Luanda - Em datas festivas ou em eventos importantes, e sempre que se achasse necessário, eram realizados comícios com toda a população da Jamba na Parada Principal do Batalhão de Instrução(B.I), local que, anteriormente, servia de campo de treino militar, tendo-se, mais tarde, se transformado na principal parada de concentração para a realização de actividades Políticas, Culturais e Recreativas.


Fonte: Club-k.net

A parada do B.I, por cerca de 12 anos, ficou muito famosa e conhecida no Mundo, pelas mais diversas razões. Passaram por lá, individualidades vindas de todos os continentes, independentemente das suas raças, etnias, ideologias ou religiões.


Na véspera dos comícios, por volta das 19 horas, o tenente-coronel Joaquim Somakessenje, in memoriam, um político de grande calíbre e mobilizador de massas de primeira-água e mestre de cerimónias, às vezes, secundado pelo Coronel Vitorino Ndunduma; percorria todos os comités do Quartel General, QG, com o seu Megafone, para avisar sobre a hora e o local do evento. Havia vezes em que, algumas horas após a primeira comunicação, voltava, para dizer: ”ya tiukila vo cipa!”, numa tradução à letra “voltou à pele” – isto é, o comício foi adiado. Então, esperava-se por novas ordens de ida à parada.


A Parada tinha uma Tribuna Central, como se pode ver na imagem, e do lado direito, o Palco para os Agrupamentos musicais. Entre a Tribuna e o Palco, posicionava-se o DAP Três de Agosto(Destacamento de Agitação Política), um grupo de animação, composto por homens e mulheres, que acompanhava a “Coluna” (Delegação do Presidente Savimbi) em todas as suas deslocações dentro do País. O pessoal dos Bairros ou Comités posicionava-se ao longo da Parada, devidamente organizados, cada comité no seu lugar. No centro, ficavam os militares em formatura, pertencentes às várias unidades que estavam em treino ou em transição, e eram, na maior parte dos casos, apresentados em parada pelo grande instrutor, o Brigadeiro Nato Epalanga, de feliz memória. A formadtura era bonita, todos bem uniformizados, com a farda verde-escuro, o uniforme oficial das Forças Armadas de Libertação de Angola – FALA (Braço armado da UNITA), também conhecido como Farda 24 de Janeiro (em alusão ao dia em que faleceu o Primeiro Chefe de Estado Maior Geral das FALA, Eduardo Jonatão Chingunji, mais conhecido por Comandante Kapessi Kafundanga, in memoriam. Na Parada, também, havia um espaço reservado para exibição de diversos materiais de guerra, ligeiros e pesados, entre Carros de Assalto, Tanques de Guerra, Blindados, Carros de Transporte de Militares e de carga, como as "Kamazes" ou “Urais”, "Engezas" , “Stars”. É de salientar que, todo material exibido em parada fazia parte de Lotes de Equipamentos de guerra capturados nas frentes de combate, principalmente, na Província do Cuando-Cubango, onde as Forças Armadas Populares de Libertação de Angola – FAPLA (Braço armado do MPLA) investiam seriamente em homens e material bélico, com o fito de conquistarem o Bastião da resistência da UNITA – a Jamba. Isso, fazia do Cuando-Cubango a região do país onde se travavam os mais renhidos e violentos combates uma vez vistos em toda a história de guerra em Angola ou mesmo em África, com um saldo bastante negativo para os angolanos. Morreram milhares de valiosos filhos desta pátria, que, seguramente, hoje, estariam a ajudar, com o seu saber, no desenvolvimento deste nosso rico e belo país, ANGOLA. Infelizmente, a derrota de angolanos, na trincheira contrária, era celebrada vivamente pelos angolanos do outro lado.

 

Em uma das Festas do 13 de Março, dia da fundação da UNITA, acho que foi em 1988, notamos que o número de meios militares tinha aumentado consideravelmente. Eram muitos Carros de Assalto, muitas Kamazes, muitos Tanques de Guerra. – O que mais nos chamou a atenção foi o facto de que os meios bélicos tinham aspecto de serem novos. Um dos meus amigos ainda disse: “isto é novo!”. Por serem meios quase novos, ficámos na dúvida: “... será mesmo material capturado?” –Naquele tempo, a informação militar era muito limitada, e não se podia fazer muitas perguntas... Coisas da Revolução...


Essa dúvida foi dissipada 30 anos depois, em 2018, quando li o livro “Prisioneiros da UNITA nas Terras do Fim do Mundo”, do coronel da Força Aérea Cubana, Manuel Rojas García, que cumpria mais uma missão internacionalista em Angola. Ele não foi um piloto qualquer. Era o Chefe da Força Aérea da Missão Cubana no terreno, e foi abatido, na companhia do seu colega, o capitão Romón Quesada Aguilar, por efectivos da Defesa Anti-Aérea das FALA, que combatiam nas matas do Luvuei, província do Moxico, uma região sob comando do estratega e cabo de guerra, o lendário General Abílio Augusto Kamalata “Numa”, quando esses dois pilotos tentavam, com o seu Mig-21, destruir o material de guerra e outros meios motorizados abandonados por uma brigada das FAPLA que operava naquela zona, e que tinha sido desalojada das suas posições e forçada a recuar pelos combatentes das FALA. Ao ler esses detalhes no livro do piloto cubano, percebi que, afinal, as grandes quantidades de material, com aparência de novo, que tínhamos visto na Parada do B.I, naquele longínquo ano de 1988, tinham sido mesmo capturadas pelas FALA e trazidas à Jamba para ser exibido aos jornalistas internacionais e políticos africanos e ocidentais, convidados pela UNITA, no cumprimento da sua agenda diplomática. É caso para dizer que muita coisa só será realmente bem compreendida com o passar do tempo, como, aliás, foi a minha particular experiência.


