Luanda - Na semana em que Manuel Aragão foi afastado das funções de Presidente do Tribunal Constitucional, tornou-se conhecida a decisão do Ministério Público de dar provimento ao pedido de retirada de Adalberto Costa Júnior da liderança da UNITA.

Fonte: NJ

Na sua fundamentação, a favor dos queixosos que querem Adalberto Costa Júnior fora do poleiro do "Galo Negro", o Ministério Público assegura que as provas confirmam que, quando o visado apresentou a sua candidatura à presidência da UNITA, "era ainda cidadão português".

 


Os queixosos alegam que Costa Júnior "possuindo uma nacionalidade estrangeira, no caso portuguesa, fraudulentamente em conluio com terceiros, enganou a direcção do partido e os congressistas, fazendo passar a ideia de que o mesmo havia apresentado uma certidão de que constava a renúncia da nacionalidade portuguesa".

 


Defendem, também, a atribuição da vitória ao nada carismático e pouco conhecido do grande público, Alcides Sakala, o segundo mais votado do Congresso da UNITA ou ao anterior presidente, Isaías Samakuva, que, em 16 anos de liderança, foi humilhantemente derrotado em todas as eleições, proporcionando maiorias qualificadas ao MPLA.

 


Apesar de a UNITA rejeitar categoricamente a versão dos queixosos e considerar que alguns nem sequer são seus militantes, o Ministério Público encontrou dados suficientes para respaldar junto do Tribunal Constitucional a saída de Costa Júnior.

 


De notar que o afastamento de Manuel Aragão surge depois de este ter considerado, em documento escrito, que a revisão constitucional do Presidente João Lourenço representa "um suicídio do Estado Democrático e de Direito".

 


Esta substituição ou demissão, a terceira em dois anos, em órgãos fundamentais da Justiça (em 2019 demitiu-se o presidente do Supremo e, em Abril do ano em curso, o provedor de Justiça), transmite um claro sinal de crise no sector, devido à "exagerada interferência política em assuntos judiciais", de acordo com a juíza jubilada Luzia Sebastião.

 


O afastamento de Aragão e a referida decisão do Ministério Público surgem depois de o MPLA ter anunciado, em comunicado do seu Bureau Político, que a permanência de Costa Júnior à frente da UNITA estava "por um fio", antecipando-se, desta forma, às instâncias judiciais.

 


Com a agudizada crispação política, crise económica e social profunda, popularidade do Presidente da República e do seu partido em pleno declínio, essa crise da justiça, pilar central do Estado de Direito Democrático, prenuncia um ano pré-eleitoral de grande instabilidade política.

 


Neste quadro, a substituição de Manuel Aragão por um membro do Bureau Político do MPLA, até então secretária de Estado da Administração do Território, envolvida em negócios pouco claros em Angola e Portugal, adensa as suspeições sobre a parcialidade dos tribunais a favor do Executivo e do partido no Poder.

 


Quando se aguarda com enorme expectativa e ansiedade pelo desfecho da queixa pela destituição de Costa Júnior que, consequentemente, afecta o destino da recém-criada Frente Patriótica, constituída para desalojar o MPLA do Poder, esperava-se que os tribunais fossem vistos como árbitros em vez de elementos da contenda.

 


Estes episódios transmitem a ideia de que, para a manutenção no poder, vale tudo e que a liderança política é indiferente aos clamores da opinião pública e de agentes judiciais, como acontece com a contestação de "Manico" (Manuel Pereira de Sousa) na presidência da Comissão Nacional Eleitoral (CNE).


 

Nesse vale tudo antidemocracia, entra também a captura dos meios de comunicação social de capitais públicos e o reforço da censura sobre juízes e académicos da área do Direito que não alinhem com a propaganda da cartilha do poder.


 

É assim que, na mesma semana, noticia o jornal on-line Correio Angolense, o jubilado juiz do Tribunal Constitucional, Raul Araújo, viu censuradas duas entrevistas por si dadas à Rádio Nacional de Angola (RNA) e à Televisão Pública de Angola (TPA), os dois maiores órgãos de comunicação social do País.

 


Nas entrevistas, Araújo considera que as razões dos votos vencidos de Manuel Aragão e Carlos Teixeira ao acórdão da proposta de revisão Constitucional do Presidente da República estavam "tecnicamente bem fundamentadas", classificando de "normal haver votos discordantes e (que) isso está salvaguardado na Lei Orgânica do próprio Tribunal".

 


O jubilado juiz lembra também que "por imperativo constitucional", a Assembleia Nacional deve cumprir as decisões dos tribunais.


 

As suspeições e denúncias de parcialidade do Poder Judicial angolano há muito que ultrapassaram as fronteiras do território nacional, expondo, de forma negativa, o País, apontado como exemplo de sociedade autocrática, onde os princípios democráticos são uma falácia.

