Luanda - A propósito da nomeação da Dra. Laurinda Cardoso para exercer a função de Presidente do Tribunal Constitucional da República de Angola, o Presidente da República João Manuel Gonçalves Lourenço, afirmou peremptoriamente no passado dia 21 de Agosto de 2021, que ele “limitou-se a fazer aquilo que a Constituição lhe obriga a fazer em situações do género ... Tudo o resto que se possa dizer à volta disto é mera especulação”. E concluiu: “Se me dizerem que o Presidente violou a Constituição e a Lei, aí eu estou aqui para ouvir e se possível corrigir”.
Fonte: Club-k.net
A constituição, a legislação, o presidente e a designação da nova presidente do tribunal constitucional
A questão que não se quer calar é a de saber se, efectivamente, o Senhor Presidente da República violou ou não a Constituição da República e as leis aplicáveis ao caso concreto, quais sejam, se foram observadas ou não as formalidades jurídico-legais para a nomeação e dar posse a nova Presidente do Tribunal Constitucional.
Vejamos então o que diz a Constituição e a Legislação aplicável:
Na verdade, nos termos da alínea e) do artigo 119.º, combinado com a alínea a) do n. º 3 do artigo 180.º da Constituição da nossa República, o Presidente da República tem competência e legitimidade não só para nomear quatro Juízes, incluindo o Presidente do Tribunal Constitucional, como também a de dar posse à todos os demais Juízes daquela Corte.
A Lei n. º 3/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Redacção dada pela Lei n.º 24/10, de 3 de Dezembro), veio densificar aquele comando constitucional, expressamente na alínea a) do artigo 11.º e pelo artigo 13.º, sob a epígrafe “Composição e indicação dos juízes” e “tomada de posse”, respectivamente.
Mas afinal quem é a Dra. Laurinda Cardoso recém nomeada pelo Presidente da República para exercer a função de Presidente do Tribunal Constitucional da República de Angola? Será que ela reúne os requisitos exigidos por lei para aquela função?
Para ajudar o Presidente da República a “CORRIGIR O QUE ESTÁ MAL” e assim puder cumprir com uma das promessas da sua campanha eleitoral, eis, pois, alguns subsídios:
Laurinda Cardoso, tornada Veneranda Juíza Conselheira por Decreto Presidencial de 18 de Agosto de 2021, é uma ilustre desconhecida cuja sua nomeação está envolto de acirradas polémicas por conta das suas ligações profissionais e comerciais com Rui Ferreira e Guilhermina Prata nos negócios que estes detêm com Kassim Tajideen, o libanês condenado nos Estados Unidos de América por financiar o grupo terrorista do Hezbollah.
Ainda segundo as mesmas fontes (cujas informações nunca foram contestadas pelos visados), ela trabalhou por mais de 10 anos nos escritórios de advogados do Rui Ferreira e da Guilhermina Prata (actual Vice-Presidente do Tribunal Constitucional), tornando-se em “testa de ferro” daquele primeiro “nos negócios com parceiros libaneses, que mais tarde foram implicados pelos EUA por financiar o terrorismo”.
Essas mesmas fontes, de entre as quais avulta o Club-K com provas documentais irrefutáveis, apontam, sobretudo, o facto de suas impressões digitais estarem em “negócios privados, tais como (i) Laurinda Cardoso (5%) subscreveu a escritura da sociedade ALLCOMERCE, constituída em 1 de Abril de 2011, tendo como sócio o libanês Mohammed Tajideen (95%), filho de Kassim Tajideen, fundador da AROSFRAM, que tem como PCA Sidney Carlos Manita Ferreira, filho do Rui Ferreira; (ii) Laurinda Cardoso exerceu durante largos anos a função de Directora do Gabinete Jurídico do Grupo GOLFRATE HOLDINGS-ANGOLA, ligado a AROSFRAN fundado pelo Kassim Tajideen; (iii) Laurinda Cardoso tem registada em seu nome a “COGIMBO IMOBILIÁRIA”, empresa da família do Rui Ferreira; (iv) Laurinda Cardoso tem as suas impressões digitais também no “PALMEIRA SUÍTE HOTEL” com sócios libaneses; (vi) Laurinda Cardoso tem igualmente as suas impressões digitais no “CONDOMÍNIO PALMEIRA”, contíguo ao “Palmeira Suíte Hotel”, pertencente ao Rui Ferreira com o sócio libanês e aonde se encontra a funcionar actualmente o seu seu Escritório de Advogados “LEED ADVOGADOS ANGOLA”; (vii) Laurinda Cardoso foi recentemente alvo de investigação pela imprensa portuguesa (RTP), por conta da compra de um imóvel ao Partido CDS-PP, envolvendo no negócio umas das suas empresas do ramo imobiliário na cidade do Porto, Portugal. Etc., etc. e Etc.
