Luanda - O poder político tem limites. Se não tiver limites, então não é legítimo. Legitimar o poder equivale a limitá-lo de acordo com os fins correspondentes à legitimidade. Esses fins incluem sempre o exercício do poder no interesse dos governados, o respeito pelos direitos e liberdades dos governados e o cumprimento das obrigações assumidas para bem servir os governados. Qualquer desvio desses fins implica a perda da legitimidade política.

Fonte: Club-k.net

O tema da legitimidade atingiu grande relevo na doutrina cristã da Idade Média, quando se tentou, no meio de enormes convulsões, encontrar equilíbrios e definir parâmetros de limitação de poder. E é aí que surgiu a distinção feita pelo jurista italiano Bártolo (1313 – 1357) entre legitimidade de título (ou legitimidade derivada do modo de designação) e legitimidade de exercício (ou legitimidade derivada do modo de exercício do poder). A primeira é designada legitimidade jurídica, e a segunda, legitimidade política.


Por um lado, certa forma de governo pode vigorar por um tempo e impugnar-se mais tarde a sua legitimidade, ou de qualquer governante, seja por falta de título, seja por inadequação do exercício do poder, ou por ambas. Por outro lado, um regime pode satisfazer os requisitos de legalidade de título, mas ser contestado mais tarde como ilegítimo, pela forma (déspota, tirana ou de outro modo violadora dos direitos humanos) como exerce o poder. É um regime legal, no plano jurídico, que se tornou ilegítimo do ponto de vista político. Perdeu a legitimidade política.


Há vários exemplos: (1) a escravidão, legalizada no Brasil até 1888, não a torna legítima do ponto de vista ético e moral. (2) O colonialismo foi um regime legal, e, como tal, legítimo até 1776 nos Estados Unidos, 1919 ao nível da Liga das Nações e até 1948 quando as Nações Unidas já não o consideraram ético e, por isso, reconheceram como legítimo o “Direito das Gentes”, ou seja, o direito dos povos à autodeterminação e à independência. E o colonialismo passou a ser ilegítimo, inaceitável.


(3) Em Angola, o Estado de partido único era legal, mas não era por todos considerado legítimo. Ou seja, a legitimidade política não é sustentada pela legitimidade jurídica.


A ciência política associa o conceito de legitimidade política aos conceitos de moralidade política e de representação política. Segundo a ciência política, “governação responsável” é aquela que age segundo critérios morais ou de acordo com padrões de justiça; aquela cuja legitimidade é pública e consensualmente aceite. Um dos corolários da moralidade política é a interdição de arbitrariedade; outro, o respeito pelos direitos individuais dos cidadãos. Um poder que satisfaça estes critérios será, nesta acepção, considerado justo e responsável. Será um governo respeitador de suas próprias obrigações morais, e, por isso, merecedor das obrigações dos seus cidadãos. Será, numa palavra, um governo legítimo, politicamente falando.


Já a relação entre representação política e legitimidade política assenta em três obrigações distintas, embora convergentes: em primeiro lugar, que o poder dos representantes seja consentido previamente pelos representados através de eleições ou através de outras formas de legitimação democrática. Em segundo lugar, a representação obriga a que os representantes se mantenham continuamente fieis aos representados, e sempre disponíveis, ao longo do mandato, para explicar e justificar cada uma das suas decisões, e, no limite, para suportar as suas consequências. Por fim, a representação possui outra exigência mais positiva do que cautelar: não só impõe a harmonia e identidade entre a vontade nacional e a vontade dos governantes, como também exige que os representantes actuem no interesse e em benefício dos seus representados.


O cumprimento da obrigação de apresentar um título justificativo do seu poder, garante a legitimidade jurídica do governante. Já o cumprimento da obrigação de não quebrar a relação de fidelidade devida ao povo que os designou, ou seja, de não actuar contra ele; tal como o cumprimento da obrigação de representar os interesses e as aspirações dos representados, de agir, a favor deles, tal como estes fariam se agissem directamente por si e não tivessem transferido o poder para os seus representantes, garante a legitimidade política.


Se um governante ferir a moral pública e assaltar os cofres do Estado perde a legitimidade política para continuar a governar, porque o roubo do erário não é o fim ou o objetivo da legitimidade governativa. Se um governo institucionalizar esta prática de peculato para enriquecer um grupo de pessoas perde a legitimidade política mesmo se o mandato ainda não terminou. Se um governo com legitimidade jurídica desestruturar o sistema de educação e ensino para impedir o desenvolvimento humano dos governados, ou de certas classes por ele representadas, só para se manter no poder e continuar a roubar, perde a legitimidade política, porque desviou-se dos objetivos da governação, quebrando assim a relação de fidelidade devida ao povo que eventualmente o designou.


Tal como a responsabilidade política, também a legitimidade política não depende necessariamente da violação de normas jurídicas. Depende também da conduta pessoal, particular, dos titulares de cargos públicos, que deve corresponder sempre à correcção de um tipo médio e ser aceite como exemplar pelos representados.


Nas democracias parlamentares, quando o governo ou algum dos seus membros é sistematicamente acusado de corrupção, e com provas conhecidas pelos representados, a ciência política não espera pelos Tribunais para afirmar que tal representante perdeu a legitimidade política para continuar a governar. Deve se demitir. E quando as práticas da sua governação se desviam das promessas eleitorais e não realizam as aspirações do povo, ele perde a legitimidade política e enfrenta uma moção de censura, ou outro mecanismo constitucionalmente consagrado para se antecipar o término do mandato que o povo lhe outorgou e convocarem-se eleições antecipadas.


Portanto, no Estado de direito democrático, a legitimidade política não advém das eleições. Resulta da conduta do governante perante o povo, do sentido da sua governação, do cumprimento das promessas feitas e da harmonia e identidade entre a vontade nacional e a vontade dos governantes. A legitimidade política é permanentemente avaliada, sendo julgada no momento da eleição. Se um representante sentir que o representado avalia sua legitimidade negativamente, o bom senso e o interesse público recomendam que seja humilde e mude a sua conduta. Porque a altivez só agravará a avaliação. Apelidar a avaliação de “rebelião” ou de “incitação à rebelião” pode ser considerado um insulto à soberania do povo.


Perguntei a um grupo de alunos de Direito constitucional se à luz do direito e da ciência política o Partido que governa Angola tem ou não tem legitimidade política para continuar a governar Angola. A resposta foi unívoca.