Luanda - O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES NA CONSOLIDAÇÃO DO ESTADO DEMOCRÁTICO E DE DIREITO “UMA PESPECTIVA COMPARATIVA A NÍVEL DA COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA OFICIAL PORTUGUESA”

Meritíssimos (as) Juízes (as)
Digníssimos (as) Magistrados (as) do Ministério Público
Excelentíssimos (as) Senhoras (es) Deputados (as)
Ilustres Advogados (as),
A todos e todas as minhas respeitosas saudações!

Foi com bastante satisfação e agrado que recebi e aceitei o convite formulado pela Associação dos Juízes de Angola (AJA), para partilhar com os distintos senhores, senhoras, e público em geral, as constatações e recomendações referentes a organização e funcionamento do judiciário.


A República de Angola propõe-se construir “uma sociedade livre, democrática, de paz, justiça e progresso social” art. 1.º da CRA, através de uma democracia participativa e representativa, n.º 1 do art. 2.º da CRA, estando os órgãos do Estado obrigados a “defender a democracia, assegurar e incentivar a participação democrática dos cidadãos e da sociedade civil na resolução dos problemas nacionais”, al) l, art. 21.º da CRA.


Para concretizar a democracia participativa, a CRA consagra a liberdade de associação art. 48.º e de maneira especial a liberdade de associação socioprofissional dos juízes, n.º 7, do art. 179.º. O papel das associações na construção e consolidação da Democracia e do Estado de Direito é, pois, o de contribuir para a resolução dos problemas do judiciário angolano, de maneira critica, e escrutinadora, com inteira liberdade de pensamento, ideias e de expressão.


Em 2009, a AJPD, por entender deveras relevante a participação dos juízes, Magistrados do Ministério Público e funcionários dos tribunais, fez a recomendação de que o Sindicato dos Magistrados Judiciais fosse revitalizado, mais dinâmico e activo reforçando-se a sua independência, de forma a que os fundamentais interesses da classe dos juízes fossem defendidos. Actualmente, a comunidade jurídica está enriquecida com a formação e actividade da Associação dos Juízes de Angola (AJA), do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público de Angola e do Sindicato dos Oficiais de Justiça.


A AJPD recomenda ao Conselho Superior da Magistratura Judicial, ao Conselho Superior do Ministério Público, ao Executivo e ao Parlamento que respeitem a liberdade de associação constitucionalmente consagrada da AJA, do Sindicato dos Magistrado do Ministério Público e do Sindicato dos Oficiais de Justiça e os tenham como parceiros de facto na construção do Estado Democrático de Direito.


Ao longo dos seus 21 anos de existência, a AJPD tem interagido com o Executivo, o Parlamento, os Magistrados Judiciais e do Ministério Público, organizando seminários e conferências e produzindo relatórios sobre o estado de organização e funcionamento do judiciário angolano, procurando cumprir o seu papel de uma associação que se propôs contribuir para a construção do Estado de Democrático de Direito. Com base na intervenção cívica que vem desenvolvendo, a AJPD passa a apresentar de forma sumária um panorama de alguns dos problemas de que o judiciário angolano continua a padecer, reiterando algumas recomendações que, em face da persistência desses mesmos problemas, se mantêm actuais.


Em 2001, no I.º Seminário sobre a “Administração da Justiça e o Sistema Penitenciário Angolano”, tendo chegado às seguintes constatações:


 O bom funcionamento do sistema judicial podia constituir um meio favorável para ajudar a resolver muitos dos problemas que afectam o país.


 No geral, eram más as condições materiais, infra-estruturais e remuneratórias ao nível do sistema judicial, constituindo-se em causas geradoras da corrupção, da ineficácia, morosidade e ineficiência, problemas que interferiam na boa administração da justiça, condicionando, as mais das vezes, o exercício eficaz dos direitos dos cidadãos que a ele recorriam.


 Que urgia uma reforma estruturante do sistema judicial, bem como dos instrumentos que a informam, de modo a ajustá-la ao actual quadro do Estado Democrático de Direito.


Tendo recomendado o seguinte:


 Que o Governo angolano, cumprindo com os compromissos assumidos de boa fé e no quadro das vinculações que decorrem do direito internacional, criasse um espaço que permitisse o concurso de todos os seguimentos da sociedade interessados na institucionalização de um verdadeiro Estado Democrático e de Direito, pois, as iniciativas a este nível visavam tão só contribuir para a eficácia da justiça e jamais substituir os órgãos estatais vocacionados para a administração da justiça;


 Que se aumentassem os recursos na área judicial, acompanhado o processo de reformas políticas e sociais levadas a cabo pelo Governo, dando maior formação ao homem e aprovando um conjunto de condições políticas que permitissem maior independência dos serviços públicos deste sector;


 Que fossem criadas verdadeiras escolas de formação e aprimoramento para os magistrados, tendo em vista, a breve trecho, um desempenho mais qualificado e conforme com os princípios e legislação em vigor;


 Que fosse acometida à uma autoridade jurisdicional a legalização da prisão, retirando tal competência ao Ministério Público, através da criação da figura do juiz de instrução. (OBs: Note-se que a actual solução do juiz de garantias não se compagina com a exigência dos tratados internacionais de que Angola livremente se tornou parte. É exemplo deste facto o recente caso do processo do senhor António Panzo, que alegou que não haviam garantias de isenção da parte do Ministério Público e ganhou a questão junto das instâncias judiciais de Espanha. O Ministério Público angolano, ao mesmo tempo, continua a deter os poderes da promoção da investigação criminal e da legalização da prisão).


