Lisboa - Elisa Andrade, doutorada em História, foi uma professora reformada da Universidade de Cabo Verde, mais precisamente do seu Instituto Superior de Educação / Instituto Pedagógico. Faleceu sexta-feira (3), aos 82 anos de idade vítima de doença prolongada. Encontrava-se internada no Hospital Agostinho Neto.

Fonte: Vaticano News/A Nação

Viveu durante muitos anos em Paris, onde durante toda a sua juventude passou vastas vezes, como parte integrante do movimento anticolonial nos anos sessenta e setenta, na qual participou ativamente em articulação tanto ao PAIGC como ao MPLA.

 

Antes, formara-se em Economia, fazendo parte em Portugal, dos antigos membros da Casa dos Estudantes do Império, grupo que o escritor angolano Pepetela viria a chamar, num dos seus romances, de “Geração da Utopia”, protagonistas da luta clandestina e pela adesão à luta ativa na Guiné-Bissau, Angola e Moçambique, em prol das independências das antigas colónias portuguesas em África.


Elisa Andrade também foi muito engajadas às lides do teatro e do cinema, como jovem intelectual inquieta com as questões da cultura e da identidade africanas. É na Argélia, onde está exilada, a trabalhar nas estruturas do PAICV, que conhece a cineasta Sarah Maldaror e que a convida a tomar parte na curta metragem “Monangambée” (1968), adaptação do conto “O fato completo de Lucas Matesso”, do escritor Luandino Vieira.


Dessa primeira experiência cinematográfica, ficara patente as qualidades de atriz de Elisa Andrade, aliás fortemente recomendada por Mário Pinto de Andrade, sociólogo e poeta, marido da cineasta Sarah Maldaror, um dos primeiros dirigentes do MPLA e um dos intelectuais muito próximos de Amílcar Cabral.


Assim, em 1972, Sara Maldaror convida Elisa Andrade a ser a atriz protagonista do filme “Sambizanga” (1972), esta também uma adaptação do livro "A Vida Verdadeira de Domingos Xavier", também de Luandino Vieira. Se Maldaror foi a primeira mulher negra a fazer cinema na África nos anos 60 e 70, Elisa Andrade, a fazer o papel de Maria, terá sido uma das mais marcantes presenças femininas na cinematografia negra e da diáspora africana nesses anos.


Filmada no Congo-Brazaville, "Sambizanga" aborda a guerra colonial portuguesa, desde o início, em Angola, e teve como coargumentista Mário Pinto de Andrade. A crítica foi favorável, não faltando entretanto alguma controvérsia pelo paradoxal facto de Elisa Andrade ter sido demasiado bela para o papel de Maria, algo que mereceu a defesa tanto de Sarah Maldaror e de Mário Pinto de Andrade, como de Amílcar Cabral para quem a interpretação cinematográfica magistral era um dos aspetos relevantes para a causa, opinião também corroborada por Luandino Vieira, na altura das filmagens, ainda prisioneiro político no Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde.


Depois da Independência de Cabo Verde, Elisa Andrade regressa a Cabo Verde, exercendo a função de professora no Instituto Superior de Educação onde trabalha na na Cultura, chegando a ser assessora cultural do Ministro da Cultura nos anos 90. Permaneceu sempre ligada às estruturas do PAIGC, depois tornadas do PAICV em Cabo Verde, com o Golpe de Estado na Guiné-Bissau em 1980, que deitou por terra a possibilidade da Unidade Guiné-Cabo Verde, tão sonhada por Amílcar Cabral.


Estudiosa e investigadora nas áreas de História e Ciências Sociais, Elisa Andrade tem alguns livros emblemáticos sobre Cabo Verde, destacando-se a sua tese de doutoramente sobre “Cabo Verde, da Descoberta à Independência Nacional (1460 – 1975)”. Éditions L`Harmattan, e dos textos como “Do Mito à História”, “Declínio e Fim da Sociedade Escravista” ou da defesa da condiçãoo feminina em Cabo Verde e nos demais países africanos. Uma intelectual engajada às causas da liberdade.


Cabo-verdiana, nascida na ilha de São Vicente, foi uma das ativas participações femininas na guerra de libertação anticolonial e é membro ativo, galardoada pelo Estado de Cabo Verde a propósitos dos altos serviços prestados à Nação, da Associação dos Combatentes da Liberdade da Pátria.


A experiência cinematográfica

 

Ultimamente, vivia entre Praia e Paris. Foi na Praia que, no ano passado, a propósito da morte de Sara Moldoror, que Elisa Andrade contou a sua experiência como actriz de cinema, coisa que jamais que pensou que pudesse fazer:


“É verdade que eu estava acostumada a várias actividades ligadas à cultura, mas quando a Sarah falou comigo para participar no filme dela comecei logo por recusar. A ideia de que um outro homem, que não o meu marido, me poderia tocar, ainda que para o cinema, mexia comigo. Ao aperceberem-se dessa minha resistência, o meu marido acabou também por participar no filme”.