Na data da fundação da UNITA, a programação era geralmente ampla e a actividade era muito mais extensa, nomeadamente: momentos culturais, com o grupo de Dança Tradicional da Terceira idade, habilmente comandado pelo grande soba Xavier, de feliz memória; momentos do Orfeão da Jamba, do então Coronel Jerónio Bonga, apresentação de uma música revolucionária, pelo capitão Poeira ou pelo tenente Katchiungo, declamação de jogral, pelo grupo do CENFIN, preparados pelo ideólogo coronel Tchipindo Bonga, actualmente deputado à Assembleia Nacional; demonstrações de Karaté, dos pupilos do mestre Kamy Pena, irmão do lendário General Ben Ben, ex-chefe do estado Maior Adjunto das Forças Armadas Angolanas (FAA); momentos do desfile militar e da marcha dos comandos especiais, a chamada marcha automática, treinada, orientada e apresentada sob a voz de comando do inconfundível coronel Cândido de Oliveira Mucha; e o momento central era a alocução proferida pelo Dr. Savimbi; só depois, o futebol, e, à noite, a Farra(pé-de-dança).


É mesmo verdade, em todas actividades políticas havia sempre um espaço para a cultura. Por exemplo, em 1984, um grupo de dança de populares não directamente ligados à revolução, que tinham as suas aldeias ao longo das margens do rios Cuando, de um lado, e Cubango, do outro; e em outras localidades, como: Rivungo, Luengue, Cuatiri, Catuitui, Mupupa, Savati, Candendele, Mucusso, Calai, foi convidado para as festas do 13 de Março, na presença do Presidente sul-africano, Pieter Willem Botha. Eles apresentaram uma dança muito bonita, com a canção: ”va nana mbwe le le... é ya ya, mbwe le le”. Não sei se reproduzi bem o som do que eles cantavam... A verdade é que, também, não sei o que eles queriam dizer com aquela canção, que era dançada com muita alegria pelos populares, com uma coreografia tradicional impressionante, e que emocionava todo o mundo. Dizem que, quando a música é bonita, mesmo sem percebermos o conteúdo, passamos a gostar dela. Foi o que exactamente aconteceu, o Presidente Pieter Willem Botha, que não falava nenhuma língua angolana, levantou-se da Tribuna de honra e dirigiu-se ao recinto por onde dançavam os populares, e retirou o seu relógio do pulso e ofereceu-o ao dançarino que se destacava entre os demais. Tal gesto, mereceu reconhecimento imediato dos presentes, com uma salva de palmas espontânea! Afinal, o presidente da maior potência Africana tinha oferecido, a um camponês angolano, o seu próprio relógio. – Ao meu ver, o relógio era uma relíquia para o dançarino, não tanto para ver as horas, mas como um objecto de valor.


Na verdade, apreciávamos bastante os momentos das danças tradicionais, do desfile, ao som da banda militar, com cornetas e tambores; da marcha dos comandos especiais, do karaté e do futebol. Do comício, nem tanto. – É bom dizer a verdade! Nós, os miúdos, não percebíamos nada de política. Víamos apenas os Mais-Velhos a tomarem notas do discurso em blocos de bolso. Eles concentravam-se no que o Dr. Savimbi dizia. Havia vezes em que não tiravam notas, apenas davam gargalhadas e depois aplaudiam. Nós ríamo-nos mais das gargalhadas que eles soltavam, do que do motivo delas. – O nosso maior desejo era de que a alocução terminasse, para dar lugar ao jogo; e, à noite, à Farra, no Pavilhão VI Congresso.


Hoje, passados mais de 35 anos, dou razão àqueles que tiravam apontamentos, e, às vezes, largavam algumas gargalhadas. Afinal, o que o Dr. Savimbi dizia, naquele tempo, era de muito valor, e, há quem diga, profético! Felizmente, a Internet e, particularmente, as redes sociais têm vários vídeos com alguns dos comícios e palestras do Dr. Savimbi. O que me admira é a capacidade de análise e de previsão que Ele tinha. Os discursos Dele de há mais 35 anos continuam actuais e reveladores; os discursos Dele continuam a inspirar vários políticos; o que Ele dizia, está a ser concretizado, várias décadas depois. É realmente impressionante, pois, os vídeos do Dr. Savimbi batem records de visualizações e de comentários positivos em relação ao seu pensamento político.


O Dr. Jonas Malheiro Savimbi, mesmo estando morto, a sua popularidade cresce diariamente, com a divulgação dos seus discursos nas redes sociais, particularmente no Youtube. – Tais discursos, nós tivemos a oportunidade de os ouvir na primeira pessoa, mas como éramos miúdos e não entendíamos absolutamente nada de política, não dávamos a merecida atenção...


Como o tempo passou, e a vida continua, sempre que possível, estaremos aqui para trazer algumas lembranças do nosso passado comum, como referência obrigatória, para evitarmos os erros do passado e construirmos um futuro melhor para TODOS os angolanos.


Luanda, 03 de Agosto de 2021.
Gerson Prata