Luanda - A constituição é o documento mais importante de qualquer Estado, representa a sua identidade pois é a partir dela que nós passamos a conhecê-lo. Da mesma forma que cada pessoa natural ou individual possui a sua cédula ou bilhete de identidade, o Estado como pessoa colectiva também deve ter a sua cédula, ou bilhete de identidade. A constituição é o documento que define as regras de organização e funcionamento do Estado, as relações que este estabelece com os cidadãos titulares de direitos fundamentais, bem como as premissas da relação dos cidadãos entre si. A constituição apresenta-se como referência primária para qualquer sector, área ou até mesmo poder constituído dentro dos Estados e demais pessoas colectivas, sejam elas públicas ou privadas.

Fonte: Club-k.net

Como se pode notar, a constituição é uma documento fundamental para o Estado, pois define as linhas através das quais ele se constitui, funciona e se projecta. As normas por ela consagrada estão acima de quaisquer outras e o seu conteúdo deve ser obedecido por qualquer entidade seja pública ou privada. Os Estados devem criar as condições necessárias para que as normas constitucionais sejam respeitadas e quando violadas as consequências sejam devidamente aplicadas aos infractores.


Como efeito existem vários mecanismos para prevenir as violações às normas constitucionais, dentre eles e por motivos óbvios, o que mais se destaca são os tribunais. Em termos gerais os tribunais podem ser entendidos como instituições destinadas a resolver conflitos que não tenham encontrado soluções por via do entendimento entre as partes contendoras. As partes submetem os seus diferendos aos tribunais e esperam que estes por aplicação das normas realizem justiça no plano concreto. De referir que a maior parte dos litígios estão ligados a formas diferentes de entender e consequentemente de aplicar normas jurídicas.


Ora, com as normas constitucionais passe-se o mesmo. Havendo problemas na interpretação de normas constitucionais as partes submetem o conflito ao tribunal cabendo a este tomar a decisão que seja conforme e que materialize as directrizes constitucionais. Esta afirmação demonstra que o tribunal Constitucional tem a missão de prevenir e ao mesmo tempo reprimir eventuais violações às normas constitucionais.


Em Angola e devido a opções constitucionais, existe um tribunal especializado a quem compete a administração da justiça em matérias de natureza jurídico-constitucionais, ou seja; todos os problemas decorrentes da aplicação das normas constitucionais.


Sempre que uma norma ou acto do Estado e demais entidades públicas violarem uma disposição constitucional, aquela poderá ser declara inconstitucional e em princípio não produzirá os seus efeitos pois será eliminada do ordenamento jurídico, ou não poderá ser aplicada ao caso em discussão, tal como uma das partes requer.


As competências do Tribunal Constitucional constam do artigo 181º da Constituição da República de Angola e em legislação ordinária nomeadamente; a Lei nº 2/08 de 17 de Junho, Lei Orgânica do Tribunal Constitucional e a Lei nº 3/08 de 17 de Junho, Lei do Processo Constitucional. Da leitura conjugada podemos extrair destes documentos três tipos de indicações, a saber;


A primeira tem a ver com as competências do Tribunal Constitucional. Estão todas ligadas à aplicação das normas constitucionais que em termos gerais podem ser representadas pelas seguintes;


a) Apreciar preventivamente a constitucionalidade de quaisquer normas e demais actos do Estado;

b) Apreciar preventivamente a constitucionalidade das leis do parlamento;


c) Exercer jurisdição sobre outras questões de natureza jurídico-constitucional, eleitoral,


e político-partidária, nos termos da Constituição e da lei;

d) Apreciar em recurso a constitucionalidade das decisões dos demais tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade;~


e) Apreciar em recurso a constitucionalidade das decisões dos demais tribunais que apliquem normas cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.


O Tribunal tal como resulta claro do acima apresentado pode exercer outras competências, sendo que em qualquer dos casos a sua actuação será sempre pautada por critérios jurídico-constitucionais, é um tribunal especializado cuja missão primacial e geral é garantir a vários níveis, o respeito pelas normas constitucionais, prevenindo e reprimindo a sua violação. Daí que ele actue por exemplo no domínio dos direitos fundamentais, cujo mecanismo representativo é o Recurso extraordinário de Inconstitucionalidade, ou ainda no domínio da relações intra-partidárias, por via da resolução de conflitos internos dos partidos políticos.


O Tribunal Constitucional exerce também competências específicas no domínio eleitoral nas mais varias níveis, sendo responsável por exemplo pelo contencioso eleitoral.


A legislação referida, estabelece por força da orientação constitucional os tipos de processos a serem apreciados pelo Tribunal Constitucional sendo que em cada um deles encontramos regras específicas e que facilitam a sua aplicação.


A segunda indicação está relacionada a sua composição, o Tribunal Constitucional nos termos do nº 3 do artigo 181º da Constituição da República de Angola é composto por 11 juízes indicados por várias entidades a saber;

a) 4 juízes indicados pelo Presidente da República, incluindo o Presidente do Tribunal;

b) Quatro juízes eleitos pela Assembleia Nacional por maioria de 2/3 dos deputados em efectividades de funções, incluindo o Vice-presidente do Tribunal;

c) Dois juízes eleitos pelo Conselho Superior da Magistratura judicial;

d) Um juiz seleccionado por concurso público curricular, nos termos da lei.


Os juízes são indicados para exercerem um mandato não renovável por um período de sete anos.


A terceira indicação tem a ver com a actuação dos juízes, eles gozam de garantias de independência, inamovibilidade, imparcialidade e irresponsabilidade. Em regra, os processos submetidos a apreciação do Tribunal Constitucional são analisados pelo Juiz Presidente a quem compete decidir sobre a sua admissão ou não. Em caso de admissão, cabe ao Juiz Presidente a indicação de um relator, o juiz que irá elaborar a proposta de decisão em função dos elementos que forem apresentados pelas partes. Durante o processo de elaboração do Acórdão, os demais juízes deverão emitir a sua opinião a respeito do tema em discussão e deverão fazê-lo por intermédio de um visto. Terminados os prazos para a preparação do Acórdão e recolhidos os vistos, o relator deve remeter a proposta ao Juiz Presidente para que este agende a discussão com todos os juízes, no caso os onze, é o que a Lei denomina por plenário. De referir que nem todos os casos são discutidos em plenários, alguns são decididos pelas câmaras outros ainda pelo Juiz Presidente sem concurso dos demais juízes.


Os Acórdãos não obstante sejam apresentados pelo Juiz relator, eles são votados em plenária sendo a decisão que obtiver mais votos, a escolhida para implementação. Os juízes que não concordarem com o conteúdo das decisões poderão, caso pretendam, emitir um documento em que apresentam o seu ponto de vista e as razões que terão justificado o seu voto contra, neste caso ele emitirá um voto de vencido.


Em termos gerais eis algumas linhas que auxiliam a compreender a organização e funcionamento do Tribunal Constitucional da República de Angola, um órgão judicial importante para a defesa da Constituição, garantia e manutenção dos direitos fundamentais dos cidadãos e do Estado democrático e de direito. Por conseguinte, o Tribunal Constitucional, sem desprimor dos demais, tem a missão de proteger os valores estruturantes de um Estado, muitas vezes materializados nos princípios da separação do poder, legalidade, prossecução do interesse público etc.


*Jurista, especialista em Direito Constitucional