Lisboa - Makas de uma angolana 1 Nós, os Angolanos, quando o assunto é competição, só aceitamos o último lugar (ou lugar nenhum) nos Jogos Olímpicos e ainda assim desde que esteja garantida, na cerimónia de abertura, boa nota para a indumentária

Fonte: Publico

O riso é uma das formas mais imediatas de compreender a realidade, sendo que algumas só se tornam compreensíveis à custa de muito rir. Numa aula de Análise do Discurso da turma de Comunicação e Cultura da Faculdade de Letras em Lisboa, foi-nos dado a rever, observando, uma sitcom dos fabulosos Gato Fedorento que começava com Ricardo Araújo Pereira, o RAP, a entrar ao pé-coxinho numa repartição pública. Interpretava-se brilhantemente a semelhança entre comédia e vida real, como mais à frente compreenderão.

 

Comecemos pela ficção e com RAP a interagir com José Diogo Quintela numa magistral criação ao estilo comédia de costumes: “– Boa noite.”, sinal de espera. “– Boa noite” e novo sinal de espera seguido de um aceno afirmativo do funcionário público representado por José Diogo que, ocupado que estava a falar ao telefone, desliga-o para ouvir RAP, o cidadão, que passa a expor “– Boa noite. Eu queria renovar a licença para andar na via pública ao pé-coxinho a partir das 22 horas, por favor.” Segue o diálogo: “– Muito bem. Olhe, precisa de escrever uma carta ao nosso diretor e trazer o papel.”. RAP, o cidadão confuso com a parca informação dada pelo funcionário JDQ, questiona “– Qual papel?”. Recebe de resposta “– O papel.” Depois disto, o discurso faz-se de perguntas e interjeições:

“– Qual papel?
– O papel.
– Mas qual papel?
– O papel.
– Ah! Mas qual papel?
– O papel.
– Mas qual papel?
(…)
– Calma! – apela o funcionário levantando a mão – A minha hora de almoço. O meu colega atende-o. Ó Arlindo, atende aqui o senhor se faz favor.”

Entra em cena Miguel Góis, o substituto funcionário público.

“– Boa noite. Eu queria renovar a minha licença para andar na via pública ao pé-coxinho a partir das 22 horas.” – Repete RAP perante o novo interlocutor, Miguel Góis.
“– Okay. Tem de enviar uma carta ao nosso diretor e preencher o papel.
– Está bem, mas qual papel?
– O modelo 33, anexo b. É um papel verde que custa trinta cêntimos e que pode comprar lá em cima na secretaria.
– Até que enfim! E depois o que é que eu faço?
– Preenche o papel e envia-nos o papel para nós pormos o selo.
(…)”

A cena continua da mesma forma hilariante como começou, mas eu suspendo-a aqui, pois é chegada a altura de vos contar uma outra história, real, mas não menos criativa do que a protagonizada por RAP, pois que nós, os Angolanos, quando o assunto é competição, só aceitamos o último lugar (ou lugar nenhum) nos Jogos Olímpicos e ainda assim desde que esteja garantida, na cerimónia de abertura, boa nota para a indumentária da missão olímpica.

Na Angola real o calendário fixava o dia 27 quando, em pleno Conselho de Ministros todo ele alinhado em torno das questões do clima, João Lourenço, ou JLo para dar seguimento às siglas, se cansa de esperar pelo papel que vinha pedindo a Jomo Fortunato. Ups! Chamemos-lhe antes, com a pompa e a circunstância que é seu hábito exibir, Jomo Francisco Isabel de Carvalho Fortunato, Ministro da Cultura, Turismo e Ambiente nomeado pelo Chefe de Estado João Lourenço. Conta-se que estava JLo, o presidente de qualquer coisa que Jomo Fortunato nunca percebeu bem para que serve, da mesma forma como sequer se lembrou de ter sido pelo último nomeado para o cargo ministerial que exerceu e do qual foi exonerado na passada quinta-feira. E não foram poucos os esforços que os senhores da Cidade Alta empreenderam, enquanto JLo manteve-se calma e longamente à espera que lhe fosse entregue pelo ministro com a tutela do Ambiente, Jomo Fortunato, um dossier que o colocasse a par das questões climáticas em Angola, de forma a se fazer presente, com brilharete, na Cimeira do Clima que arrancou este sábado em Glasgow, na Escócia. Ora, Jomo Francisco Isabel de Carvalho Fortunato brindou o Conselho de Ministro com a sua ausência, fazendo-se representar pelo Secretário de Estado do Turismo que se apresentou sem o tal papel e reforçando que, de clima, nada sabia.