Entretanto, o Presidente da República certamente foi aconselhado a agir como agiu, com a convicção de que bastaria olhar para aqueles dois diplomas, nomeadamente, a Constituição da República e a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e, desta forma, tornar realidade o fecundo desejo político-estratégico de nomear uma correligionária porque membro do Bureau Político do Partido do qual é Presidente.
No entanto, considero, mutatis mutandis, politicamente incorrecto e do ponto de vista jurídico-constitucional indefensável a referida nomeação, tendo em conta o papel que os Tribunais exercem na defesa e consolidação dos Estados Democráticos e de Direito nos nossos dias.
Essa situação permite-nos asseverar, uma vez mais, que os ilustres Conselheiros do Presidente da República:
_ esqueceram-se, por dolo ou malícia ou nem por isso, de que a Lei Orgânica do Tribunal Constitucional prescreve um conjunto de requisitos para a designação ou eleição dos Juízes da Corte Constitucional. O seu artigo 12.º, dispõe que “São requisitos para a designação ou eleição dos juízes do Tribunal Constitucional: a) ser cidadão angolano com idade não inferior a 35 anos; b) possuir licenciatura em direito legalmente reconhecida a pelo menos 15 anos; c) possuir idoneidade moral; d) estar no pleno gozo dos direitos civis e políticos; e) não ter sido condenado por crime doloso punível com pena de prisão maior”;
_ esqueceram-se, por dolo ou malícia ou nem por isso, de o informar que a ora nomeada e empossada Presidente do Tribunal Constitucional não reúne um requisito essencial e legal para o exercício daquela função plasmado na alínea c) do artigo supra, ou seja, ela não possui idoneidade moral e eu acrescentaria: idoneidade moral, ética e deontológica, exigível para o exercício de qualquer cargo público e não só; aliás, a Lei n.º 7/94, de 29 de Abril - Estatuto dos Magistrados Judiciais, estabelece claramente na sua alínea c) do artigo 41.º, que são requisitos para o ingresso para a Magistratura judicial “possuir idoneidade moral e cívica”. Por sua vez, a alínea e) do mesmo artigo estabelece também como requisito essencial para o ingresso na Magistratura Judicial a satisfação dos “demais requisitos estabelecidos na lei para a nomeação de funcionários públicos”;
_esqueceram-se, por dolo ou malícia ou nem por isso, que a conduta de um Juiz ou de um Magistrado Judicial deve estar acima de qualquer suspeita, isto e’, esteja acima da censura geral do ponto de vista de um observador sensato e racional. Por outras palavras, deve ser íntegro, com uma reputação social inatacável, que infunda confiança, fé na consciência da generalidade dos cidadãos quanto a Corte Constitucional e, em geral, quanto ao Poder Judicial angolano, como garante do desenvolvimento e consolidação do Estado Democrático e de Direito.
_ esqueceram-se, por dolo ou malícia ou nem por isso, historicamente falando, do chamado “Dilema de Pompeia”, segundo o qual “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”. Por outros termos, não basta que a mulher de Júlio César seja honrada, é preciso que sequer seja suspeita, isto é, deve ter uma reputação ilibada.
