a malandrice dos partidos no poder de inventar dados, manipular o sistema eleitoral, intimidar e reprimir a oposição e adulterar o escrutínio. Por isso, não se deve agir por euforia, ser dominado pela emoção, que ofusca o bom senso, e perturba a lucidez de fazer leituras realistas e sensatas.


Luanda, 07 de Agosto de 2021.