A 26.ª Conferência das Partes (COP26) da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas não é bem um evento realizado nas traseiras da rádio LAC, mas como sempre mais focado na globalização do seu umbigo, o Ministro da Cultura, Turismo e Ambiente Jomo Fortunato, que foi nomeado por decreto presencial em novembro de 2020 num ato pressionado pelo partido dos únicos (entenda-se MPLA) e reprovado do Gabinete Presidencial chefiado por João Lourenço, terá espreitado en passant os primeiros papelotes que encontrou e, questionado o que a sua inteligência não alcançou, “o que é que este JLo quer ir a fazer à Escócia agora que  o petróleo está a subir e o verão começa a bater?!”

Desde janeiro que eu e a Angola dos cidadãos lúcidos estamos em modo “aceitam-se apostas e oferecem-se Lexus a quem decifrar a relutância de JLo” por nomear Ministro da Cultura, Turismo e Ambiente o ex-Presidente do Memorial Agostinho Neto, exonerado com a mão esquerda como PCA do Memorial e nomeado com a mão direita para o cargo ministerial, sempre pelo mesmo Chefe de Estado. Resta-nos supor que, depois de uma noite de repasto regada a vinho português e queijo francês, JLo ter-se-á esquecido dos motivos pelos quais decidiu pelo afastamento do professor afortunado e lá o mandou pastar para o MinCult que nestes tempos reúne pastas igualmente enfadonhas, como as do Turismo e do Ambiente.

Jomo Francisco Isabel de Carvalho Fortunato nunca percebeu bem por que é que semanalmente tinha de se reunir com os colegas do Executivo e prestar informações a um tal de JLo que, ao contrário dele, Fortunato, nem kizomba sabe dançar. Lá terá, a contragosto, ido decifrar esse grande enigma que é o porquê de viajar até Glasgow para falar de Ambiente quando todo o mundo sabe que ambiente mesmo é estar de copo na mão, a fazer que dança mas não dança, levantando ligeiramente o pé do chão, olhando à volta e confirmar o veredicto, “a nova da Jessica Pitbull está a bater!”.

Enquanto não saía, mas fazia de conta que saía o tal papel para compor o dossier pelo qual JLo esperava e desesperava, o ministro exonerado terá encontrado no fabuloso mundo da world wide web a palavra Antropoceno. Sendo ele o alpha e o ómega da cultura a nivelar por baixo em Angola, naquele estilo que lhe é tão próprio de bater boca com funcionários, ofender parceiros em dias de whisky e porteiros em dias de cerveja, o ministro agora sem pasta e há muito sem cultura entendeu que antropo+ceno só poderia significar continuar a sugar o erário público e acumular licenças que o vêm permitindo saltar na via pública como um sapinho. Exonerado, explicou-se: “– Estava a escrever o meu discurso.”

Ah! A sitcom termina da mesma forma como ficou João Lourenço. Sem papéis e, provavelmente, com um grande selo. Lembram-se da explicação do funcionário ao cidadão?

“– O modelo 33, anexo b. É um papel verde que custa trinta cêntimos e que pode comprar lá em cima na secretaria.
– Até que enfim! E depois o que é que eu faço?
– Preenche o papel e envia-nos o papel para nós pormos o selo.
– Qual selo?
– O selo.
– Qual selo?
– O selo.
– Mas qual selo?
(…)”

A cena continua em Angola, mas para quem preferir comediantes profissionais é rever aqui.