Portanto, as relações obscuras que a ora nomeada e empossada Juíza Presidente do Tribunal Constitucional e suficientemente demonstrada acima, emprestam-lhe uma forte e provada suspeição quanto a sua reputação social que se requer inabalável, inócua e imaculada relativamente a idoneidade moral, ética e deontológica ao serviço do bem comum, o que a coloca numa posição inadequada porque indesejável para o exercício das funções de Presidente do Tribunal Constitucional da República de Angola.
A inobservância deste requisito legal que resulta essencial para quem pretende exercer funções no Poder Judicial, que se requer sério, honesto, justo e acima de qualquer suspeição, coloca o acto do Presidente da República que nomeou a jurista Laurinda Jacinto Prazeres Monteiro Cardoso, numa clara violação da Lei. Isto é, violação da alínea c) do artigo 12.º da Lei n. º 3/08, de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional (Redacção dada pela Lei n. º 24/10, de 3 de Dezembro), e da alínea c) do artigo 41.º da Lei n. º 7/94, de 29 de Abril - Estatuto dos Magistrados Judiciais.
No caso em análise e à luz das disposições legais acima referidas, não restam dúvidas de que a correcção impõem-se Senhor Presidente!
Não seria a primeira vez na nossa história recente! Basta recordar o acontecido com os dossiês “Cidade dos Ministérios”, com Carlos Panzo, ao tempo Secretário para os Assuntos Económicos do Presidente da República que se encontra à contas com a justiça no Reino de Espanha, ou ainda, o caso do acto praticado pela Assembleia Nacional que consistiu na anulação da eleição do Dr. Alberto Uaca ao cargo de Juiz Conselheiro do Tribunal constitucional, derrogando a Resolução aprovada no dia 17 de Novembro de 2017, e em sua substituição foi eleita a actual Juíza Conselheira Dra. Josefa António dos Santos Neto, em Dezembro do mesmo ano.
Nestes três casos, a sociedade apoiou as correções efectuadas pelo Presidente da República e pela Assembleia Nacional, tendo daí resultado reforçada a confiança e a fé dos administrados por uma verdadeira mudança no sistema de organização e do funcionamento do Estado angolano.
Assim, também desta vez, e porque foi, aliás, esse o desafio deixado pelo Presidente da República no passado sábado, 21 de Agosto de 2021, quando respondia a uma questão sobre o “barulho” a volta da nomeação muito contestada por largos sectores da sociedade angolana, ipsis verbis: “ Se me dizerem que o Presidente violou a Constituição e a Lei, aí eu estou aqui para ouvir e se possível corrigir”.
Relembre-se, que a falta de idoneidade moral e cívica é requisito legal e suficiente porque essencial e necessário para o exercício de funções públicas por parte de qualquer cidadão angolano. E porque ninguém está acima da lei, e porque também não seria a primeira vez, auguramos que seja corrigida a ilegalidade vertida no Decreto Presidencial de 18 de Agosto de 2021, que nomeia a Dra. Laurinda Cardoso para exercer a função de Presidente do Tribunal Constitucional da República de Angola, o que infundiria mais prestígio, confiança, fé e credibilidade nas instituições do Estado angolano perante a comunidade nacional e internacional.
EM SUMA, É UMA OBRIGAÇÃO E UM DEVER JURIDICO-CONSTITUCIONAL E PATRIÓTICO, CORRIGIR-SE O ACTO ORA SINDICADO POR VIOLAR A CONSTITUIÇÃO E AS LEIS APLICÁVEIS AO CASO. FAZENDO ISSO, O SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA ESTARÁ, MAIS UMA VEZ, NÃO SÓ A CUMPRIR COM UM DOS LEMAS DO PROJECTO DE SOCIEDADE APRESENTADO E SUFRAGADO NO PLEITO ELEITORAL DE 2017 COMO TAMBÉM A CUMPRIR OS TERMOS DO JURAMENTO POR SI PROFERIDO NO ACTO DA SUA INVESTIDURA: “(...) CUMPRIR E FAZER CUMPRIR A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE ANGOLA E AS LEIS DO PAÍS”.
Setembro de 2021.
Jurista e Prof. Universitário.