 


É neste contexto que surge, em acórdão, a afirmação do Tribunal Constitucional de Espanha de que em Angola, "a Procuradoria-Geral da República recebe instruções directas do Presidente da República, não no âmbito da representação do Estado pelo procurador-geral da República, ou seja, no exercício da acção penal".


 

Se o Ministério Público recebe ordens do Presidente da República, também líder do MPLA, partido que já sabe que a liderança de Costa Júnior "está por um fio", é fácil concluir que a decisão de mover um processo, visando afastar da corrida eleitoral o forte candidato à presidência de Angola, tem o dedo ou, pelo menos, da anuência de João Lourenço.


 

Com esse gesto, o Poder devia perceber que poderá incendiar o País e atiçar a ira de uma juventude que enfrenta, em total desesperança, uma taxa de desemprego jovem superior a 58% e que olha com cepticismo para o futuro do País, onde há três milhões de crianças fora do sistema de ensino.


 

Jovens que têm evitado adoptar formas radicais de luta, para lá de manifestações, porque têm a firme convicção de que podem, pacificamente, com o seu voto de protesto, mudar a liderança do País, em 2022.


 

Todos esses sinais significam que o Poder terá percebido que Adalberto Costa Júnior e a Frente Patriótica, por si liderada, podem vencer ou pelo menos impedir a tão almejada maioria absoluta do MPLA e criar imensas dificuldades de governação ao partido pouco habituado a negociar e a fazer cedências.

 


Só isso pode explicar uma perigosa estratégia de tentar começar a vencer o jogo na secretaria, chame-se ela Ministério Público ou Tribunal Constitucional, de onde, neste último, a substituição de Aragão parece criar mais problemas políticos do que soluções.


 

Talvez o poder não tenha ainda percebido que "uma faísca pode incendiar toda a pradaria", como diz o velho ditado chinês, usado por Mao Tse Tung, em 1930, em carta para mobilizar os seus camaradas mais pessimistas numa China semicolonial.


 

Esse incêndio da pradaria, de consequências imprevisíveis interna e externamente, traria grande instabilidade e enormes prejuízos à reputação do Poder e imagem do País, a braços com uma crise económica e social que transporta consigo uma paisagem desumana de tanta miséria.

 


Seria bom que o Poder descortinasse que essa juventude, órfã de esperança em relação aos actuais governantes, guiada pelo lema "a nossa geração não pode falhar", mostra-se indisponível para aceitar vitórias na secretaria e obtidas de forma fraudulenta.



Para essa juventude, impedir Costa Júnior de liderar a UNITA e, consequentemente, de ser o cabeça-de-lista da Frente Patriótica, no escrutínio a realizar-se dentro de 12 meses, representa uma fraude agressiva por meios administrativos para qual se dispõe a combater com vigor.

 


Com as instituições do Estado em total descrédito, da Presidência da República às administrações municipais, o processo contra Adalberto Costa Júnior serviu para reforçar a sua popularidade internamente e desencadear uma onda de solidariedade externa com o líder da UNITA, empurrando um partido da grandeza do MPLA e sua liderança para as portas do fundo.


 

Descomandar e desagregar a oposição para ter uma auto-estrada livre para as próximas eleições, querendo escolher, a dedo, os adversários, enquanto se transforma em treinador, jogador e árbitro, é uma jogada muito arriscada, mesmo para um exímio xadrezista.

 


Este incêndio da pradaria pode provocar instabilidade sem precedentes e uma espécie de intifada, com o exército e a polícia armados até aos dentes de um lado e de outro uma juventude colérica, usando diversos meios ao seu alcance para contestar aquilo que consideram uma injustiça.

 


Nesse vale tudo, o País sairia sempre a perder e também, naturalmente, os promotores da instabilidade, que faria protelar ainda mais a urgente e inadiável tarefa de recuperação social, económica e humana de Angola.


 

Nesta era da comunicação e do digital, em que cada cidadão pode ser repórter de si próprio, as redes sociais têm tido também o papel de destapar a podridão de regimes autocráticos, seus secretismos e falta de transparência.


 

Em consequência, as formações liderantes desses regimes, entre os quais os chamados partidos libertadores de África, habituados a ter a opacidade como regra e a propaganda como centro da sua acção, entram em insanável contradição com os tempos actuais.


 

Surgem, assim, aos olhos da opinião pública como inadaptados e desenquadrados da conjuntura existente, demonstrando evidentes dificuldades em ler e interpretar os ventos de mudança muito impulsionados pela era do digital e por uma juventude pouco ideológica.

 


Depois da recente vitória presidencial do opositor zambiano Haikainde Hichilema, ostracizado politicamente durante 15 anos, da vitória do Presidente Lazarus Chakwera, no Malawi, que travou uma bem montada fraude eleitoral e do descalabro da SWAPO, transformada em força rural nas autárquicas da Namíbia, o poder em Angola devia olhar para os vizinhos e empregar toda a sua energia em "Resolver os Problemas do Povo".