Luanda - Em termos técnico-jurídicos, o que se espera de uma instância de recurso é, fundamentalmente, pela aplicação da Lei, que dela emane decisões (em caso de órgão singular) ou deliberações (órgão colegial/colectivo), com elevação postulatória e pedagógica suficiente para corrigir as deficiências protagonizadas por uma entidade de primeira instância e para suprir as insuficiências/omissões a que incorram quem tomou contacto, no primeiro momento, com matérias controvertidas.

Fonte: Club-k.net

Pelo que, aguardava-se do Conselho de Disciplina (CD) da Federação Angolana de Futebol (FAF) uma postura de verdadeira instância de recurso, produzindo uma deliberação, com força imperativa bastante, e quiçá com um cunho jurisprudencial (para da sua deliberação sair uma orientação sobre a melhor forma de resolver casos análogos futuros), atacando, quer a corrigir deficiências, como a suprir insuficiências de uma equipa de arbitragem (com árbitro, fiscais de linha e comissário ao jogo), que esteve simplesmente aos papéis, ficando por se saber se os senhores de preto, actuando naquela tarde de sábado, dia 31 de Julho de 2021, conhecem mesmo os cânones da arbitragem de futebol. Mas não, é sofrível o que lemos do posicionamento do CD, órgão incumbido de «apreciar e decidir, de acordo com alei e regulamentos aplicáveis, todas as infracções imputadas a pessoas singulares ou colectivas sujeitas ao poder disciplinar da FAF» e «conhecer e julgar os protestos de jogos, com base na violação das normas que regulamentam as competições ou da errada qualificação de jogadores», conforme se pode constatar, respectivamente, nos n.ºs 1 e 2 do artigo 55.º do Estatuto da FAF. Quer dizer, o que fica explícito é uma grande preocupação em, de forma apressada, dar por terminado o campeonato de futebol sénior masculino, Girabola, edição 2020/2021, em vez de analisar, de maneira circunstancial e com os devidos enquadramentos nas Leis de Jogo, cada uma das ocorrências, qualquer delas mais ofensiva ao que conhecemos de regras elementares da «bola no pé», no âmbito universal e no âmbito local.


Seguramente, o nosso futebol jamais será o mesmo, doravante, no tocante ao seu quadro disciplinador!


A FAF, que se quer a instituição reitora do futebol nacional, por via do seu CD, perdeu uma excelente oportunidade de encetar uma lavagem de rosto, se olharmos para as tropelias que abundam nestes tempos de Artur Almeida e Silva na federação, e fizessem tão-somente por aplicar as regras, com as consequentes medidas, que a equipa de arbitragem deixou ou esqueceu de aplicar, para a estupefação geral dos aficionados da modalidade, num jogo em que estava em disputa o título de campeão nacional.


Com o propósito de reavivar memórias, vamos sinalizar, neste lugar, algumas das situações, de bradar aos céus, que se assistiu e acompanhou naquele trumunu:


1. Uma das equipas, a visitante, em contestação altamente ostensiva, musculada e assustadora, no recinto de jogo, no banco de suplentes e na bancada, ao que considerava erros tendenciosos contra si do árbitro principal, resolveu, pura e simplesmente, abandonar o campo, para a ele regressar cerca de 20 minutos depois. Tudo isso nas barbas do árbitro e seus auxiliares, sem que esboçassem gesto algum de reprovação.


2. Quem teve a «grata proeza» de convencer a equipa que abandonara o jogo, e se recolhido aos balneários, a regressar foi um político, no caso o Governador Provincial da Lunda-Norte, como se de atitude comum ao futebol se tratasse.


3. Entretanto, ao regressar a referida equipa, o árbitro não se lembrou que aqueles jogadores haviam saído do campo sem o seu consentimento, o que, é de regra elementar, dá lugar a que cada integrante dessa equipa (do campo ao banco) fosse admoestada com cartões amarelos e, havendo indivíduos amarelados, deviam ser esses expulsos, por acumulação de cartões amarelos.


4. Por fim, os componentes da arbitragem e os dirigentes da FAF, no local, tendo tomado ciência, no reatar do desafio (pós abandono), da apresentação de protesto, isto é, a formação caseira esteve a jogar sob protesto, deviam tratar de suspender os efeitos daquele jogo, sem importar para que lado fosse a vitória. Ou seja, os seus efeitos só se consolidariam após a reacção ao protesto, que é uma espécie de recurso, apresentado na hora e que viria a ser reiterado no final do prélio. Pelo contrário, mais uma vez ninguém quis se lembrar que um jogo protestado tem os seus efeitos suspensos.


Era sobre as situações sinalizadas acima, que a comunidade futebolística tencionava ver escalpelizadas na deliberação do CD, compaginada no Comunicado Oficial da FAF n.º 31, de 05 de Agosto de 2021, e não um argumentário concebido e esgrimido para legitimar o novo campeão e homologar a própria competição, num evidente comportamento de fuga para frente e de passagem ao largo dos factos, deixando, assim, desamparados os árbitros e as suas graves omissões às Leis de Jogo.


Daí que aos que dizem, com categoria e chacota, que o Petro de Luanda perdeu legitimidade para reclamar, do que quer que fosse, porque permitiu que o jogo retomasse e fosse concluído, na sequência do abandono do recinto de jogo pelo Sagrada Esperança, se atrelam num ledo engano. Mais dizem eles, que o APL devia se recusar a continuar a partida, para com isso beneficiar do castigo aos infractores, nada mais inocente! Porquanto, dessa Federação espera-se tudo, a ponto de, se os petrolíferos se recusassem a continuar o encontro seriam eles os castigados, e de forma pesada, com o fundamento de terem inviabilizado a conclusão do jogo, aí já valeria a parte do final do n.º 3 do artigo 55.º do Regulamento de Disciplina (RD) da FAF. Podem acreditar! Explicando de modo diferente, tudo aponta que, para esse elenco federativo, todas as iniciativas reivindicativas do Petro de Luanda, por mais legítimas e sustentadas, que sejam, terá sempre como correspondência o indeferimento ou a improcedência e que, com a incapacidade vencedora de títulos, pelo Clube, com mais de 10 anos, tem-se, agora, uma verdadeira coligação negativa de clubes e dirigentes, de toda a espécie, para tentar embaciar/ofuscar a hegemonia futebolística (e não só) do Atlético Petróleos. Só que ignoram que as conquistas do Clube Tricolor são o resultado de trabalho árduo, pleno de brio e dedicação, desde os primeiros anos da sua existência.


Enfim, ao andar de coisas, com subjectivismos e proteccionismos a prevalecer nas decisões/deliberações, e com intromissões de vontades politicamente motivadas a um espaço privilegiado para o mero exercício do fair-play, só resta lamentar que os “magos da bola”, que se aboletaram na FAF, apenas ajudam a deslustrar, o já de si pouco vistoso, futebol angolano, em matéria de organização e de competição. E que não admiremos que aquela conduta dos diamantíferos faça escola, daqui para frente, em todas as provas sob direcção desta FAF.


A solução para atenuar os estragos que se cometem contra o nosso futebol, jogado em quatro linhas, passa por o retirar das mãos erradas em que presentemente está. Que venha daí a já imensamente adiada Liga de Clubes!


Temos dito!
Frederico Batalha, 07.08.2021