Em 2002, a AJPD, o Amplo Movimento de cidadãos (AMC), a Estrela da Criança, a Acção para o Desenvolvimento Pesquisa e Cooperação Internacional (ADPCI) e a OKUTIUKA, tornaram pública uma Tomada de Posição sobre o estado do Sistema de Justiça Angolano, tendo feito as seguintes constatações:


 Não haver condições de trabalho aceitáveis ao nível do sistema de justiça, nas prisões, na DNIC (actualmente SIC) e nos tribunais;


 Haver práticas de corrupção nos tribunais, de extravio e de desorganização dos processos (…)


 Os tribunais e a PGR não estarem a contribuir para a aplicação do direito e da justiça conforme os princípios da expectativa e razoabilidade jurídicas, que abarcam as razões de oportunidade ou conveniência prática que legitimam uma solução, por exemplo, em relação aos tribunais: o facto de não julgarem em tempo oportuno, e em relação ao Ministério Público: o facto de não tornar público, em tempo útil, os resultados dos inquéritos que manda instaurar.

Tendo feito as seguintes recomendações:


 Que se tornasse motivadora a carreira das Magistraturas Judiciais e do Ministério Público no que concerne à remuneração e garantias do seu exercício;


 Que o Governo criasse condições de trabalho para a DNIC (actualmente SIC).

Em 2005, no relatório de Direitos Humanos – “Um olhar sobre o Sistema Penal Angolano, Agosto de 2000/ Outubro de 2004, a AJPD, tendo feito a seguinte constatação:


 que a justiça angolana se caracterizava, ainda pela falta de efectiva independência do poder judicial em relação ao poder político;
Recomendou o seguinte:


 que as associações representativas das Magistraturas deveriam impulsionar a revisão do estatuto remuneratório dos Magistrados, bem como exigir do Executivo a dotação de mais e melhores condições para o exercício da função jurisdicional.
Em 2009, no relatório sobre “Os Direitos Humanos e a Administração da Justiça Penal em Angola – Os Progressos e Retrocessos de uma Justiça Penal em Crise, 2006- 2009”, a AJPD fez certas constatações tendo recomendado o seguinte:


 Que o Conselho Superior da Magistratura Judicial fosse capaz de divulgar todos os anos o número de processos remetidos aos Tribunais no país e o número de processos julgados e não julgados em cada Tribunal e Secção;


 Que fosse incentivado e estimulado a constituição de associações dos funcionários administrativos dos Tribunais tais como secretários judiciais, escrivães de direito e seus ajudantes; e oficiais de diligências com vista a defesa dos seus interesses incluindo a criação de melhores condições de trabalho e salariais.


 Que houvesse clareza e transparência em relação à selecção e promoção de magistrados, ou seja, que as regras de realização de concursos públicos e os critérios de promoção e acesso às formações de actualização de conhecimentos fossem claramente regulamentados e que os concursos e as promoções fossem conduzidos por instituições independentes através de procedimentos tornados públicos.


 Que o Tribunal Supremo se pautasse pela transparência de suas decisões e procedimentos e que os acórdãos fossem publicados através de livros e da internet, seguindo-se os passos do Tribunal Constitucional.


 Que a Procuradoria Geral da República adoptasse acções com vista a criação de melhores condições materiais de trabalho para os procuradores destacados nos municípios (e esquadras).


 Que os Deputados no quadro das competências constitucionais visitassem os tribunais, as esquadras, as DPICs (SICPs) para constatarem, in loco, as condições e os métodos de trabalho, que dizem respeito às responsabilidades do Executivo.


 Que houvesse redefinição das metas e do quadro de integrantes da Comissão da reforma da Justiça para que os objectivos ainda não alcançados o fossem com a urgência que o tema exigia.


Finalmente o relatório “ Angola: O Sector da Justiça, os Direitos Humanos e o Estado de Direito” de 2017, também elaborado pela AJPD, constata que ao longo de 21 anos foram produzidas algumas reformas, mas, que a organização e funcionamento do judiciário angolano estão muito distantes de se compaginarem com a tábua de valores do Estado Democrático de Direito e por esta razão a AJPD reafirma as recomendações que se mantêm actuais e insta o poder político a assumir um mudança de mentalidade e postura em relação ao poder judicial.


Neste novo paradigma, sem prejuízo das competências dos Conselhos Superiores da Magistratura Judicial e do Ministério Público, as associações socioprofissionais destas magistraturas e bem como as associações cívicas de promoção e defesa dos Direitos Humanos devem ver assegurado o direito de participação efectiva na resolução dos problemas do judiciário angolano, conforme o impõe a al) l, do art. 21.º da CRA.

Luanda, 19 de Agosto de2021

Serra Bango
Presidente da AJPD